06/02/2008 - 8:00
DINHEIRO – Depois da “segunda-feira negra”, em que os mercados desabaram, boa parte das perdas foi recuperada. A crise passou?
JOHN RUTLEDGE – Os prejuízos daquele dia foram causados, em grande medida, pela venda maciça de ações pelo banco francês Société Générale, o que fez com que os mercados europeus caíssem 8% num só dia. E isso foi feito para liquidar as posições do operador Jérôme Kerviel, supostamente envolvido com fraudes. Por isso, não imagino que haja o risco de uma nova “segunda-feira negra”. O problema maior, nos Estados Unidos, está ligado às hipotecas, o que reduziu o volume de em- Entrevista / John Rutledge préstimos e aumentou o custo das operações. Mas há ainda um risco maior, que poucos estão enxergando.
DINHEIRO – Qual é?
RUTLEDGE – O da redução de impostos sobre ganhos de capital, feita pelo governo Bush, que irá expirar em dois anos. Isso pode provocar uma queda de 20% a 30% nos preços das ações, já que os ganhos dos investidores serão menores. E todos os candidatos democratas, que parecem favoritos à sucessão americana, já indicaram a intenção de aumentar os impostos. Só que isso não foi precificado pelo mercado.
DINHEIRO – O sr. defende a tese de que os mercados funcionam como uma rede global e que, portanto, não há “descolamento” dos emergentes. É isso?
RUTLEDGE – Eu invisto em fundos do mundo inteiro e também aconselho famílias nos Estados Unidos, na Europa, no Golfo Pérsico e na China. Todos eles compram ativos de um mesmo menu. As fugas de capital hoje estão casadas porque refletem decisões tomadas pelas mesmas pessoas. Do lado da economia real, um crescimento forte na China puxa os preços das commodities e valoriza empresas do Brasil, da África do Sul e da Indonésia, o que pode causar uma certa diferenciação. Mas, quando se fala dos mercados de capitais, os preços são cada vez mais determinados de forma global.
DINHEIRO – No contexto atual de incerteza, vale a pena investir em ações?
RUTLEDGE – Essa é uma boa hora para investidores com sangue-frio. Os mercados estão voláteis e devem continuar assim por muito tempo. Isso significa que a melhor estratégica é olhar para o longo prazo, analisando o valor intrínseco da empresa que se está comprando. Quem investe em ação, na verdade, compra os lucros futuros da empresa. E se você pode comprar algo que vale dois dólares por um dólar, ganhará dinheiro, independentemente da volatilidade dos mercados.
DINHEIRO – Falando da economia real, como os emergentes devem se comportar diante de uma recessão nos Estados Unidos?
RUTLEDGE – Uma recessão americana reduziria o valor das exportações oriundas dos emergentes e também os preços das commodities. Ocorre que países como o Brasil são mais sensíveis ao crescimento da China do que ao desempenho dos Estados Unidos. No ano passado, por exemplo, os chineses foram responsáveis por 35% do crescimento do PIB global, enquanto EUA, Europa e Índia deram uma contribuição de apenas 10%, cada um.
DINHEIRO – Mas o sr. aposta na recessão americana?
RUTLEDGE – Hoje, cerca de dois terços da economia americana estão no setor de serviços, onde as empresas não têm estoques nem se comportam de forma cíclica. Por isso, não creio que a economia vá apresentar dois trimestres consecutivos de queda no PIB, o que caracterizaria uma recessão. Se ela vier, será breve e pouco profunda. Quando as pessoas se derem conta disso, haverá um novo impulso de alta no mercado acionário americano.
DINHEIRO – Quais foram os erros macroeconômicos que causaram a crise?
RUTLEDGE – O maior erro foi a má compreensão da política monetária. No passado, o Departamento do Tesouro reduziu a capacidade de empréstimo dos bancos e o volume de financiamentos para as empresas caiu de US$ 1,1 trilhão, em novembro de 2000, para US$ 870 bilhões, em abril de 2004. Como as pequenas empresas são as maiores responsáveis pelo emprego nos Estados Unidos, isso reduziu as taxas de crescimento e fez com que o Fed trabalhasse com juros muito baixos, perto de 1%. Foi isso que acabou inflando o preço dos ativos e criando a bolha no mercado imobiliário, com valor irreal para as propriedades
DINHEIRO – Mas o ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, era chamado de maestro. Ele errou?
RUTLEDGE – Alan é um homem, não um maestro. Ele cometeu o erro de acreditar que a economia responderia aos estímulos do Fed como um carro responde ao acelerador e não compreendeu o papel das pequenas empresas nem dos fundos de private equity na economia americana. Suas políticas erráticas, feitas à base de taxas de juros de curto prazo, são a causa direta da volatilidade dos preços das ações e da bolha imobiliária.
DINHEIRO – Ben Bernanke parece seguir o modelo de Greenspan. Não é um risco?
RUTLEDGE – Quando ele reduziu os juros, não copiou Greenspan. Fez o que qualquer banco central faria, pois sua função é atuar como emprestador de última instância e garantir a liquidez dos mercados. Alguns economistas dizem que o Fed está descuidando da inflação. Não penso assim. Os preços sobem nos Estados Unidos porque o crescimento dos países emergentes colocou pressão sobre as commodities. Mas isso não está no núcleo da inflação, que continua sob controle. E não penso que um banco central, neste momento, deva aumentar os juros. Até porque isso não teria efeito algum, por exemplo, sobre choques, como o que ocorre no petróleo.
DINHEIRO – A crise põe em risco o cenário do Brasil como um país investment grade?
RUTLEDGE – Para o Brasil atingir o grau de investimento é apenas uma questão de tempo. Isso irá reduzir o custo de capital das empresas brasileiras e elevará o valor de mercado dos grupos negociados em bolsa. É a recompensa pelas políticas corretas seguidas nos últimos anos.
DINHEIRO – A gestão Lula surpreendeu?
RUTLEDGE – Eu me surpreendi quando descobri que o presidente Lula é um primo do saudoso Ronald Reagan. Um homem com carisma e que introduziu as políticas que estão garantindo esse novo ciclo de crescimento na economia. Agora, ele não teria feito nada disso sem o apoio da sociedade.
DINHEIRO – Apesar dos números da economia, já se fala que há uma bolha no mercado acionário. O sr. concorda?
RUTLEDGE – Preços altos demais em relação aos fundamentos da economia, ou preços baixos, não seriam algo saudável para o mercado brasileiro. A melhor situação é aquela em que os mercados refletem fundamentos, olhando a tendência dos lucros das empresas e dos juros. Hoje, no Brasil, a chamada relação preço/lucro é de 13 vezes, olhando os resultados de 2007, e de 11,6 vezes, projetando os ganhos de 2008. Para um país que está crescendo mais de 5% ao ano, não penso que isso seja uma bolha.
DINHEIRO – Nos Estados Unidos, há economistas, como Paul Krugman, comparando a situação americana com a do Terceiro Mundo. Faz sentido?
RUTLEDGE – Infelizmente, o professor Krugman permitiu que suas inclinações políticas influenciassem sua análise econômica. Os Estados Unidos não são e jamais serão uma economia de Terceiro Mundo. Têm um PIB de US$ 14 trilhões e os investidores controlam US$ 200 trilhões em ativos. As autoridades econômicas não estão desesperadas. Estão lançando medidas apenas para que a economia continue forte. É claro que há desafios em áreas como o comércio e a energia. Além disso, precisamos voltar a receber os imigrantes e o capital internacional. Mas eu diria que os rumores sobre o fim dos EUA são exagerados.
DINHEIRO – Mas o que o sr. diria da invasão dos fundos soberanos da Ásia e do Oriente Médio, que estão comprando ícones americanos?
RUTLEDGE – Os fundos soberanos são um fato. Chegaram para ficar e qualquer investidor de longo prazo deve ser bem-visto nos Estados Unidos. Acho que o perigo é a reação política contra esse tipo de investimento. Um exemplo: quando a empresa chinesa Cnook tentou comprar a americana Unical, o Congresso americano bloqueou a transação. O mesmo acontece agora, com os chineses da Huawei tentando comprar uma participação da 3Com. Acho que esse tipo de protecionismo é uma das causas do declínio do dólar.
DINHEIRO – Este é um ano eleitoral. Quem seria a melhor pessoa para corrigir os problemas da economia americana?
RUTLEDGE – Os eleitores já deram sinais de que são contra um governo que gasta demais, e que tem uma política externa agressiva e desrespeita as liberdades civis. É por isso que os outsiders, mas com caráter, como John McCain, Mitt Romney e Barack Obama, têm se saído tão bem. Desses, acho que Romney é o mais compromissado com políticas de livre mercado e com reduções de impostos, sendo ele, portanto, o melhor nome para o fortalecimento da economia . Mas se a eleição fosse hoje, creio que a senadora Hillary Clinton venceria. O resultado seria crescimento menor, mas uma política externa melhor e mais positiva para a imagem dos Estados Unidos.
DINHEIRO – Dias atrás, em Davos, o investidor George Soros defendeu um “xerife” para os mercados financeiros globais. O sr. apóia a idéia?
RUTLEDGE – Acho que George Soros gostaria de ser esse xerife, mas não vejo essa necessidade. Dá para passar muito bem sem esse controle.