02/03/2002 - 7:00
“A autonomia do BC é uma idéia que nasceu próspera e será aprovada”
DINHEIRO ? O Congresso vai se rebelar diante da agenda econômica do governo Lula?
JOSÉ SARNEY ? Quem apostar no caos, no desgoverno, vai perder. Até aqui, o governo foi apoiado pelo Congresso e, garanto, não será nessa legislatura que o Planalto não terá votos suficientes para aprovar os seus projetos econômicos.Para tudo aquilo que não for considerado viável, vamos procurar alternativas. O Executivo precisa do Congresso e, praticando o diálogo, insisto, conseguirá obter dos parlamentares tudo o que necessitar em termos de legislação. Aqui no Senado e, também, na Câmara.
DINHEIRO ? A reforma tributária passa?
SARNEY ? Até junho ela será votada. O essencial já foi aprovado. Estamos na segunda etapa, que está na Câmara.
DINHEIRO ? Há clima?
SARNEY ? Não vejo nenhuma divergência capaz de atrapalhar a reforma tributária. Ela saiu do Senado perfeitamente acordada, com todas as dúvidas dirimidas e com um consenso entre todos os partidos. À Câmara resta aprovar as modificações que foram feitas pelo Senado.
DINHEIRO ? Não há o risco de ela ter muito emenda e, ao final, termos uma reforma tributária tipo Frankenstein?
SARNEY ? Os políticos não são cientistas loucos. Os deputados sabem o que é melhor para o País e estão trabalhando com essa consciência.
DINHEIRO ? Qual é o mapa de prioridades para as votações da agenda econômica?
SARNEY ? Não houve inversão de prioridades, isso precisa ficar claro. Antes das eleições das mesas, falava-se na necessidade de aprovar as reformas tributária, administrativa e, também, a reforma política, que terá reflexos positivos na econo-
mia. Isso tudo continua na ordem do dia. Há, ainda, o projeto que trata da autonomia do Banco Central e a Lei de Biossegurança. Analisamos também, no final do ano passado, o texto que trata das agências reguladoras. Isso tudo continua valendo.
DINHEIRO ? O projeto que trata da autonomia do Banco Central nem chegou e já está causando problemas…
SARNEY ? minha avaliação é muito diferente dessa. O clima é de apoio total à idéia de autonomia do Banco Central. É uma idéia que nasceu e prospera e que, hoje ou amanhã, será votada.
DINHEIRO ? O novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, já afirmou que desce da Mesa para o plenário só para votar contra…
SARNEY ? Eu acho que na hora que o presidente Severino estudar com profundidade o que significa a autonomia do Banco Central, o que ela representa como avanço na condução da economia, terá outro ponto de vista.
DINHEIRO ? Ele também é contra a Lei de Biossegurança…
SARNEY ? Ele não foi eleito pelos seus pontos de vista nem pelas suas reações tópicas. Ele foi eleito por um movimento administrativo dentro do Congresso. De maneira que ele significa ?um? ponto de vista. A lei de Biossegurança foi votada pelo Senado, fizemos o substitutivo que atende a todas as tendências e a Câmara vai aprovar o substitutivo mandado por nós. Logicamente o Congresso não tem unanimidade, mas tem unidade.
DINHEIRO ? O mercado reagiu mal à eleição do deputado Severino. A Bolsa caiu e até o risco-País subiu. Essa gangorra tende a continuar?
SARNEY ? Eu sempre admiti o que o Adam Smith dizia a respeito do capital. Toda vez que ele ouve um tiro, foge de medo. Mesmo assim, não entendo como as bolsas podem ficar tão nervosas com a eleição de um presidente da Câmara cuja principal função é dirigir os trabalhos da Casa, presidir as sessões e administrá-la. Ele não tem essa atribuição política de barrar ou evitar que o País avance na área econômica. Há um evidente exagero tanto nessas análises quanto nas primeiras reações.
DINHEIRO ? Mas as declarações dele são conservadoras e não seguem a linha racional do mercado…
SARNEY ? Vamos lá outra vez: ele representa ?um? ponto de vista, que é dele, não o de todos. Dentro do Congresso há um ponto de vista consolidado, que é esse que votou as reformas, que reconhece a economia de mercado, que sabe que a democracia marcha cada vez mais para ser uma democracia que só pode ser exercida por coligações, que a sociedade pluralista necessita de variações de pontos de vista. Quando se chega a esse consenso, não é a opinião do presidente que modifica a decisão do Congresso. O mercado não precisa ter medo do Congresso.
DINHEIRO ? Isso vale mesmo sabendo que o presidente da Câmara tem a prerrogativa de alterar a pauta de votações, complicando a vida do governo?
SARNEY ? Essa é uma função que é determinada pelo Colégio de Líderes. Não acredito que o presidente Severino seja um homem que não tenha a noção do seu dever. Ninguém chega à presidência se não tiver uma formação capaz de dirigir a Casa sabendo que esta é um lugar de opiniões divididas, na qual ele não pode impor a sua opinião.
DINHEIRO ? O governo pode ter dificuldades com o PT fora da Mesa Diretora?
SARNEY ? De fato, a maior bancada fora da Mesa não é uma coisa que seja da tradição da Casa, mas o PT tem líderes que são parlamentares antigos, experientes e que saberão superar essa dificuldade. Até mesmo porque todos esses partidos que formam a base do governo estão dispostos a respaldar e assegurar a pauta do governo.
DINHEIRO ? Mas parece claro que isso significa mais verbas e cargos para os parlamentares.
SARNEY ? Não acredito. Acho que o que está havendo é mais um fenômeno midiático do que realmente uma rebelião, como dizem, dentro da Casa. Eu vejo reclamações comuns. O governo está cumprindo o calendário de procurar alcançar superávits primários e de administrar a economia dentro de um clima de austeridade.
DINHEIRO ? Não há sinais e que o governo vá abrir mão de governar por medidas provisórias, concorda?
SARNEY ? Discordo. Acho que o presidente Lula entendeu o recado. Não há mais condições de governar por medida provisória. As coisas deverão ser mais negociadas daqui pra frente. Esse excesso de MPs prejudica a todos. A nós, que temos o nosso trabalho feito por outrem, e ao próprio Executivo, já que a votação das MPs atrasa projetos de interesse público.
DINHEIRO ? A MP 232 será sepultada?
SARNEY ? O ministro Palocci já sinalizou que prefere um entendimento. Ele veio até o Congresso para discutir a MP com deputados, senadores e empresários. Acho que a saída não é um fim da medida provisória, mas a sua negociação. O diálogo é melhor do que qualquer bravata.
DINHEIRO ? O presidente do Senado, Renan Calheiros, assumiu pedindo reforma ministerial. Isso não gera incertezas para o mercado?
SARNEY ? O presidente Lula já tinha anunciado que faria essa reforma, de maneira que não é novidade para ninguém. O Renan não está fazendo outra coisa do que concordar com o presidente da República. Em nenhum momento ele cobrou cargos, só disse ser necessária a reforma.
DINHEIRO ? Os cargos das agências reguladoras podem entrar numa negociação, inflando a reforma ministerial?
SARNEY ? Não vejo dessa forma. Os cargos são prerrogativa do presidente da República. É claro que são submetidos à nossa aprovação. Mas são de escolha dele. O projeto que estamos tratando não interfere nessa escolha. Ele trata exclusivamente do funcionamento das agências.
DINHEIRO ? Diminuindo o poder delas…
SARNEY ? Ele não tira os poderes das agências, só corrige distorções. Estamos buscando uma prerrogativa que temos com os ministros. Os conselheiros também têm de prestar esclarecimentos ao Congresso e à Nação. Isso não é tirar o poder deles, mas dar mais poderes à sociedade para fazer a correta fiscalização, isso sim.
DINHEIRO ? O senador Antônio Carlos Magalhães é o novo presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Ele pode determinar quais projetos vão ou não a plenário. Lula perde?
SARNEY ? Antônio Carlos sempre foi um homem público da melhor qualidade, preocupado com a governabilidade com austeridade, responsabilidade fiscal e desenvolvimentismo. Ele pode criticar o governo, sim, mas nunca votou contra projetos que beneficiariam o País. Ele não vai dificultar. Eu o conheço há muitos anos.
DINHEIRO ? Para a Comissão de Assuntos Econômicos foi escolhido o senador Luiz Otávio, investigado pelo Tribunal de Contas da União por desvios de R$ 25 milhões do Banco do Brasil. Isso não é, no mínimo, desconfortável para o Senado?
SARNEY ? Não desejo comentar esse fato, uma vez que foi uma decisão tomada pela comissão e a gente tem de aceitar.
DINHEIRO ? Ele foi indicado pelo seu partido, o PMDB.
SARNEY ? Não. Ele disputou uma eleição dentro da bancada, em votação que foi secreta.
DINHEIRO ? Não seria mais conveniente ele aguardar o fim do processo?
SARNEY ? O julgamento da conveniência ou não da presidência é dele. Mas a CAE não é só o presidente. E tenho certeza de que ele não fará coisas indevidas ali dentro.
DINHEIRO ? O salário dos parlamentares, tudo indica, será aumentado para R$ 21 mil mensais. O sr. concorda?
SARNEY ? Não acho esse aumento conveniente. Mexe com a imagem dos deputados e senadores, é difícil para a compreensão da população.
DINHEIRO ? E o mandato de seis anos para o presidente Lula? O sr. ganhou um ano, ele conseguirá dois?
SARNEY ? Essa idéia não vai prosperar aqui dentro.