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NÃO CHORES POR MIM: Cristina quer reequilibrar o comércio e Lula diz que a demanda é legítima

QUEM CIRCULA PELO ELEgante Puerto Madero, em Buenos Aires, na capital argentina, custa a acreditar que a economia local vive um enredo típico de um tango de Carlos Gardel. Operários e máquinas trabalham em ritmo frenético na construção de suntuosos prédios residenciais, muitos dos quais com preço de venda na faixa de US$ 1 milhão. Às margens do rio da Prata, os restaurantes continuam lotados. São turistas e integrantes da elite portenha que saboreiam suculentos assados, acompanhados de vinho tinto. Contudo, a bonança do setor imobiliário revela apenas parte da história. Entre os economistas locais, há um consenso de que a Argentina pode estar prestes a entrar novamente numa situação caótica, semelhante à vivida em 2001, que culminou com uma moratória de US$ 20 bilhões em títulos da dívida externa. No afã de encontrar culpados pela crise, a presidente, Cristina Kirchner, escolheu o suspeito de sempre: o Brasil. Adotou medidas protecionistas e impôs barreiras à importação de vários produtos nacionais. A justificativa é a necessidade de proteção da indústria local, mas isso não agradou nem aos economistas de lá. “A fragilidade da nossa indústria não será resolvida com barreiras contra o Brasil”, disse à DINHEIRO o economista Alejandro Ovando, diretor da IES consultoria. “O risco é ver o espaço que hoje pertence aos produtos brasileiros ocupado por importações oriundas da Ásia.”

O superávit comercial do Brasil chegou a US$ 4,8 bilhões em 2008, resultado que motivou o protecionismo

É exatamente isso que vem tirando o sono de empresários brasileiros, que, no ano passado, registraram um superávit de US$ 4,8 bilhões no comércio com o país vizinho – até 2002, eram os argentinos que tinham saldo positivo, mas, desde então, o sinal se inverteu e, a cada ano, melhora a posição brasileira, o que tem reflexo direto na taxa de desemprego: o índice saltou de 7,3% em dezembro para os atuais 9,6%. Para tentar uma solução negociada, os governos dos dois países acertaram, há duas semanas, em São Paulo, a formação de comissões setoriais bilaterais para discutir as demandas de cada área. “É minha obrigação tentar equilibrar o comércio bilateral”, disse Cristina Kirchner. O presidente Lula, por sua vez, agiu com a mesma condescendência que tem tido com todos os países vizinhos. “É uma demanda legítima.” Sinal de que o Brasil fará pouco para conter o protecionismo.

Com as novas barreiras, um dos setores mais prejudicados é o de máquinas e equipamentos. No bimestre janeiro- fevereiro houve uma queda de 27,6%, em relação aos embarques feitos em igual período de 2008, para clientes do país vizinho. Segundo Mario Mugnaini, diretor da Abimaq, a Argentina é o segundo maior mercado para as máquinas brasileiras. Em 2008, os argentinos importaram US$ 1,3 bilhão do Brasil, de um total de US$ 13 bilhões. Apesar das evidências, o dirigente se mostra cauteloso: “Ainda é cedo para calcular o real estrago”,argumenta. Na área agrícola, no entanto, a conta é dramática. A reconhecida competitividade do agronegócio argentino está sucumbindo à mão forte do governo de Cristina Kirchner, que sobretaxou as exportações. Além disso, o setor foi castigado em 2008 por uma grande seca, que afetou principalmente a produção de grãos. As perdas fomentaram o confronto dos ruralistas em relação ao governo. O movimento conhecido como “El Paro”, tem efeito pontual sobre a economia. Entretanto, a queda na renda agrícola já está colocando em xeque o futuro do setor.

A redução da atividade agrícola argentina também se reflete no Brasil. Rasso von Reininghaus, vice-presidente de vendas da Massey Ferguson, já contabiliza prejuízos: “As restrições comerciais e de crédito devem reduzir à metade a exportação de tratores e colheitadeiras para o país vizinho”, estima o executivo. Atualmente, 15% da produção da planta da empresa no Brasil tem como destino o país vizinho. O gerente de vendas da Fischer Freios, Rui Rocco, endossa esse cenári. “Tivemos de abrir mão do mercado argentino. Eles estão fazendo exigências demais, numa visível postura de dificultar a vida dos produtos brasileiros. Do jeito que está a Argentina, não dá para fazer negócios”, garantiu.

O desemprego na Argentina disparou de 7,3% para 9,6% desde dezembro e endossou as recentes medidas protecionistas da presidente Cristina Kirchner