Giorgio Armani, 75 anos, entra na passarela elegantemente vestido em um bem cortado – não poderia ser diferente – terno preto e gravata azul. Já é o fim do desfile e o autor dos vestidos femininos apresentados na última semana de alta-costura de Paris parece acanhado com os aplausos que ecoam da plateia. Iluminado por um holofote em meio ao ambiente todo apagado, ele une as duas mãos junto ao corpo, reclina-se de modo a agradecer e, finalmente, abre os braços e o sorriso ao mesmo tempo.

A cena se repete todo ano e o público não se cansa dela. Armani estilista nascido em Piacenza e moldado em Milão, hipnotiza a crítica de modo singular. Essa característica, contudo, não é restrita às passarelas: também se estende ao mundo dos negócios. Seu grupo é uma das grandes potências do universo do luxo, possui mais de 500 lojas espalhadas pelo mundo e fatura 1,6 bilhão de euros.

“O grupo Armani é o meu bebê. Eu o criei, sou o CEO e o único acionista”, diz Armani em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Giorgio Armani atingiu esse patamar criando um ímã ao redor de seu nome, o que permitiu estender sua grife para as mais variadas áreas. É possível ver sua marca em roupas, hotéis, carro, chocolate, perfume, óculos, móveis, televisão, telefones celulares, entre outros objetos.

“Enquanto, o grupo Louis Vuitton Moët Hennessy (LVMH) é considerado uma das grandes escolas de negócios de conglomerado que administra várias empresas, Giorgio Armani é a mais fascinante escola de um grupo ancorado em uma marca só”, diz Carlos Ferreirinha, diretor da MCF Consultoria e Conhecimento. E o criador desse modo único de fazer negócio contou como ergueu esse império, uma história que pode ser aplicada tanto no mundo da moda como nos negócios.

As estratégias de gestão adotadas pelo empresário vão bem além das passarelas. Armani conseguiu se diferenciar no mercado com um conjunto de fatores que, à primeira vista, podem parecer simples, mas são altamente sofisticados. Primeiro: seus produtos são atemporais – muitas de suas roupas desenhadas na década de 90 podem ser usadas atualmente.

Segundo: percepção de mercado para se antecipar ao desejo dos consumidores. Exemplo: aliou seu nome a uma fabricante de tevê como a Samsung para criar uma tela plana com sua grife. Terceiro: marketing de relacionamento. É comum ver celebridades internacionais, astros de Hollywood e jogadores de futebol como David Beckham usando seus trajes. Esses pilares têm sustentado uma extensão de marcas muito bem arquitetada.

Todas as suas grifes, sejam as que atendem a classe média, como a Armani Exchange, sejam as que estão no topo da pirâmide, como a Armani Privé, levam o nome do estilista. Afinal, o público que nunca comprou uma peça da grife não consegue diferenciar as linhas. Resultado: Armani segmenta cada marca para cada tipo de bolso, sem perder a aura da exclusividade. “A minha estratégia é usar o estilo de vida para construir um universo ao redor de uma marca”, explica ele.

Na operação do grupo no Brasil, administrada pelo empresário André Brett e pelas empresárias Michelle Nasser e Patrícia Gaia, também é possível encontrar essa diversificação. Das 14 lojas no País, duas são Giorgio Armani, três possuem a logomarca Emporio Armani e sete, Armani Exchange. Outras duas lojas da grife funcionam dentro de um outlet no interior de São Paulo.

“Vamos abrir mais quatro até o fim do ano”, anuncia Patrícia Gaia, CEO do grupo no País. “Estarão localizadas em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.” A expansão não para por aí. John Hook, um dos principais executivos do grupo no mundo, confirmou à DINHEIRO que uma Armani Casa, loja especializada em móveis e decoração, será inaugurada em São Paulo até o fim do ano. “E estamos procurando pontos em outras cidades brasileiras”, diz Hook.

Para ele, o Brasil é um dos mercados mais promissores do mundo, ao lado de China, Índia e Rússia. Outro investimento que pode desembarcar no País é o de um hotel com a bandeira da marca. “Por enquanto não há previsão, mas, levando em consideração o vasto potencial econômico do Brasil e a sua localização privilegiada como porta de entrada na América do Sul, é algo que devemos considerar”, conta o executivo. Mas essa decisão não depende apenas do grupo.

Nos negócios que fogem do universo da moda, Armani se cerca de parceiros e apenas empresta seu nome. E aí está outra de suas lições: não se aventure a fazer aquilo que não sabe. Foi por isso que assinou contrato com a Emaar Properties, uma das grandes construtoras dos Emirados Árabes, para criar a sua rede de hotéis.

O primeiro da série foi inaugurado no famoso prédio Burj Khalifa, em Dubai, o mais alto do mundo, com 828 metros de altura. A próxima unidade será erguida em Milão. Depois será a vez de outras capitais europeias. “O Armani escolhe muito bem os seus parceiros”, diz Julio Moreira, sócio da consultoria Top Brand. A fórmula foi usada em outros segmentos.

No universo automobilístico, ele se uniu à Mercedes para criar uma série limitada com o seu nome. Quando decidiu explorar o universo digital, hoje uma extensão do mundo da moda, se associou à Samsung, que criou telas de plasma e telefones celulares com a grife do estilista. A lista de parcerias é vasta.

Até agora, o licenciamento tem sido muito bem-sucedido. Basta ver que, se as vendas de produtos licenciados forem incluídas no faturamento consolidado do grupo, os números saltam de 1,6 bilhão de euros para 2,5 bilhões de euros anuais. “Mas, se eu acredito que um produto não combina com a minha filosofia, não empresto meu nome para ele”, diz Armani.

A frase de Armani reflete seu estilo de gestão, e você pode aprender algo com ele. Como é o único acionista e comandante da empresa, ele pode se dar o luxo ” com a licença para o trocadilho ” de definir os rumos de qualquer detalhe de sua empresa. “Hoje em dia, jovens designers estão à mercê dos grandes grupos, que tomam a decisão definitiva”, diz Armani, dando a entender que sua independência é vital para o desempenho dos negócios. É justamente por isso que conglomerados como LVMH, de Bernard Arnault, e PPR, de François Pinault, já tentaram comprar o grupo Giorgio Armani.

O que ele pensa sobre o avanço dos rivais? “Excluí qualquer futuro casamento com alguma empresa de moda. Isso poderia levar à rivalidade entre as marcas”, diz. O futuro da renomada casa de moda, porém, deixou muita gente preocupada. É que, no fim do ano passado, Armani adoeceu de hepatite, o que o afastou dos negócios por um bom tempo. Daí, foi um passo para que notícias de uma possível venda circulassem no mercado. “Só para ficar claro, não tenho nenhuma intenção imediata de vender minha empresa”, diz Armani. “No entanto, percebo que não estarei por perto para sempre e é por isso que estou criando na minha organização um pequeno grupo de gestores competentes que podem continuar os negócios quando eu não estiver mais por perto.”

Para entender esse apego de Armani ao grupo é preciso, acima de tudo, conhecer sua trajetória. Ele construiu uma das 100 marcas mais valiosas do mundo e acumulou uma fortuna pessoal de 5,3 bilhões de euros a partir do zero. Quando era jovem, saído do serviço militar, ele conseguiu o primeiro emprego em uma loja de departamentos de Milão, chamada La Rinascente. Começou arrumando as vitrines e depois se tornou comprador de moda masculina. Foi nessa época que a veia de estilista despertou. Com o tempo, recebeu uma proposta para ser criativo na grife Nino Cerruti. Mas não durou muito. Seu parceiro, Sergio Galeotti, o chamou para montar o próprio negócio. Armani topou.

O dinheiro para a empreitada veio da venda de um velho Volkswagen e, em 1975, instalados em um pequeno escritório em Milão, contrataram uma jovem estudante de moda e uma secretária. Assim surgia a Giorgio Armani. Para surpresa do estilista, a primeira coleção foi um sucesso. Enquanto Sergio era o homem dos negócios, ele apenas criava. Sergio, porém, morreu no fim dos anos 80 e Armani teve de aprender a se virar sozinho. Tinha que criar e comandar a parte comercial e financeira da empresa. Essa, diz Armani, foi a fase mais difícil de sua vida. Talvez por isso ele tenha muito mais a ensinar.

 

Entrevista:”O grupo Armani é o meu bebê ”

Acompanhe os principais trechos da entrevista de Giorgio Armani:

Que conselhos o sr. daria para um designer que está começando agora?
Hoje em dia, jovens designers estão realmente à mercê dos grandes grupos de negócios, que tomam a decisão definitiva. Meu conselho para eles seria tentar e manter sua verdadeira individualidade e filosofia fashion. Ouvir seus instintos e criar roupas que espelhem o que a sociedade quer e precisa.

E o que a sociedade quer? 
As pessoas querem roupas que têm uma vida mais longa e, portanto, são melhores investimentos. No meu modo de pensar, roupas e acessórios deveriam ter uma qualidade atemporal sofisticada, em vez de serem escravos de tendências.

Hoje, Armani é mais do que uma marca de roupa. É possível ver sua grife em hotéis, celulares, tevês… Como o sr. transformou sua companhia em um ímã no setor de luxo?
A minha estratégia é usar o estilo de vida para construir um universo ao redor de uma marca. Mas, se eu acredito que um produto não combina com minha filosofia, eu não empresto meu nome para ele.

O sr. pensa em se aposentar?
O grupo Armani é o meu bebê. Eu o criei, sou o CEO e o único acionista. Realmente não posso me imaginar sem ele.

Mas o sr. pensa em nomear um herdeiro para assumir suas responsabilidades?
Só para ficar claro, não tenho nenhuma intenção imediata de vender minha empresa. No entanto, percebo que não estarei por perto para sempre e é por isso que estou criando um pequeno grupo de gestores competentes que podem continuar os negócios quando eu não estiver mais por perto.

E se associar com outros grupos?
Eu realmente excluí qualquer futuro casamento com uma empresa de moda, pois é algo que poderia levar à rivalidade. A situação ideal seria um investidor de outro setor que queira investir, mas que permita que a marca mantenha sua identidade. Mas, como você sabe, eu não tenho nenhuma intenção de fazer nada precipitadamente. O tempo dirá.