O administrador de empresas Marcos Alcântara Machado, formado pela Fundação Getúlio Vargas e gestor de R$ 3,4 bilhões na gestora Claritas, está longe de ser um leigo em investimentos. A experiência e o conhecimento, porém, não o impediram de perder R$ 2 milhões em um negócio arriscado. Tudo começou em 2010. Um amigo o apresentou à empresa da factoring Porto Forte, que se dedicava a financiar companhias de pequeno e médio porte, e que estava em busca de recursos. Muitos dos investidores na Porto Forte eram profissionais do mercado, como Machado.

“O perfil deles me animou a participar”, diz. Meses mais tarde, ele evoluiu de investidor, por meio da compra de ações da Porto Forte, para administrador da empresa. Ele logo percebeu algo errado. “Os dividendos pagos aos acionistas preferenciais não batiam com o número de ações emitidas e divulgadas, um indício de fraude.” Em fevereiro de 2011 foi descoberto um rombo de R$ 40 milhões. As perdas recaíram sobre Machado e outros 540 investidores, lesados pelo que se suspeita ser uma pirâmide financeira. As ações viraram pó.

O suposto responsável pelo golpe é o economista mineiro Guilherme Camargo, fundador da Porto Forte e apelidado de Maddoff brasileiro, em uma referência ao americano Bernard Madoff, cuja pirâmide financeira, descoberta em 2008, drenou US$ 50 bilhões de investidores em todo o mundo – Brasil inclusive. Uma pirâmide é uma fraude que atrai investidores com promessas de lucros excepcionais. Suas aplicações remuneram os investidores anteriores e os autores do esquema. Quando o dinheiro deixa de entrar, a estrutura desmorona.

Para provar que foi isso o que ocorreu na Porto Forte, Machado levantou R$ 250 mil junto a 97 investidores lesados para pagar uma auditoria nas contas da factoring e contratar o advogado Ricardo Salles, que deu início a uma investigação em setembro de 2012. O inquérito criminal 1071, que correu no 15º Distrito Policial de São Paulo, no Itaim Bibi, já terminou e está prestes a ser enviado ao Ministério Público. “Se o juiz considerar que Camargo cometeu os crimes, o processo seguirá para julgamento”, diz Marco Aurélio Flóridi Batista, delegado titular.

Caso contrário, ele será arquivado ou pode voltar para a delegacia para ser complementado. “Ele não pode ficar impune”, diz Salles. Como funcionava o esquema? Os investidores compravam ações preferenciais da factoring, que pagavam um dividendo fixo mensal de 190% do CDI, transformando as ações em uma aplicação de renda fixa. A rentabilidade alta e garantida atraiu uma multidão de interessados. Com passagem de quatro anos pelo departamento financeiro da multinacional Procter & Gamble, Guilherme Camargo seduziu jovens funcionários de bancos de investimentos como Merrill Lynch, Citibank e Goldman Sachs, que garantiram a propaganda boca a boca.

“Eles prometiam um retorno acima do que era encontrado no mercado, e o fato de conhecer os fundadores gerava confiança para investir”, diz a engenheira Daniela Fassal, que conheceu Camargo nos tempos de P&G e perdeu uma cifra não revelada no esquema. Ela diz que seu prejuízo teria sido muito maior se não tivesse resgatado parte do dinheiro, entre 2008 e 2009. O suposto esquema chegou às manchetes por ter envolvido José Roberto Ermírio de Moraes Filho, um dos herdeiros do Grupo Votorantim, que investiu R$ 1 milhão na Porto. Procurado, Moraes não retornou o contato. “Muitas pessoas do mercado financeiro foram convidadas a se tornarem sócias e terem um cargo bacana na Porto Forte, e só depois viram onde estavam metidas”, diz o analista de sistemas Rodrigo Denser, que investiu R$ 160 mil.

Ele percebeu que as coisas não iam bem quando ouviu de um amigo que estava difícil resgatar as aplicações e tentou, sem sucesso, reaver seu próprio investimento. Em 2011, quando a factoring foi desmontada, Denser participou de uma Assembleia Geral com os diretores e dezenas de investidores enfurecidos. “Foi horrível, a auditoria mostrou que Camargo tinha poder sobre a conta corrente e sobre a contabilidade”, diz. Mesmo dando início ao processo, Machado reconhece que os lesados têm sua parcela de responsabilidade. “O grande erro, meu e de outros investidores, foi ter baseado nossos aportes na confiança e não realizar uma diligência rigorosa”, diz Machado. Há vários indícios contra Camargo, que os investidores tentam provar para incluí-los na acusação.

Um deles é a suspeita de que empresas de parentes de Camargo, como a Santa Marina Agropecuária, tomaram empréstimos da factoring e jamais pagaram as dívidas. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também apura se a Porto Forte cometeu irregularidades na gestão de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Em 2011, o investidor Tiago Serrano acusou a empresa de contabilizar ativos inexistentes nos livros do fundo, o que lhe causou um prejuízo de R$ 90 mil. Ouvido pela CVM, Camargo afirmou que a Porto Forte apenas analisava a qualidade dos créditos que seriam adquiridos pelo fundo.

Consultada, a CVM informou que o processo continua em andamento. As atividades da Porto Forte foram encerradas em 2012, mas Camargo não desapareceu do mercado. Ele faz parte do conselho de administração da gestora de fundos de private equity RJCP Equity, listada na BM&FBovespa. Seu nome também surge como sócio da gestora Newbury Capital, que não é registrada na Anbima nem na CVM, e que localiza-se em um prédio residencial onde Camargo morou há um ano. O economista e a RJCP Equity foram procurados, mas não retornaram os contatos.