Há o IGP-M, a Selic, a TBF, o Ibovespa e o IBX. Fiquemos com um outro índice, o caviar. Trata-se de uma medida de riqueza e luxo, no Brasil, nos Estados Unidos, na França, na Rússia, no Irã. É uma baliza, simples e direta, em todo o mundo. Assim: há os que podem consumi-lo e os que não podem. Os ovos de esturjões, peixes pré-históricos, com 250 milhões de anos, transformaram-se em sinônimo do bem viver, muitas vezes de arrogância e, certamente, de sabor raro. Pode-se contar a história econômica da civilização, e especialmente aquilo que Karl Marx definiu como luta de classes, por meio da delícia. É o que faz a jornalista americana Inga Saffron no saboroso livro Caviar ? A Estranha história e o futuro incerto da iguaria mais cobiçada do mundo, lançado no Brasil pela editora Intrínseca.

São 317 páginas que misturam mitologia e economia. Servem, depois de rigorosa reportagem (Inga foi correspondente em Moscou, no início dos anos 90), ao mesmo objetivo da celebrada canção de Zeca Pagodinho, que parece ingênua mas corta como faca, incomoda e põe na mesa as diferenças sociais. ?Você sabe o que é caviar?/ Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar/Caviar é comida de rico, curioso fico, só sei que se come/Na mesa de poucos fartura adoidado/Mas se olha pro lado depara com a fome/Sou mais ovo frito, farofa e torresmo?. Ovo frito, farofa e torresmo são mesmo comida boa ? mas não têm o fascínio do caviar. É alimento com história.

Foi ração de porcos, no tempo dos mongóis. Virou artigo de luxo, com os czares russos, graças a uma tripla mística: o paladar intenso, a célebre escassez e, em decorrência dela, o preço elevado. A fêmea do esturjão é animal em extinção em seu hábitat, os mares Cáspio e Negro. Um quilo chega a custar US$ 3 mil. Inga Saffron mostra como o comunismo soviético foi duro com os esturjões ? mas como o capitalismo americano foi ainda pior. A economia estatal e planejada bolchevique ajudou a manter os preços lá em cima, ao controlar a produção, mas gerou também vergonhosa corrupção e descaso nos cuidados com o peixe. Depois de 1991, com o fim da União Soviética, nas mãos americanas, a ova virou apenas mais uma mercadoria furiosamente comercializada. Em meados dos anos 90, até na internet podia-se comprar caviar. Resultado: o preço despencou, os falsos produtos proliferaram. E o caviar foi salvo, ironicamente, por aquilo que pode derrotá-lo: a morte das fêmeas de esturjão. Como é difícil achá-las, e quando surgem, estão magras, os preços foram lá para cima. É uma ironia de uma lendária moeda de luxo. Nos anos 50, Charlie Chaplin cedeu um trecho de mil palavras de sua autobiografia ao jornal russo Izvestia. Os royalties de Chaplin foram quatro quilos de caviar, mais ou menos uma colher por palavra.