Nesta quarta-feira, 11 de setembro, Nova York será acordada com a música de cinco gaitas de fole acompanhadas pelo rufar de tambores. Às 8 da manhã, os músicos e uma multidão ilustre e emocionada vão se reunir no chamado ponto zero, o local onde há um ano caíram as torres gêmeas do World Trade Center. Haverá um minuto de silêncio às 8h46, no momento em que o primeiro Boeing seqüestrado chocou-se contra a Torre Norte. Depois, o ex-prefeito Rudolf Giulianni lerá o nome de 3.062 vítimas fatais do maior atentado terrorista da história.

Talvez seja impróprio falar disto em um momento de tamanha dor, mas o fato é que Giulianni poderia incluir em sua lista os nomes de todos os homens e mulheres ao redor do mundo cujas vidas foram alteradas pelo atentado ? e, sobretudo, pela reação irada e cega
que ele provocou no governo americano. Aos órfãos das torres devem ser somados os milhões de órfãos da liderança americana ao redor do mundo. Ferida na carne e no orgulho, a maior potência do planeta virou as costas para as suas obrigações econômicas, negligenciou suas obrigações comerciais e restringiu ao puro interesse bélico as suas obrigações diplomáticas. Não satisfeitos,
os EUA deixaram de lado seus compromissos ambientais e humanitários e reduziram o planeta a uma zona de caça contra terroristas. ?É menos importante ter unanimidade do que tomar as decisões certas e fazer as coisas certas?, afirma o secretário de Defesa Donald Rumsfeld, simbolizando a arrogância e a inconseqüência que tomaram de assalto a presidência de George W. Bush. Nunca, desde a Guerra Fria, os Estados Unidos gastaram tanto dinheiro em segurança (US$ 300 bilhões em um ano) e tão pouca energia em fomentar a esperança. No novo mundo criado pelo 11/9, os amigos são os que ajudam a segurança americana. E esses merecem tudo. Os que se recusarem a ajudar são evitados; os que obstruírem a mão da vingança serão punidos de um modo ou de outro. A guerra ao terror transformou-se no motor e justificativa única para a política externa americana.

?Se os EUA se preocupassem um pouco menos com o Iraque, isso daria uma boa ajuda à economia mundial?, afirma o economista Albert Fishlow, da Universidade de Columbia. A obsessão em fazer guerra a Saddan Hussein, a despeito das divisões internas no próprio governo americano, é apenas um dos aspectos dessa nova obstinação imperial. Na semana passada, o encontro mundial do meio ambiente em Johannesburgo, o Rio+10, terminou com uma sonora vaia ao secretário de Estado americano Colin Powell. Ao recusar-se a assinar os compromissos antipoluição, o país que mais consome energia e mais suja a atmosfera do planeta anulou qualquer iniciativa de controle ambiental. ?Os EUA estão menos dispostos do que nunca a se curvarem a leis e assinarem acordos internacionais que restrinjam sua liberdade de ação em qualquer área?, escreveu o Financial Times. Em outro exemplo gritante do agora famoso unilateralismo, os americanos estão se recusando a participar da corte internacional de Haia ? que julga civis e militares de qualquer país por crimes contra a humanidade ? e tentam forçar o Brasil e outros 179 países a assinar acordos bilaterais que garantiriam imunidade aos norte-americanos na mesma corte. O Itamaraty, compreensivelmente, resiste.

Nada, porém, afeta tanto os países emergentes como o Brasil quanto o descaso pela economia global. O recente acordo firmado com o FMI sob apoio da Casa Branca foi uma retumbante exceção à regra geral de ignorar a crise econômica na América Latina ? e só saiu porque dele, afinal, dependia a saúde financeira de boa parte da banca americana. Na Argentina, onde as perdas já ocorreram, a diplomacia americana não mostra a menor clemência. ?Este seria o século das Américas, mas os eventos de 11 de setembro deixaram a América Latina fora do circuito de interesses dos Estados Unidos?, admite a embaixadora americana no Brasil, Donna Hrinak. O fato é que o mundo econômico mergulhou numa crise profunda, de final indiscernível, e o governo americano não está mobilizando suas energias para revertê-la. Em vez de combater a recessão que em agosto mostrou-se novamente nas estatísticas americanas, Bush preferiu ordenar o bombardeio de instalações militares em Bagdá, na quinta-feira passada. A Europa está deslizando para a recessão e o Japão continua imerso nela, mas os EUA estão obcecados com a sua própria segurança ? ou, em uma visão mais cínica, com a popularidade de Bush Filho que parece subir a cada vez que aviões de caça decolam. ?Bin Laden deu a Bush todos os argumentos de que ele necessitava para legitimar seu imperialismo unilateral?, diz o cientista político Hélio Jaguaribe. Parece exagero? Não é. Eis uma frase do próprio presidente americano: ?Se esperarmos que as ameaças se materializem completamente, teremos esperado demais?. A paranóia americana deixou de ser um clichê cinematográfico.