DINHEIRO ? As usinas estão certas ao reclamar tanto e culpar o governo pela falta de incentivo ao setor? 

DANIEL BACHNER ? A grande briga do setor é muito mais em relação ao valor da gasolina do que com o valor do etanol. O controle de preços da gasolina limita o reajuste do etanol, que é livre. Como o combustível derivado da cana-de-açúcar não pode valer mais do que 70% da gasolina, existe um estrangulamento das margens. Se analisarmos quanto custa o etanol nas usinas e o que é cobrado dos consumidores nas bombas dos postos de combustíveis, percebemos que os impostos prejudicam demais o setor. Por isso, as usinas têm certa razão quando reclamam. Tanto é que, em alguns Estados, como São Paulo, começa a haver uma redução dos impostos sobre o etanol. 

 

DINHEIRO ? Mas o setor não é o único que sofre com os impostos e pede ajuda do governo? 

BACHNER ? Não queremos ajudar o setor a discutir se o governo está certo ou errado. Queremos ajudar as usinas e os produtores a melhorarem suas margens com a utilização de tecnologias. O aumento da produtividade é fundamental para o setor sucroalcooleiro. Para se ter uma ideia, a cana-de-açúcar pode chegar a um potencial teórico de 300 toneladas por hectare. A média dos canaviais do Estado de São Paulo é de apenas 85 toneladas por hectare. Algumas áreas pequenas na Índia produzem 220 toneladas por hectare. Isso mostra que dá para melhorar muito em termos de produtividade, algo que faz toda a diferença para quem trabalha com margens espremidas. 

 

DINHEIRO ? Por que a produtividade é tão baixa? 

BACHNER ? São vários fatores. Primeiro, no momento em que as usinas criam seus próprios berçários de mudas para fazer a multiplicação da cana-de-açúcar, os brotos podem não estar corretamente tratados e ficam carregados de doenças. Pode não ser uma planta sã, que dará baixa produtividade. Quem cultiva mudas doentes a cada ano, está plantando doença sobre doença. Isso é o que ocorre na maioria das lavouras do País atualmente. Alguns tipos de doença, como o fungo esfenófilos, acabaram se espalhando nas lavouras paulistas porque foram trazidas mudas contaminadas de outros Estados. Isso afetou a produção. 

 

DINHEIRO ? O Brasil poderá ter uma produtividade semelhante à da Índia? 

BACHNER ? A irrigação lá é melhor, com um alto nível de fertilização e espaços menores. Com plantações mais compactas, o controle é maior. Aqui é diferente. A Raízen produz cana em uma área de 850 mil hectares. Irrigar tudo isso é impossível. O México inteiro, por exemplo, produz 650 mil hectares. 

 

DINHEIRO ? Há três anos, o etanol era um bom negócio. Hoje, há usinas quebrando, a rentabilidade é baixa e os investimentos secaram. Por que vale a pena investir no combustível de cana-de-açúcar? 

BACHNER ? Depende a quais usinas você está se referindo. Há, hoje, usinas extremamente produtivas, com resultados excelentes. As novas usinas da ETH, do Grupo Odebrecht, por exemplo, e muitas outras que investiram em tecnologia e trocaram o processo de esmagamento pelo sistema de difusores, têm altíssima tecnologia de produção, com custos muito competitivos. Essas empresas conseguem produzir etanol e açúcar com rentabilidade. 

 

DINHEIRO ? Se o produtor não plantou é porque não valia a pena, certo? 

BACHNER ? Quando estamos em um ano muito bom, com dinheiro sobrando e tudo o mais, a renovação dos canaviais pode ser de 20% ou 25%. Em um ano de crise, com os preços muito baixos, essa renovação varia entre 7% e 10%. Então, como se gasta, em média, US$ 3 mil por hectare para plantar a cana, a empresa precisa ter caixa para poder reinvestir em períodos de baixa. Isso raramente acontece com as usinas menores. Quem não renovar o canavial só porque os preços estão mais baixos, não terá produto para entregar nos próximos anos. 

 

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Máquinas trabalhando na colheita de cana-de-açúcar, no interior de São Paulo.

 

DINHEIRO ? O baixo investimento em produção de etanol indica que o setor está desanimado com o futuro? 

BACHNER ? É o contrário. Estamos esmagando atualmente 550 milhões de toneladas de cana. A demanda interna, com 90% da frota flex, é para esmagar 1,2 bilhão de toneladas. Existe então uma produção muito aquém do consumo. Além disso, as usinas não estão quebrando. Existe, sim, um nicho de empresas que vão mal por razões próprias. Foram erros de gestão, talvez uma leitura equivocada do mercado. Existem atualmente 446 usinas no Brasil. Algo em torno de 180 a 200 delas são muito rentáveis. Algumas pequenas usinas foram incorporadas pela Shell-Cosan, que criou a Raízen, outras foram adquiridas pela British Petroleum, Louis Dreyfus e Bunge. Hoje elas estão produzindo com força máxima. 

 

DINHEIRO ? Onde estão as dificuldades? 

BACHNER ? A grande dificuldade está em ter a cana-de-açúcar para processar. Visitei, recentemente, algumas usinas. Vi que muitas colocaram a sua capacidade de produção em ritmo máximo. Os canaviais, no entanto, fornecem apenas 50% da cana que as usinas precisam. Ou seja, os parques industriais estão ociosos porque não têm planta para moer. O desafio, agora, está no aumento do plantio. Com mais cana no campo, em dois anos, o setor chegará a 100% da capacidade e a demanda de 1,2 bilhão de toneladas poderá ser suprida. 

 

DINHEIRO ? De uns tempos para cá, a gasolina e os impostos foram eleitos os vilões do etanol. Por quê? 

BACHNER ? O imposto não explica tudo. Nem a gasolina, que é uma das mais caras do mundo. Mas é fato que se os preços fossem livres, seria muito mais fácil. Os produtores tomariam suas próprias decisões. As coisas fluiriam melhor. No entanto, como é o governo quem decide em que momento deve mexer no preço da gasolina, por critérios políticos, essa briga será longa. 

 

DINHEIRO ? Quais seriam as razões? 

BACHNER ? Para entender os problemas da indústria sucroalcooleira é preciso analisar toda a composição de custos. Hoje, 70% do custo do etanol está no cultivo da cana-de-açúcar. E esse cálculo é complexo. Uma usina com 3 mil trabalhadores no campo enfrenta, por exemplo, uma chuva de processos todos os anos. Tudo isso é custo. A composição dos preços vai muito além dos cálculos que a maioria faz. 

 

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Preços dos combustíveis em posto da Shell.

 

DINHEIRO ? E culpar o clima pela falta de etanol. Faz sentido? 

BACHNER ? Antigamente, tínhamos o efeito La Niña e El Niño a cada dez anos. Agora, isso tem se repetido em todos os anos. Isso altera as correntes de vento e afeta demais a agricultura brasileira. Então, é melhor todos se acostumarem. Em um ano, teremos seca. Em outro, chuva. Ou seja, sem tecnologia para resistir a essas variações, a agricultura não tem futuro. Morre. 

 

DINHEIRO ? Qual é a solução? 

BACHNER ? Utilizando tecnologia. Desenvolvemos um broto de cana que permite redução de 15% no custo de produção e um aumento de até 20 toneladas por hectare. Ela simplifica o processo de plantio. Em vez de 100 pessoas trabalhando, utiliza-se apenas duas a três pessoas no plantio de um hectare. 

 

DINHEIRO ? Na questão impostos, por que os preços não caem quando há redução de tributos? 

BACHNER ? O preço na bomba não cai, mas a rentabilidade dos produtores é maior. Com isso, há mais investimento. Com mais investimento, a produção sobe. Com mais etanol, os preços tendem a ser melhores para o consumidor no longo prazo. Essa é a matemática que atrai tantas empresas petrolíferas. 

 

DINHEIRO ? A exploração do pré-sal não gera um desinteresse do governo em estimular o etanol? 

BACHNER ? Mesmo com o pré-sal, que dará ao País um excedente de gasolina, o etanol é atrativo. Isso porque a possibilidade de exportar uma gasolina ecológica, misturada com álcool, é um grande atrativo ambiental e econômico. Uma gasolina verde-amarela. 

 

DINHEIRO ? Isso aconteceu por desorganização dos produtores? 

BACHNER ? A previsão de aumento da produção era muito grande. A expectativa era de um período de superprodução. Daí começaram a surgir fatores adversos. Tivemos um problema de seca muito grande, que derrubou a produtividade dos canaviais. Aconteceu em São Paulo o que não ocorria há dez anos. A cana começou a florescer em razão da variação de temperatura. Em menos de um mês, a planta enfrentou frio, calor e chuva. O índice de açúcar dentro da planta despencou entre 30% e 40%. 

 

DINHEIRO ? Um estoque regulador resolveria essas questões climáticas, concorda? 

BACHNER ? Resolveria se a demanda não estivesse tão acelerada. Não existe um excedente de produção para criar um estoque regulador. 

 

DINHEIRO ? O mundo, algum dia, vai depender do etanol brasileiro? 

BACHNER ? O mundo não dependerá do Brasil, mas dependerá da tecnologia limpa desenvolvida dentro do Brasil. Isso deve acontecer rapidamente. O mundo precisará aumentar violentamente a produção não só aqui, mas em toda a parte.

 

DINHEIRO ? O aumento da produção de alimentos compete com o etanol? 

BACHNER ? Essa tese não faz nenhum sentido. No Brasil há 400 milhões de hectares de terra que foram dedicados ao pasto. Isso dá um boi por hectare. É a maior relação de espaço e gado do mundo. Com um pouco de tecnologia na pecuária, se melhorarmos as sementes do pasto e aplicarmos os inseticidas corretos, é possível criar quatro animais na mesma área.