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As cenas de violência e desespero que tomaram conta do mundo na semana passada mostram que a nova crise responde por um nome: comida. Egito, Filipinas, Indonésia e Costa do Marfim sofreram ondas de saques em busca de alimentos. Na Tailândia, tropas foram mobilizadas para conter a invasão aos campos de arroz. O governo haitiano chegou a ser deposto. Culpa da fúria da população que não consegue comer. O quadro ganhou rápida resposta, com o envio de mantimentos aos países afetados e muita retórica. Em meio ao caos, o relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, elegeu um culpado. ?Uma política de biocombustíveis que drena alimentos é a base de um crime contra a humanidade?, disse o suíço. A mesma cantilena foi repetida por outros órgãos multilaterais. E, mesmo sem ter sido citado diretamente por eles, o Brasil tomou a dianteira nas reações. Durante a conferência regional da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a FAO, em Brasília, o presidente Lula respondeu que não admitiria misturar o programa brasileiro de etanol com o problema nos estoques mundiais de alimentos. ?O verdadeiro crime contra a humanidade será descartar a produção de biocombustíveis e renegar os países estrangulados pela falta de alimentos e energia à dependência e à insegurança alimentares?, estrilou o presidente. ?Me espanta que são poucos os que mencionam o impacto negativo do aumento dos preços do petróleo sobre os custos de produção de alimentos. E menos ainda são aqueles que se revoltam contra o impacto nocivo e dos subsídios protecionistas?. A briga mostra que há interesses variados por trás da nova polêmica energética.

É notório que há, sim, um desvio na destinação das terras agrícolas. No ano passado, os Estados Unidos bateram um recorde de 60 anos ao expandir a área de milho para 37 milhões de hectares. Da produção total, mais de um terço acabou indo parar nas usinas de etanol (leia reportagem à página 33). E elas são beneficiadas pelos gordos programas de subsídio do governo. Foi de olho nessa movimentação que o diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Khan, rompeu um silêncio constrangedor que pairava sobre os escritórios de Washington. ?Se estes países decidem adotar programas de biocombustíveis, quer por segurança energética, quer por outros motivos, eles precisam olhar com atenção quando temos chamados de emergência?, disse. O recado veio mais explícito da boca do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick: ?Há uma incongruência em manter programas de subsídio ao mesmo tempo que se têm tarifas, como é o caso americano.? Numa atitude rara entre estrangeiros que se pronunciam sobre o assunto, Zoellick pareceu saber a diferença entre o etanol brasileiro e o americano. ?A maioria dos estudos mostra que o biocombustível de cana do Brasil tem eficiências adicionais?, completou. A chiadeira das autoridades mundiais tem motivo. Na quarta-feira 16, a União Européia anunciou que a inflação dos alimentos em março ficou em 6,2%. No Brasil, a Fipe divulgou que a inflação de alimentos em São Paulo chegou a 11,24%.

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FOME NA ÁFRICA: alta dos preços encareceu os programas de socorro da ONU

A redução nos estoques mundiais já chega a 400 milhões de toneladas, o menor nível em 30 anos. Esse quadro agrava disputas políticas e econômicas. ?Não há uma crise global; há casos isolados?, disse à DINHEIRO José Graziano, representante da FAO, órgão das Nações Unidas para a área alimentar, na América Latina. ?O que existe é uma política imposta por países ricos que subsidiam seus agricultores.? Quem mais se aprofundou nos motivos que levaram ao atual quadro foi o economista Marcelo Gingale, do Banco Mundial. Para ele, há cinco fatores atuando em escala mundial: o aumento da produção subsidiada de biocombustíveis; o incremento dos custos com a alta do petróleo, que já chega a US$ 114 o barril, e dos fertilizantes; o aumento do consumo em países como China, Índia e Brasil; a seca e a quebra de safras em vários países; e a crise americana, que levou investidores a apostar no aumento dos preços de alimentos em fundos de hedge. O diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, concordou neste ponto. ?A especulação afeta mais do que a política de combustíveis?, afirmou. ?Ainda assim, preços altos servem antes de tudo para relançar programas agrícolas em países pobres.? O Brasil serve como exemplo. No ano passado, o País exportou US$ 58 bilhões e os agricultores estão expandindo a área plantada.

O presidente Lula chegou a concordar em um dos pontos, no que tange à nova realidade dos emergentes. ?O alimento está caro neste momento porque o mundo não estava preparado para ver milhões de chineses, indianos, africanos e brasileiros comerem três vezes ao dia?, disse. ?Temos agora um desafio bom. Qual é? Aumentar a produção agrícola.? Neste sentido, o Brasil é privilegiado. É um dos poucos países com condições de expandir a área plantada. Atualmente, 62 milhões de hectares são utilizados para culturas agrícolas temporárias e permanentes no Brasil. Outros cerca de 220 milhões de hectares de terra são ocupados por pastagem para criação de gado. ?Em 15 anos, a área usada para a agricultura deve aumentar o equivalente a 50% do que foi ocupado em 500 anos de história do Brasil, sem prejuízos ambientais?, explica o exministro da Agricultura Roberto Rodrigues. ?E, graças ao aumento de produtividade da pecuária, essa expansão se dará sem redução da produção de carne.? É um processo que está sendo exportado. A Índia quer firmar parceria com a Embrapa para importar a tecnologia brasileira em alimentos. Sinal de que o Brasil pode ser o salvador da lavoura mundial.