A partir deste ano, o mundo vai começar a perceber o novo posicionamento ambiental do Brasil, com reconhecimento do valor da preservação do meio ambiente, dos povos indígenas, da economia circular e das tecnologias que podem ser desenvolvidas no bioma. Mas, para isso, o País, que já é uma referência política em sustentabilidade, precisa ser também referência econômica no assunto. A avaliação é de Rafael Tello, diretor de sustentabilidade da multinacional brasileira Ambipar, que nos dias 14 e 15 de setembro esteve em Nova York para participar do evento SDGs in Brazil, promovido pelo Pacto Global da ONU. A empresa se tornou embaixadora do Movimento Impacto Amazônia, que tem como principal missão atrair novos players para a promoção do desenvolvimento sustentável. “Nosso papel é o de ajudar com que essa mensagem seja mais simplificada, fique mais clara, e mostrar todos os benefícios, todo potencial desse desenvolvimento.”

DINHEIRO — Como o mundo hoje tem visto a agenda ambiental no Brasil?
Rafael Tello — A gente está em um momento em que as pessoas estão entendendo que o meio ambiente hoje, no Brasil, é um ativo em potencial. As organizações e a sociedade estão vendo que a gente precisa proteger o meio ambiente. O que simboliza isso melhor é como a pauta em Nova York girou em torno do tema Amazônia, com essa percepção. E a gente está vendo o exemplo de várias empresas de como a questão da preservação está virando fonte de valor social. É um momento muito interessante.

A percepção é que o País está dando importância a este tema?
Isso começa a ficar claro. Este ano o mundo vai ver um novo posicionamento ambiental. Isso é importante para que a gente consiga atingir nosso objetivo, que é ser visto pelos demais países como uma power house de preservação do meio ambiente.

E qual é este novo posicionamento?
De proteção, de reconhecimento do valor da floresta, dos povos indígenas, das culturas e das tecnologias que existem lá. É esse posicionamento que está abrindo e está amadurecido. É o que conseguiremos apresentar ao mundo, e já foi um pouco exibido no evento na ONU, na última semana.

Falando do evento SDGs in Brazil, a Ambipar tornou-se embaixadora do Movimento Impacto Amazônia, lançado em Nova York. Qual é o propósito desta ação?
O movimento tem a intenção de reunir as empresas para que a gente consiga promover a proteção da Amazônia e a conversão desta região em uma área promotora de possibilidades e de desenvolvimento sustentável brasileiro. A gente fala de prestação de contas sobre o status da floresta, de caminhos rumo ao cenário de desmatamento zero, da geração de negócios com base na bioeconomia. São vários objetivos. A essência do movimento é reunir empresas com diferentes experiências, com diferentes visões de negócios, com diferentes possibilidades de conhecimento e investimentos, trabalhando juntas, olhando para uma meta inovadora, ambiciosa, de alinhamento das atividades da região amazônica com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). A ideia é mirar alto para conseguir ter essa provocação.

E para caminhar nessa direção, é preciso que haja aliança entre o poder público e a iniciativa privada?
E também da sociedade civil organizada. É importante que estejamos todos juntos, porque os problemas realmente são muito complexos. Aqui em Nova York falamos em um painel sobre economia circular e economia de baixo carbono. E houve uma pergunta sobre como isso é possível ser feito dentro da Amazônia. A gente precisa ter diálogo para chegar ao alinhamento dos incentivos. Não adianta nada tentar uma cadeia de logística reversa na região amazônica se não houver incentivo para que as empresas produzam bens e embalagens utilizando materiais que sejam fáceis de serem reciclados, que deem escala em um ambiente muito desafiador. A gente precisa fazer todo esse diálogo, e se a gente não conseguir trabalhar desde a pessoa que está lá produzindo o design da embalagem, até a cooperativa que faz a coleta, e a indústria que vai resgatar esse material e processá-lo, e que todos os incentivos estejam alinhados, sejam fiscais, de meio ambiente, a gente não vai conseguir mudar essa realidade.

Isso depende de quem?
De todos. Mas é muito importante o setor privado puxar essas iniciativas. O setor público só pode fazer o que está previsto em lei, o que o torna, neste sentido, muito limitado. O privado pode seguir com mais avanços, com muito espaço de inovação. Isso torna a iniciativa privada mais rápida, por causa dessa liberdade. Ele pode entrar provocando, questionando, desafiando. O governo pode entrar transformando isso em legislação, incentivos, regras. E a sociedade civil entra junto dando essa avaliação, junto com a academia, com o setor de pesquisa e desenvolvimento. Com isso, é possível pensar em novas soluções, adequadas à nossa realidade.

Nesse sentido, qual é o papel da Ambipar nesse processo?
Eu considero que a gente tenha um papel muito estratégico, porque a questão da sustentabilidade está na nossa essência, na nossa missão. Hoje a gente é uma das empresas mais estruturadas dentro da questão da economia circular, pela nossa capacidade de fazer toda a gestão de resíduos pós-consumo, organizar toda essa logística reversa, levar para a indústria, fazer a transformação, e a gente ainda consegue compreender quais são os impactos de uma boa gestão de economia circular. E isso gera impactos econômicos, sociais, de novos empregos. Nosso papel é o de ajudar com que essa mensagem seja mais simplificada, fique mais clara, e mostrar todos os benefícios, todo o potencial desse desenvolvimento. É importante que isso seja entendido. E, junto com o Pacto Global, a gente tenta dar escala nessa mensagem.

“É importante que estejamos juntos, porque os problemas são complexos.
A gente precisa ter diálogo para chegar ao alinhamento de incentivos.”

E, com a criação do Movimento Impacto Amazônia, qual é a missão a partir de agora?
Hoje somos duas empresas embaixadoras, que é a Ambipar e a Eletrobras. Já estamos fazendo o chamamento para que outras empresas possam aderir ao movimento e aí toda essa questão começa a ser estruturada. Quem tem informações sobre a região amazônica pode nos ajudar com diagnóstico mais claro e robusto, quais empresas bem-sucedidas por lá que a gente pode escalar e contribuir e como que cada uma das empresas que vão entrar tem interesse em apoiar o projeto. No nosso caso, a gente quer ajudar empresas que queiram se instalar já a construir projetos com o máximo retorno para a sociedade possível.

De que forma o senhor enxerga a visão de alguns líderes mundiais, que no início do ano anunciaram a volta de envio de recursos para o Fundo Amazônia, ainda que não tenham de fato chegado?
O primeiro passo é o Brasil mostrar a sua visão, a sua intenção de preservação e uso produtivo da floresta. Bem definidos esses objetivos, aí fica bem mais fácil chamar os outros atores para debater esse tema. É claro que a proteção da floresta terá impacto na nossa região e no mundo de uma forma geral. O que a gente precisa agora é ter clareza do nosso papel. Com isso, os outros que compactuarem com nossa tese terão mais facilidade de nos apoiar. Esse é o caminho que vejo como mais adequado.

A sempre dicotomia entre meio ambiente e desenvolvimento é um assunto superado ou ainda é um tema a ser debatido?
Seria um assunto que deveria estar superado, mas não está. Ainda existe uma parcela da população nacional e internacional com essa visão. No evento da ONU, no painel Floresta em Pé, durante a fala de Luciano Huck e do Roberto Brito de Mendonça, que é ex-madeireiro e se tornou um defensor da floresta, o apresentador falava que muita gente via a Amazônia como uma mancha verde no mapa e um espaço a ser explorado. E é isso que a gente precisa constantemente estar combatendo, e não só no discurso, mas mostrando esses exemplos, como o do Roberto. A gente precisa de outras indústrias que, ao preservar a floresta, criem vantagens competitivas, ganhem mercado, para que a gente realmente possa dizer que esse é o caminho, de uma economia alinhada com a sociedade do século 21. Essa é a grande mensagem que a gente precisa passar, para que cada vez menos as pessoas vejam essa dicotomia.

Como o Brasil está, em termos globais, em relação às 17 metas dos Objetivos de Desenvolvimentos Sustentáveis (ODSs)?
No ranking global da Sustainable Development Solutions Network (SDSN), nossa realidade não é muito boa. A gente está alcançando uma ODS, a número 7, de energia acessível e limpa, mas algumas tendências positivas entraram na avaliação deles. A gente deve olhar a avaliação nacional, mas gosto muito mais do trabalho do Instituto Cidades Sustentáveis, que avalia os ODSs municipais. E quando a gente olha para o município, é possível ter um diagnóstico e criar planos de ação mais concretos e mais factíveis. E há muitos projetos interessantes acontecendo. E ajudamos as empresas a entender, dentro dos locais que atuam, quais ações devem fazer para aderir aos ODSs.

No ano passado, a Ambipar foi convidada a ser apoiadora institucional do Pacto Global. Desde então, qual o resultado já observado?
Esse foi um desafio bem grande. O Pacto Global tem a categoria de apoiador institucional, que é ocupado por empresas que têm aderência com o tema, capacidade de ajudar nos ODSs, comprometidas com a sustentabilidade. A gente já era signatário, desde 2020, e entendeu que seria positivo ter uma relação mais profunda com o Pacto. Desse apoio, a gente começou a trabalhar em como poderia avançar em nosso papel de promover esse mercado de sustentabilidade, que é onde a gente atua. Quanto mais empresas estiverem com agenda robusta de sustentabilidade, melhor para a sociedade e melhor para a Ambipar.

“O Brasil já é uma liderança política em sustentabilidade, mas precisa também ser protagonista econômico. Estamos presentes nos maiores fóruns globais.”

Hoje a Ambipar tem 2 milhões de hectares de florestas preservadas. Como foi essa construção para chegar nesse patamar?
Esse movimento veio pela aquisição de uma empresa, a Biofílica, que atua na área de conservação e que usa crédito de carbono como mecanismo de viabilização dos projetos. Através da parceria com proprietários de terras, principalmente na Amazônia, estabelece projetos de conservação em áreas com pressão de desmatamento. A lógica destes projetos é manter a floresta em pé. Por isso temos essa grande quantidade de terra monitorada por nós.

Onde o Brasil pode chegar nesse cenário?
O Brasil já é uma liderança política em sustentabilidade. A Eco-92 foi realizada no Brasil, a RIO+20 foi o maior evento depois e estamos presentes nos maiores fóruns globais. Temos uma liderança na questão de sustentabilidade, mas ela ainda é muito política, e precisa também ser econômica. O Brasil precisa ser protagonista econômico em sustentabilidade também. E é isso que a Ambipar faz, que é levar nossos serviços, nossa inteligência, e mostrar que o Brasil tem capacidade de desenvolver essa visão. Quanto mais empresas tiverem essa visão, mais o País vai ser reconhecido como referência em sustentabilidade.