03/09/2003 - 7:00
Na manhã de quarta-feira 26, o professor Carlos Lessa desembarcou de mau humor em Brasília. Estava com fome. ?É uma vergonha o que virou a aviação brasileira, só me serviram duas misérias de torradas frias?, disse. Seus olhos lacrimejavam. ?Vista irritada?, explicou. Também estava com a agenda cheia. Com José Viegas, da Defesa, falou sobre a fusão Varig-TAM. Com Dilma Roussef, das Minas e Energia, acertou um plano de liberar R$ 3 bilhões para o setor elétrico. Diante de Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, e José Dirceu, do Gabinete Civil, em conversas separadas, avançou nos detalhes do plano de reestruturação interna do BNDES, decidido quatro dias antes, no sábado 23. Pela mudança, ele se afasta do comando executivo do banco. Será um embaixador itinerante, negociará acordos com ministros e verbas com governadores, tratará com empresários de todo o País. ?Terei missões externas?, diz. ?Mas não sou uma rainha da Inglaterra nem marido enganado?. O poder efetivo de liberar recursos passa às mãos do atual vice-presidente, Darc Costa. Engenheiro civil de 55 anos, professor de Economia da UFRJ e ex-coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra, ele é homem
de confiança de Lessa e está com o prestígio em alta, em especial com o ministro José Dirceu, do Gabinete Civil. ?Vamos recuperar a ideologia do desenvolvimento?, avisa Costa. ?Todas as nossas
ações serão voltadas para a criação de empregos.? Também foi alterada toda a estrutura das diretorias do BNDES. O antigo diretor Industrial, Maurício Borges Lemos, indicado pelo secretário-geral da Presidência, Luís Dulce, virou diretor de Planejamento e de Operações Indiretas. Fábio Erber, ligado a Costa, saiu do Planejamento e agora acumula as áreas Industrial e de Crédito ? as mais poderosas. Outro diretor forte é Timóteo da Costa (ligado a Lessa), ex-Financeiro, agora titular de Infra-Estrutura.
Lessa não gosta das versões sobre sua perda de poder. ?Todo movimento que faço inventam que estou caindo ou o banco está parado?, reclama. ?Mas eu não comando a macrodinâmica. Os empréstimos caíram 26% porque o empresariado ainda não tem claro para onde o País vai crescer.? O presidente baixa os olhos. ?Cometi o pecado de não ser paulista e isso deixou o empresariado inseguro. Também mexi com muitos interesses econômicos.? Lessa afastou 27 superintendentes e empossou 11 outros de sua confiança. Na área de comércio exterior, reclama que a Embraer costumava exportar primeiro e pedir o financiamento depois. O banco tem hoje R$ 22 bilhões a receber da empresa e seus clientes, quase uma vez e meia o patrimônio líquido do banco, de R$ 16 bilhões. Ele levou o problema aos ministros Furlan e Dirceu. ?Contei que se algum cliente da Embraer quebrar, o BNDES quebra junto.? Foi levado a entender que o casamento entre a Embraer e o banco é indissolúvel. ?Mas aos poucos a companhia terá de encontrar novas fontes.? Lessa também acredita ter contrariado interesses dos maiores bancos nacionais. Ele se irritou ao saber que Bradesco, Itaú, Unibanco e Banco do Brasil recebiam 4% pela intermediação dos grandes projetos de investimento do BNDES. Decidiu emprestar diretamente. Semanas atrás, financiou a Petrobras em US$ 800 milhões para a construção de gasodutos. ?Economizei uns US$ 20 milhões.?
Orgulhoso de sua presidência, Lessa se exalta. ?Já salvamos a indústria naval brasileira?, festeja. O BNDES injetou US$ 200 milhões nos estaleiros do Rio de Janeiro para a construção de quatro navios-tanques para a Petrobras. Prepara ainda a injeção de mais US$ 600 milhões para a construção de outros oito navios. O próximo passo será a capitalização do setor energético, com os US$ 3 bilhões anunciados na semana passada. Lessa lembra dos
esqueletos que recebeu e volta a se irritar. ?O governo anterior
só fez merda no BNDES.? Ele começa a fazer revelações sobre a AES, controladora da Eletropaulo e inadimplente com o banco. ?Eu já encaixei a dívida como prejuízo e agora os americanos estão apavorados?, diz. ?Eles sentiram que essa ?merdalhada? vai dar em CPI.? Ainda em setembro, o BNDES começa a financiar o renascimento da indústria ferroviária. Serão liberados R$ 200 milhões para a Açominas fabricar trilhos, R$ 600 milhões para três empresas (Marxion, Aldelara e Mafersa) fabricarem 5.600 vagões a partir de 2004 e mais R$ 200 milhões para a GE e a Villares voltarem a produzir locomotivas. O passo seguinte será o financiamento da reestruturação dos setores petroquímico, siderúrgico e de celulose, estimulando fusões e aquisições. ?O Brasil só volta a crescer se o governo financiar obras de infra-estrutura?, explica Costa.