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BRIGA DE GIGANTES: Na fotomontagem, a Apple concorre com a empresa de Bill Gates

UMA DAS REGRAS BÁSIcas para vencer uma guerra é a de que um exército não deve abrir várias frentes de batalha ao mesmo tempo. A máxima também vale para o mundo corporativo. Uma empresa que se aventura em vários negócios ao mesmo tempo corre o risco de perder o foco, gastar energia demais e, em alguns casos, trabalhar em um mercado novo com velhas práticas. Existem, é verdade, exceções. “Ao entrar em um novo segmento, uma companhia pode garantir o futuro”, diz Jean-Marc Laouchez, líder da prática de business effectiveness do Hay Group. “É bom estar em várias áreas porque o mercado em que você atua hoje pode não ser bom amanhã”, aponta. A Microsoft, gigante da tecnologia com receita anual de US$ 60,4 bilhões, está apostando nisso para garantir sua perenidade. É que a empresa de Bill Gates anunciou a entrada no setor de varejo, área na qual a concorrente Apple impera com uma rede de 200 lojas espalhadas pelo mundo. A Microsoft contratou o executivo Dave Porter, que já trabalhou na produtora de filmes DreamWorks e no Wal-Mart, para implantar a rede varejista com a sua bandeira. Ainda não se sabe como serão os pontos-devenda da empresa, mas Porter deu uma pista do papel que as lojas Microsoft terão. “Estou entusiasmado em ajudar os consumidores a escolherem os seus PCs e os softwares.”

A necessidade da empresa de estreitar relacionamento com os clientes nasce do aumento da concorrência

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Apesar de parecer simples diante do poder de fogo da Microsoft, essa é uma das missões mais difíceis que a companhia já enfrentou. Isso porque ela terá a Apple, e seu bem-sucedido modelo de varejo, fazendo sombra aos seus passos. “A Apple tem um posicionamento de inovação e preocupação com a experiência dos usuários”, diz Pedro Waengertner, professor de comunicação interativa da pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “A marca virou quase uma religião.” Em termos de inovação, a Microsoft não fica atrás, mas o cliente não tem essa percepção. E, pela primeira vez, a empresa terá de encarar o consumidor final. “Os clientes compram um computador e os produtos da Microsoft já vêm embutidos”, diz Claudia Woods, diretora da Predicta, consultoria especializada em marketing. “Eles sabem que precisam criar uma relação mais próxima com o consumidor.” Esse é um quesito no qual a Apple ganha de lavada, pois, até mesmo no Brasil, a famosa grife da maçã possui pontos-de-venda espalhados em lojas como a da livraria Fnac e a de alguns supermercados Extra. Procurada pela reportagem, a Microsoft não se pronunciou sobre o assunto.

A necessidade de estreitar relacionamento com os clientes brota de uma concorrência mais acirrada. Embora a Microsoft ainda seja a maior empresa de tecnologia do mundo, houve um tempo em que ela passava como um trator por cima dos rivais, como quando ela praticamente derrubou o navegador Netscape ao vincular o seu browser Explorer ao sistema Windows. Há dois anos, por exemplo, o Explorer possuía 80% do mercado de navegação. Hoje, de acordo com a consultoria Net Aplications, a participação caiu para 67,55%, enquanto o Firefox detém 21,53%, o Safári 8,29% e o Chrome, do Google, ostenta somente 1,12%. E, se depender do Google, a guerra continuará, pois a empresa de Sergey Brin e Larry Page vai pedir a sua entrada em uma ação antitruste movida pela União Europeia contra a Microsoft devido à prática da empresa de vincular o Explorer ao sistema operacional Windows.

Ao contrário do Netscape, que não tinha força suficiente para enfrentar a Microsoft e hoje possui apenas 0,57% do mercado de navegação, o Google tem bala na agulha para brigar. E é justamente para se defender dos seus vários rivais que a Microsoft tem expandido sua área de atuação nos últimos anos. “A diversificação consiste em fazer o bolo crescer e também se proteger”, explica Luiz Augusto Lobão, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral. Ela compete com IBM e HP na área de infraestrutura; na internet com o Google, em softwares com Apple, Linux, Sun Microsystems; e em entretenimento com a Sony, Nintendo e a própria Apple… A lista de oponentes é extensa. O curioso é que, de alguma maneira, a gigante passou a se espelhar nos concorrentes. O Zune, tocador de música digital lançado em 2006, surgiu no rastro do iPod da Apple. Não fez cócegas à febre criada por Steve Jobs. O Xbox, videogame que desembarcou nas prateleiras em 2001, nasceu para ganhar o espaço ocupado pelo PlayStation da Sony. A empresa só não contava que, no meio do caminho, a Nintendo lançaria o Wii, desbancando todos os concorrentes. Os resultados começaram a surgir só no ano passado. Depois de amargar prejuízos de US$ 1,3 bilhão, em 2006, e de US$ 1,9 bilhão, em 2007, a divisão de entretenimento e aparelhos da companhia lucrou US$ 426 milhões em 2008. O próprio anúncio da abertura de lojas é um indício de que o modelo Apple deve ser seguido custe o que custar.

A principal dificuldade da Microsoft para se adaptar aos novos tempos reside em um antigo dilema: a adoção do software livre, que permite a criação de aplicativos e melhorias desenvolvidas pelos usuários. A questão é que a empresa, hoje comandada por Steve Ballmer, tornou-se um colosso porque sempre cobrou por seus softwares. E no mundo atual, dizem estudiosos da tecnologia, a tendência é oferecer serviços gratuitos. A sua batalha com o Google pela liderança na internet revela muito sobre a maneira como a empresa tem atuado. Enquanto o Google faturou US$ 21,79 bilhões e lucrou US$ 4,22 bilhões, a divisão de negócios online da Microsoft, que inclui o MSN e o Hotmail, faturou US$ 3,2 bilhões e teve um prejuízo de US$ 1,2 bilhão. De acordo com a consultoria inglesa comScore, que mede a audiência na web, um bilhão de pessoas acessam a internet em todo o mundo. Desse montante, 77% frequentaram as páginas do Google, 64,2% os sites da Microsoft e 55,8% entraram no Yahoo. A malsucedida tentativa de compra do Yahoo, no início do ano passado, por quase US$ 44,6 bilhões, visava mudar esse cenário. “Acredito que esse negócio ainda sai”, diz Claudia Woods, da Predicta. “É estratégico para a Microsoft.”

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Pode parecer exagero, mas a batalha pela hegemonia na internet vai definir quem ditará as cartas no universo tecnológico. A empresa de Bill Gates sabe disso e tem feito de tudo para barrar o crescimento do Google. Prova maior desse estratagema foi a compra de uma pequena parcela do site de relacionamentos Facebook. A Microsoft pagou US$ 240 milhões por uma participação de 1,6% apenas para bloquear o avanço do Google – sem presença forte nesse segmento. Outra questão relevante e que preocupa a gigante é que, cada vez mais, o papel do computador na vida das pessoas tem mudado. “Sentar em frente ao PC está com os dias contados”, diz Woods. O avanço da telefonia 3G é fundamental nesse sentido. Para se ter uma ideia, só no Brasil, 11 milhões de linhas telefônicas acessam mensalmente a internet e o e-mail pelo celular. Esses indicadores podem inverter a máxima de Bill Gates que, quando indagado sobre a educação de seus filhos, disse: “Eles terão computadores, mas antes terão livros. Não pode ser diferente.” Pode sim. O Google recentemente lançou uma versão do Google Books, ferramenta que permite baixar livros inteiros, para celular. Será que a Microsoft fará o mesmo?