Dois assuntos dominaram a agenda econômica nas duas primeiras semanas do governo Dilma Rousseff: o derretimento do dólar e um corte profundo nos gastos públicos. Foi o primeiro teste do prestígio interno do ministro da Fazenda Guido Mantega. Nessas duas primeiras semanas, ele percorreu quase todos os dias os 1.500 metros entre seu gabinete, instalado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e o Palácio do Planalto. 

 

46.jpg

“O País deixou de ser o patinho feio e passou a ser um dos líderes dos emergentes”

Guido Mantega, ministro da Fazenda

 

Além das cinco audiências que apareceram na agenda presidencial, foi chamado para participar de reuniões sobre educação e combate à miséria. Em quase todas, Mantega tinha a companhia de Antônio Palocci, ministro-chefe da Casa Civil. 

 

Além de dar a palavra final nos cortes do Orçamento da União (que pode encolher até R$ 40 bilhões este ano), foi Mantega quem coordenou as duas ações do governo no câmbio: o aumento do depósito compulsório dos bancos no Banco Central sobre operações que apostam na baixa do dólar e a autorização para o Fundo Soberano comprar a moeda americana no mercado futuro.

 

Depois de superar a crise mundial iniciada em 2008, comandar a economia no período de maior crescimento desde os anos 1970 e de projetar o nome do Brasil e o seu próprio no cenário internacional, Mantega sagrou-se na sucessão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva como o homem forte da economia brasileira. 

 

Na primeira reunião de Dilma com seus 37 ministros, marcada para a tarde da sexta-feira 14, Mantega era o único que tinha a palavra garantida – além, é claro, da presidente. 

 

Dilma não abre mão de sua autoridade sobre todos os ministros, mas definiu que o titular da Fazenda será o coordenador da equipe econômica, com ascendência sobre outras áreas do governo,  como planejamento, desenvolvimento e comércio exterior e Banco Central. 

 

A ideia é unificar as ações e o discurso, evitando divergências públicas que aconteciam no governo Lula, especialmente entre Mantega e o então presidente do BC, Henrique Meirelles. 

 

52.jpg

 

“Não vai haver um coro desafinado. A presidente Dilma foi muito incisiva: devemos trabalhar juntos e a coordenação da área econômica é do ministro Guido Mantega”, diz o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. 

 

O novo presidente do BC, Alexandre Tombini, confirma a maior integração das duas equipes. O órgão continua com autonomia operacional, mas a decisão sobre operações em dólar foi tomada em conjunto com a Fazenda. 

 

A versão 2011 de Guido Mantega é bem diferente da anterior. No governo Lula, ele ganhou fama de gastador com sua política econômica expansionista para driblar a crise global de 2008. 

 

Agora, ele tem o dever – e o poder – de cortar as despesas do governo. “Sou um poupador”, diz Mantega em entrevista à DINHEIRO. A faxina geral nas contas públicas é necessária para evitar o crescimento da inflação, que impede a queda dos juros e, portanto, o potencial de expansão da economia. 

 

51.jpg

 

O corte de gastos vai garantir um superávit primário de 3%, a redução da dívida pública para cerca de 30% do PIB até 2014 e, espera o governo, uma expansão continuada da economia brasileira nos próximos anos, em torno de 5% ao ano. 

 

O novo homem forte da economia entregou bons números no governo Lula e se distinguiu de seus antecessores no cargo. Se Pedro Malan consolidou a estabilidade de preços nos oito anos do governo FHC e Antônio Palocci foi o fiador do compromisso do PT com a responsabilidade fiscal, a estabilidade de preços e política cambial no início do governo Lula, coube a Mantega a satisfação de entregar os resultados dessas políticas. 

 

Seu grande momento foi na crise de 2008. Fazia poucas semanas que o banco de investimento Lehmann Brothers tinha quebrado, apavorando o mundo inteiro, quando Mantega chegou ao gabinete do presidente com a solução para manter a economia brasileira aquecida. 

 

“O Brasil não tem problemas estruturais, nossos bancos estão saudáveis, temos que manter o crédito fluindo e as pessoas consumindo para não haver desemprego”, disse. Lula encampou a tese de Mantega, e antes do Natal foi à tevê dizer aos brasileiros que continuar comprando era a melhor maneira de proteger o próprio emprego. 

 

“O presidente foi criticado por dizer aquilo, mas ele estava certo”, diz Mantega.

Foi ali, na gestão da crise, que o economista retraído, um tanto opaco, com pouca luz própria e de ideias pouco conhecidas fora dos círculos petistas, consolidou a credibilidade que tem hoje, seja no meio empresarial, seja entre seus pares no Exterior. 

 

Empresários que negociaram com ele medidas para combater a crise só têm elogios. Claudio Conz, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção, ficou impressionado quando foi discutir medidas para o setor durante a crise. 

 

“Tivemos a primeira reunião no dia 7 de janeiro e, em março as medidas já tinham sido tomadas”, afirma. Mantega acertou na mosca ao escolher os setores de construção civil e automotivo, junto com eletrodomésticos da linha branca, como destinatários principais dos incentivos oficiais, como redução de impostos e ampliação do crédito.

 

50.jpg

 

O setor automotivo, que acabou batendo recordes de venda e produção em 2009 e 2010, responde por 25% de todo o setor industrial. E a construção civil, aquecida, é um dos grandes responsáveis pela atual situação de pleno emprego.

 

As conversas com empresários, economistas e banqueiros continuam. Geralmente às sextas-feiras, quando despacha em São Paulo e usa esses encontros para “sentir a temperatura” do mercado. 

 

“Ele é muito aberto, muito atencioso, está sempre disponível para conversar. É uma pessoa fácil, o que nem sempre é uma característica de ministro da Fazenda”, contou à DINHEIRO o usineiro Maurílio Biagi Filho, presidente do Grupo Maubisa.

 

“O ministro Mantega esteve muito presente no ano passado nas reivindicações do varejo. Ele é participativo, presente e veloz nas decisões”, diz Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza.

 

Nas últimas semanas, o ministro tem ouvido dos empresários reclamações sobre o valor da moeda brasileira (um pouco abaixo de R$ 1,70 por dólar). Em troca, cobrou explicações sobre a alta da inflação (5,91% a 11% em 2010, conforme o índice). 

 

47.jpg48.jpg

49.jpg 

 

Segurar novas altas continuadas de preços, ainda que em um patamar suportável, é um grande desafio. Alexandre Tombini, do BC, defende a redução da meta de inflação, atualmente de 4,5% ao ano, no futuro. 

 

Mantega não é contra, mas acha que é preciso fazer um esforço para trazer o índice para o centro da meta antes de tentar voos mais ambiciosos. Nesta nova fase do poder, o ministro da Fazenda não precisa entrar em bola dividida com o presidente do BC. A coordenação da equipe econômica não significa que Mantega ganhe sempre. 

 

Ele perdeu, na semana passada, a briga pelo salário mínimo. Depois de afirmar que a presidente vetaria um mínimo superior a R$ 540, foi desmentido pela decisão presidencial pelo valor de R$ 545.

 

Nascido na Itália e radicado no Brasil desde criança, Mantega se formou na Universidade de São Paulo e foi professor da Fundação Getulio Vargas. Começou a trabalhar para o Partido dos Trabalhadores em 1989. Entre 1993 e 2002, foi o principal assessor econômico de Lula. 

 

53.jpg

 

Quando o PT ganhou a eleição, foi para o Ministério do Planejamento e, mais tarde, para a presidência do BNDES. Assumiu a Fazenda em abril de 2006. Mantega tem em comum com Dilma o mesmo pensamento desenvolvimentista. O estilo mais executivo do que dogmático também ajuda. 

 

Com Lula, enquanto havia espaço para gastar, ele colocou a máquina do governo para funcionar e transferiu R$ 180 bilhões do Tesouro para o BNDES emprestar às empresas. Com Dilma, com quem teve boa convivência anteriormente, se empenha em manejar a tesoura. 

 

“O ministro da Fazenda depende da orientação do governo. Ele mudou o discurso quando o governo mudou. Não se pode culpar o ministro se o governo quer gastar”, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas e crítico do aumento de gastos nos últimos anos. 

 

“Mas, se for olhar pela taxa de crescimento, ele tem bons resultados para mostrar”, afirma. Em cinco anos, a média de crescimento anual do PIB foi de 4,42%. Isso, apesar da crise de 2008, que resultou numa recessão de 0,6% em 2009. 

 

Foi na crise que Mantega cresceu, assim como a importância do Brasil no cenário internacional. Em outubro de 2008, quando o Brasil presidia o G20 (na época chamado de G20 financeiro porque reunia ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central de 20 países desenvolvidos e emergentes), Mantega foi surpreendido com um pedido do então presidente americano George W. Bush para participar da reunião do grupo, que acontecia na sede do Fundo Monetário Internacional, em Washington. 

 

O ministro cumprimentou Bush em inglês e disse que faria seu discurso em português, obrigando o presidente americano a colocar seu fone de ouvido para acompanhar. Hoje, a voz brasileira já se tornou presença obrigatória nas reuniões internacionais. Mantega virou interlocutor frequente de figuras como o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, e o diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn.

 

De devedor, o Brasil passou a credor do FMI no ano passado e hoje é o décimo maior acionista entre os 187 países integrantes. Suas declarações, como “o mundo vive uma guerra cambial”, ainda repercutem no mundo inteiro. 

 

Na retrospectiva do ano passado, a revista americana Business Week citou a expressão de Mantega. E, na semana passada, o jornal Financial Times, depois de publicar em destaque uma declaração do ministro sobre o câmbio, fez uma brincadeira com uma carta falsamente assinada pelo presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, dizendo que ele devia parar de reclamar da política monetária americana, já que a economia brasileira estava muito melhor do que a deles. 

 

O status internacional não mudou a rotina de Mantega. Aos 61 anos, ele leva uma vida típica de ministro que, em Brasília, vive para o trabalho. Reserva o lazer para os fins de semana, que passa em São Paulo ao lado da segunda mulher, Eliane, e do filho de dez anos. 

 

Em Brasília, acorda cedo e começa o dia com uma caminhada no Lago Sul, bairro nobre  onde mora numa das poucas mansões reservadas aos ministros. Chega ao Ministério pouco depois das 9 horas, depois de ter lido os jornais, para jornadas que se estendem, sem interrupções, até 8 ou 9 da noite. 

 

Nunca vai para casa almoçar e raramente frequenta restaurantes. Prefere almoçar no próprio Ministério, em companhia dos secretários e assessores mais próximos. Nos horários de folga, assiste ao noticiário na tevê e devora livros. Lê principalmente sobre a Segunda Guerra e biografias. Atualmente, está lendo A ponte, biografia do presidente americano Barack Obama, escrita pelo jornalista David Remnick. 

 

 

“O Brasil saiu da retaguarda e passou para a vanguarda”

 

Em entrevista à DINHEIRO, o ministro Guido Mantega diz que o  Brasil  continuará como um importante player  mundial no governo Dilma. Ele vê com otimismo as perspectivas para a economia mundial em 2011.

 

O sr. sempre teve fama de gastador, mas agora anuncia a redução de gastos. O que mudou?

Essa fama é um absurdo. É só olhar a trajetória fiscal desde que eu entrei. Cumprimos o superávit em 2006 e em 2007. Isso  mostra que não sou um gastador, sou um poupador.  As pessoas esquecem que houve uma tremenda crise mundial, que exigiu que aumentássemos os gastos para manter a economia em funcionamento. Ainda assim, fechamos 2010 com a relação dívida/PIB perto de 40% e queremos chegar a 30% no último ano do governo Dilma. 

 

Qual é o tamanho do corte? 

Este ano, o corte será maior do que nos anteriores, mas não temos o número fechado. Não estamos fazendo uma redução linear de despesas. Vamos pegar ministério por ministério e ver projeto por projeto. Só teremos o tamanho dessa restrição lá pelo final de janeiro.

 

É possível aumentar os investimentos num momento de corte de gastos?

Os investimentos que já estavam em curso continuarão.  Os que ainda não começaram poderão começar um pouco depois. Vamos tentar não diminuir investimento, mas só terei uma decisão definitiva depois de olhar todos os números.

 

A presidente falou sobre a reforma tributária no discurso de posse. Como será essa reforma?

A reforma seguirá o modelo desenvolvido no governo anterior e que já foi discutido com o Congresso, com o setor produtivo. Priorizaremos a parte dos tributos estaduais e municipais, que são os que causam mais problemas. Temos de homogeneizar mais as tarifas estaduais. O problema do ICMS, além da guerra fiscal, é a disparidade regional.

 

A carga tributária aumentou nos últimos anos. Isso vai continuar?

O total de impostos arrecadados cresceu porque houve um movimento forte de formalização e de aumento da atividade econômica. Mas o montante pago por cada empresa e por cada cidadão diminuiu. 

 

O presidente do BC, Alexandre Tombini, disse que gostaria de revisar para baixo a meta de inflação de 4,5%. O sr. concorda?

Acho que a gente sempre deveria perseguir uma inflação menor para o País. Mas é preciso que haja condições concretas para que isso ocorra, sem prejudicar a economia.  Inflação menor não é um mero exercício de desejo.

 

O Brasil  continuará sendo um importante ator no cenário internacional com a presidente Dilma?

O Brasil foi se tornando um importante player mundial à medida  que sua economia foi ficando maior e mais sólida. Isso não muda com a presidente Dilma. O País deixou de ser o patinho feio dos BRICs e passou a ser um dos líderes dos emergentes. O Brasil saiu da retaguarda e passou para a vanguarda.

 

Qual é o cenário internacional para 2011?

Parece melhor do que no ano passado. Agora,  a Alemanha está indo muito bem e há sinais de recuperação da economia americana, que para alguns pode crescer até 4,5%. Assim, teríamos um cenário mais favorável para 2011, o que é bom, inclusive, para a nossa balança comercial.