Há algo surpreendente no mercado brasileiro de cervejas. Um dos competidores decidiu começar de novo. Praticamente do zero. Nova administração, novo marketing e, agora, novo sabor. Dona da marca Kaiser desde que a comprou de um grupo de distribuidores da Coca-Cola em março de 2002, a canadense Molson contratou a W-Brasil de Washington Olivetto em novembro e, há duas semanas, disparou seus primeiros tiros na ?Guerra das Cervejas?. Com o suporte de uma pesquisa de opinião sobre as características da cerveja ideal, feita com mais de 25 mil pessoas em 130 cidades, a companhia lançou a Kaiser Novo Sabor, propagandeada como a única feita de acordo com o gosto e a opinião dos brasileiros. Pode não ser uma mudança radical ? qual cerveja no Brasil não se pretende ?suave?, com ?espuma cremosa? e ?feita com os melhores ingredientes?? ?, mas sabor é o DNA de qualquer produto alimentício que se preze. Mexer nesta fórmula é sempre arriscado. Na busca de novos consumidores, pode-se perder os antigos. Mas a Molson topou correr o risco e aposta na novidade para reverter dois anos de maus resultados no Brasil, com impactos danosos sobre o balanço do grupo no Canadá.

A nova fórmula da Kaiser começou a se materializar no laboratório de Charles Jourdain, Edmundo Albers e Francisco Iguti, os mestres cervejeiros da matriz da Kaiser em São Paulo. Criada a nova ?receita?, o passo seguinte foi produzir pequenas amostras dentro de uma cervejaria para diversas rodadas de degustações internas e pesquisas qualitativas. Testada e aprovada, a nova fórmula foi codificada em especificações técnicas e distribuída para as nove fábricas da companhia. O resto é marketing, ferramenta de vendas em que a Kaiser investirá mais de R$ 150 milhões neste ano. ?O case Nova Schin desmistificou a tão falada fidelidade do bebedor de cerveja?, afirma Olivetto. Mas mostrou também que o que vem fácil vai fácil. De setembro a dezembro, a participação de mercado da Schincariol passou de 10,1% para 15,2%. Mas a primeira pesquisa divulgada neste ano mostra que 1,1 ponto percentual já foi ?devolvido? à líder AmBev.

 

?Não queremos ?comprar mercado?. Vamos ganhar a briga de bar em bar e conquistar 20% de participação até 2007?, promete Robert Coallier, o presidente da Kaiser. Com um português surpreendentemente fluente para um canadense há apenas 18 meses no Brasil, o executivo da Molson trata a marca brasileira como uma velha conhecida. ?Nosso produto estava chegando aos 20 anos praticamente inalterado?, comenta. ?Era preciso mudar um pouco para adequá-lo ao paladar atual do brasileiro, mas isso não quer dizer que já não fizéssemos uma excelente cerveja?, apressa-se em dizer. Sabor não é tudo neste novo momento da Kaiser. Quando chegou ao Brasil, Coallier fez um plano de ação. Na fase inicial, quem cantou foi a tesoura. Os custos operacionais estavam acima dos padrões da concorrência e Coallier determinou um corte de R$ 200 milhões ? dos quais R$ 125 milhões já foram executados.

Moto e palm top. A segunda etapa foi o reforço na área de comercialização, até então a cargo da Coca-Cola, com a criação de uma equipe própria de vendas com 1,2 mil novos funcionários. ?O vendedor de cerveja tem uma linguagem própria que não pode ser desprezada?, justifica Paulo Macedo, gerente de Assuntos Corporativos da Kaiser. No novo sistema, o vendedor da cervejaria circula de bar em bar usando uma motocicleta, registra as encomendas em seu palm top e repassa os pedidos para a distribuidora local da Coca-Cola. ?Com custos competitivos e vendas bem coordenadas, agora podemos partir para a terceira fase, o fortalecimento da nossa marca?, diz Coallier.

 

A tarefa é mais urgente do que sugere o discurso tranqüilo do canadense. Embora evite declarações públicas sobre o assunto, a concorrência vê este movimento da Kaiser como uma última cartada da Molson para sobreviver no Brasil. Há dois anos, a cervejaria canadense pagou caro (US$ 765 milhões) pela Kaiser, que desde então só perdeu espaço. De janeiro de 2002 a janeiro de 2004, a participação da Kaiser Pilsen no mercado nacional de cerveja caiu de 13,4% para 8,6%. Em São Paulo, onde já foi líder, a marca perdeu quase cinco pontos no último ano e hoje disputa o terceiro lugar, sob assédio da Nova Schin. No Rio de Janeiro, sua participação caiu a zero na última pesquisa do instituto Nielsen. Seu melhor mercado continua sendo o Paraná, mas mesmo lá a Kaiser já perde nos bares e restaurantes para a Skol. Tudo isso apesar de ser a terceira mais barata entre as principais marcas, atrás apenas da Bavaria (que também pertence à Molson) e da Nova Schin. Seu preço médio por litro é de R$ 2,92, contra, por exemplo, R$ 3,52 da Antarctica.

Com resultados como esses, a Kaiser se tornou um fardo para a Molson e foi apontada em uma recente teleconferência do presidente mundial do grupo, Dan O?Neill, como responsável pelo mau desempenho da companhia. ?O principal fator (por trás da queda de 2,8% nas vendas da Molson no último trimestre) foi o baixo volume de vendas no Brasil?, afirmou O?Neill no último dia 28. ?Grandes atrasos na montagem de uma força de vendas em São Paulo afetaram severamente o volume vendido e impediram as planejadas contribuições da Kaiser para o lucro operacional.? Ditas pelo chairman do grupo, estas frases são reveladoras do incômodo causado pela operação brasileira. ?A Kaiser vive no pior dos mundos?, avalia o consultor de marketing Adalberto Viviani, da Concept. ?Não tem imagem consolidada para cobrar o preço das marcas líderes nem preço baixo o bastante para disputar o segmento mais popular.? Para o especialista, em alguns aspectos, a estratégia da Kaiser é a mesma da Nova Schin. A idéia, em ambos os casos, seria atacar focos de resistência, a começar pelo sabor. ?A diferença é que a Kaiser tem algum capital de marca a perder. A Schincariol, não tinha nenhum.?