16/06/2001 - 7:00
Ele foi o símbolo da política do real forte e, com seu atrevimento, marcou o ambiente econômico no Brasil. Pela defesa intransigente de um regime que começou a ser colocado em xeque a partir das crises cambiais na Ásia, no segundo semestre de 1997, ele colecionou inimigos no meio industrial e dentro do próprio governo, até cair, em janeiro de 1999, com a maxidesvalorização do real. Estamos
falando de Gustavo Franco, o economista que, após deixar o
Banco Central e cumprir um ano de quarentena, passou a tocar
a empresa de gestão de recursos Rio Bravo. Um de seus principais produtos é a administração de fundos imobiliários e uma operação
de R$ 135 milhões com o HSBC já foi negociada. Outras estão a caminho. Na semana em que o real atingiu seu ponto mais baixo, com o dólar sendo cotado a quase R$ 2,50, o câmbio era uma de suas preocupações. ?Como qualquer pessoa, estou apreensivo e torço para que tudo dê certo, pois nosso negócio também depende de um horizonte previsível.?
Afastado do governo há mais de dois anos, o ex-presidente do Banco Central hoje prefere apenas observar a paisagem econômica
à distância. Mas não há como negar que ele se sinta, de certa forma, reconfortado com algumas reavaliações sobre o regime de câmbio. Hoje, não há mais unanimidade em relação às vantagens
de um regime totalmente puro de flutuação e o próprio BC demonstrou que abandonou alguns dogmas ao intervir com mão pesada no mercado, na última quinta-feira, 21. Três dias antes,
o jornal Gazeta Mercantil propôs, em sua primeira página, a
retomada de um sistema de câmbio fixo. Empresários que antes o criticavam também já defendem abertamente uma ação mais firme do governo para conter o dólar. Assim como o real forte, o real extremamente fraco também incomoda.
Aos seus interlocutores mais próximos, Gustavo Franco vinha dizendo que, se nada fosse feito, a moeda americana poderia ir muito mais longe, quem sabe a R$ 3,00. A eles, o economista repetia uma frase do atual diretor de Política Monetária do BC, Ilan Goldfajn, que em certa ocasião disse que ?o câmbio flutuante só é bom enquanto não flutua?. Como empresário, Gustavo Franco nem pensa em voltar ao governo. ?Só em 2015, depois dos oito anos do Lula e dos quatro do Enéas?, afirma, em tom de brincadeira. ?Antes, quero ganhar algum dinheiro.? Ainda ligado ao PSDB, por falta de tempo para desfiliar-se, Franco acredita que Geraldo Alckmin ? o bom moço ? é a alternativa mais viável do governo à sucessão em 2002. A seguir, um síntese do que o ex-presidente do BC pensa sobre câmbio. Em seu site (www.gfranco.com.br), há um vasto capítulo sobre o assunto.
A alta do dólar. Nenhum fundamento econômico justifica uma cotação tão alta. A disparada do dólar está muito mais ligada ao nervosismo do mercado e à crescente demanda por proteção do que à situação do balanço de pagamentos. Somando a dívida externa das empresas privadas e os investimentos das multinacionais no Brasil, chega-se a um valor próximo a US$ 400 bilhões. É essa a demanda potencial por hedge. Em momentos de incerteza, é natural que as empresas tentem proteger esse patrimônio das flutuações do câmbio. Nesse mercado, só o Banco Central pode suprir essa demanda. Quando a autoridade monetária fica de fora, por dogmatismo, o estrago é imenso. Se, ao contrário, o governo se compromete a reduzir as flutuações, a demanda por proteção é naturalmente menor. A ação do BC. A bolha poderia ter sido estourada no início se o Banco Central não abrisse mão do seu poder de intervir. No mundo, há vários regimes de câmbio flutuante, mas só com três moedas ? dólar, euro e iene ? os governos podem se dar ao luxo de permitir uma flutuação totalmente limpa. Nos demais, sempre há a intervenção da autoridade monetária para impedir fenômenos especulativos. Os bancos centrais têm um arsenal à disposição, além da venda de reservas e papéis corrigidos pelo câmbio. O México, um país que fez uma opção clara pela flutuação, também atua com sucesso nos mercados futuros, com o uso de derivativos. Por preferir estar fora do mercado, o BC criou um viés de alta na taxa de câmbio e acabou sendo forçado a elevar os juros seguidamente, com todos os efeitos colaterais que isso traz. O melhor regime. Em condições naturais de atmosfera e pressão, um regime de câmbio flutuante é ideal. O problema é que, na economia real, essas condições normais quase nunca existem. Quando, ainda em 1999, o dólar voltou ao patamar de R$ 1,60, depois de bater em quase R$ 2,20, o governo perdeu a oportunidade de retomar um sistema de bandas, que deslizariam progressivamente. Com ele, teria as vantagens da flutuação, mas com uma volatilidade contida. Quem acreditava que uma maxidesvalorização, por si só, criaria um novo ciclo de crescimento estava delirando. O preço justo. Uma boa forma de medir se uma moeda está valorizada ou depreciada é o critério de paridade do poder de As exportações. O efeito da alta do dólar na balança comercial tem sido limitado porque o exportador percebe esse câmbio como algo temporário. O empresário gosta de um preço estável e correto, que lhe dê a sensação de ser sustentável ao longo do tempo. O exportador é avesso à volatilidade e se sente menos seguro em um regime de flutuação pura, independente do nível da cotação. Se ele fecha uma operação de ACC (antecipação de contrato de câmbio) e a liquida por um preço menor, terá perdido dinheiro. A crise argentina. O abandono da paridade e do regime de conversibilidade não é algo inevitável. Hong Kong, por exemplo, não desvalorizou em meio a tantos países que depreciaram suas moedas. Portugal é outro exemplo, pois adotou o euro, que é uma cesta de moedas em que o escudo tem uma participação inferior a 1%. Portanto, aderir ao euro para Portugal é o mesmo que uma dolarização para um país como a Argentina. O Brasil e a Alca. A integração é boa para o País. O Brasil, embora tenha uma tarifa média de importação maior do que a dos Estados Unidos, tem mais a ganhar do que a perder, até porque a taxa de câmbio já se desvalorizou uns 60% em relação ao dólar. Reduzir as tarifas de importação em 10% não faz a menor diferença. |