DINHEIRO ? Como o sr. avalia a política fiscal do governo Dilma?

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN ? Um dos problemas da política fiscal do governo é a dificuldade que temos em entender completamente os números. Nos últimos anos, têm sido realizados aportes de capital a bancos oficiais, em especial ao BNDES, que não aparecem na contabilidade pública. A maior preocupação deve ser tornar as contas públicas mais transparentes e ao mesmo tempo controlar o total dos gastos, em especial os correntes, que sustentam o funcionamento da máquina pública. Há gastos e gastos. Fazer investimento em infraestrutura não é a mesma coisa que aumentar o gasto corrente.

 

DINHEIRO ? Faz sentido o governo federal ter 39 ministérios?

SCHEINKMAN ? Evidentemente, é um número de ministérios maior do que o de muitos países como, por exemplo, os Estados Unidos. É claro que ninguém tem um número mágico ou ideal de ministérios, mas pensando que, em tese, a função de cada ministro é ser um auxiliar direto do presidente, não consigo imaginar a existência de 39 deles.

 

DINHEIRO ? Como o sr. avalia os subsídios oferecidos pelo BNDES a empresas?

SCHEINKMAN ? O primeiro passo seria deixar explícitos os subsídios do BNDES nas contas públicas, pois eles têm um custo para a sociedade. O governo deveria subsidiar atividades que geram externali­dades para a sociedade, ou seja, incentivar atividades de pesquisa e desenvolvimento.

 

DINHEIRO ? É correta a escolha de ?em­presas campeãs? pelo BNDES?

SCHEINKMAN ? É muito difícil você escolher quem serão os cam­peões, inclusive no setor industrial. Imagine se os Estados Unidos tivessem, na década de 1980, um BNDES que tentasse decidir se deveria subsidiar a IBM, que tinha a liderança em computadores pessoais, ou a Microsoft e a Apple. Provavelmente, ele teria escolhido a IBM, o que não teria sido necessariamente uma escolha correta. O normal é os empresários assumirem o risco e o mercado escolher os vencedores.

 

DINHEIRO ? O governo erra ou acerta ao limitar a taxa interna de retorno nas concessões de infraestrutura?

SCHEINKMAN ? A solução para a carência de infraestrutura no Brasil é criar um arcabouço regulatório para incentivar o setor privado a investir. O ideal é a própria competição pelo projeto definir as empresas que vão cobrar as tarifas mais baratas da população.

 

DINHEIRO ? Há alguns anos, havia euforia internacional em relação ao Brasil. Agora, predomina o pessimismo. Não há exagero nessas análises do mercado?

SCHEINKMAN ? Os mercados, embora busquem a melhor maneira de alocar os recursos, não são exatamente racionais. Tanto o otimismo quanto o pessimismo em relação ao Brasil são exagerados, mas não são diferentes do entusiasmo que havia com as ações da internet no começo do século. Como se sabe, a bolha da Nadaq estourou.

 

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Alunos estudam em escola paulistana

 

DINHEIRO ? Se o sr. fosse um investidor, escolheria o Brasil ou o México?

SCHEINKMAN ? Depende da indústria. O Brasil, evidentemente, possui companhias altamente competentes. Não há no México, por exemplo, uma Ambev nem uma Natura. Na agricultura, o País também é mais competitivo. Já a grande vantagem do México é ser um país mais aberto, o que é estratégico para as empresas que atuam em rede com o mundo e utilizam tecnologia de ponta.

 

DINHEIRO ? Em 2002, o sr. e outros economistas escreveram ?A Agenda Perdida?, um documento que foi entregue aos candidatos. Esse documento gerou frutos?

SCHEINKMAN ? Sim, posso citar alguns pontos que foram incorporados nos governos subsequentes. A unificação dos programas sociais, que culminou no Bolsa Família, e as reformas microeconômicas, que foram feitas no começo do governo Lula.

 

DINHEIRO ? Políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são corretas?

SCHEINKMAN ? Sim, o importante é exigir contrapartidas, como a presença de crianças nas escolas. Isso, na época, foi uma inovação completa, pois antes desses programas muita gente achava que era errado dar dinheiro nas mãos das pessoas mais pobres.

 

DINHEIRO ? Ficou algum ponto da agenda que pode ser resgatado?

SCHEINKMAN ? Já havia naquela agenda perdida uma grande preocupação com a situação da criminalidade, os problemas das cidades em geral, a falta de pesquisa e desenvolvimento e a necessidade de se avançar na educação. Nesse último item, houve progressos, como mostra o IDH, mas ainda há muito a ser feito. Na agenda, nós discutíamos a necessidade de se mudar a ênfase dos gastos em universidades, priorizando o ensino básico e o ensino médio.

 

DINHEIRO ? O problema da educação no Brasil é a falta de recursos? 

SCHEINKMAN ? Não, nós estamos investindo uma quantidade de dinheiro semelhante à de outros países que conseguiram melhorar muito a qualidade do ensino. Porém, não estamos gastando da maneira mais produtiva. É um problema de escolha de prioridades, pois aqui gastamos mais com alunos universitários do que com os que estão na base do ensino. Está errado. Os países desenvolvidos, ao contrário, avaliam que os universitários podem arcar pelo menos com parte dos seus gastos, sem necessitar tanto da ajuda do Estado. Na Austrália, por exemplo, os universitários pagam um pouco mais de imposto de renda para compensar os gastos do governo ou prestam serviços públicos, como os médicos e os enfermeiros.

 

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Estádio do Maracanã

 

DINHEIRO ? Isso não é parecido com a proposta do governo de obrigar os estudantes de medicina a trabalhar dois anos no Sistema Único de Saúde, o SUS?

SCHEINKMAN ? Sim, é parecido. Acho que deveria valer para quem se beneficia do ensino público gratuito ou de financiamento público de bolsas de estudos, abrangendo inclusive outras carreiras em que o Estado tenha interesse. Os profissionais que não fizessem parte dessa lista, como os economistas, deveriam recompensar o Estado de outra forma, pagando um adicional no imposto de renda ou bancando bolsas de estudos para outros alunos.

 

DINHEIRO ? O sr. é contra ou a favor das cotas nas universidades?

SCHEINKMAN ? Nos Estados Unidos, as principais universidades têm sistema de admissão que favorecem grupos étnicos e sociais, mas sem uma cota específica. Acho que alguma política nesse sentido é desejável, mas não sei se o sistema de cotas é a melhor maneira.

 

DINHEIRO ? Ficará algum legado da Copa do Mundo para a população brasileira?

SCHEINKMAN ? Eu, que sou carioca, estou decepcionado porque nós não estamos utilizando as oportunidades da Copa e da Olimpíada para resolver o problema de poluição da Baía de Guanabara. Além disso, tenho sérias dúvidas sobre os estádios construídos para a Copa. Estudos, nos Estados Unidos, mostram que os subsídios à construção de arenas esportivas muito raramente se pagam. Então, acho que os gastos com estádios não terão retorno social positivo.

 

DINHEIRO ? O sr. ficou surpreso com a onda de protestos nas ruas?

SCHEINKMAN ? Sim, ninguém imaginava isso. O problema é que a vida numa cidade brasileira é muito dura. O transporte público é muito mal equacionado e o transporte privado está ficando in­viá­vel, devido ao excesso de carros. Sem falar na criminalidade. As pessoas estão protestando contra a ineficiência do setor público, em todos os níveis. Isso é tão grave quanto a corrupção. Há uma classe política que parece autista em relação a esses problemas.

 

DINHEIRO ? Haverá algum resultado prático desses protestos?

SCHEINKMAN ? Espero que sim. A questão da qualidade das cidades está se tornando uma questão central no País.

 

DINHEIRO ? O sr. vive nos Estados Unidos desde 1970. Quando vem ao Brasil, sente que o País está caro?

SCHEINKMAN ? Sim, para um turista como eu, o Brasil tem serviços caros se comparamos com os Estados Unidos. Isso demonstra que a combinação de inflação alta com um câmbio valorizado gera um certo desalinho nos preços, que só se corrige no longo prazo.

 

DINHEIRO ? O sr. está dizendo que o câmbio em R$ 2,25 ainda está valorizado?

SCHEINKMAN ? Sob esse aspecto de custo de bens e serviços, sim, está valorizado.

 

DINHEIRO ? De que o sr. mais sente falta do Brasil?

SCHEINKMAN ? Do convívio com os amigos e da beleza do Rio de Janeiro. Eu moro nos Estados Unidos por causa das minhas pesquisas. Não fosse por isso, eu jamais abriria mão do sol no Leblon.