16/09/2009 - 7:00
Lula e Sarkozy: o brasileiro antecipou ao francês o resultado da licitação
Já se sabia que, nas comemorações do 7 de setembro, o presidente Lula anunciaria com pompa e circunstância o maior pacote militar da história recente do País, com investimentos de R$ 20 bilhões na compra de submarinos e helicópteros franceses. Mas durante um jantar com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, em que se serviram churrasco e moqueca capixaba, Lula decidiu também concluir um processo que se arrastava havia quase dez anos, anunciando a intenção de adquirir 36 caças franceses, os Rafale. Com isso, a conta do pacote bélico subiu para R$ 37,5 bilhões. “Nós decidimos começar as negociações para a compra dos Rafale”, disse o presidente em entrevista coletiva no dia seguinte. Apesar disso, a questão ainda não está decidida. Um dia após o anúncio, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, reuniu os líderes de partidos políticos no Congresso para dizer que não havia nenhum negócio fechado. Em nota, a Aeronáutica afirmou que o resultado oficial da licitação será divulgado no fim do mês, quando entregará seu relatório técnico à Presidência da República.
O episódio ilustra que, nesta questão militar, o presidente Lula chamou para si a decisão. O que teria pesado a favor dos franceses seria a transferência de tecnologia e os benefícios à Embraer. Há duas semanas, em entrevista à France Presse, o presidente elogiou a disposição da Dassault, que produz o Rafale, em abrir vários processos da produção do caça para fabricantes nacionais. E antes mesmo da coletiva, na segunda-feira 7, Lula chamou Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, num canto do Palácio para comunicá-lo das conversas que tivera com Sarkozy na noite anterior. Enquanto Lula falava, Saito acompanhava, juntamente com Por dentro do Rafale os jornalistas, o material que tinha sido distribuído pela assessoria do presidente. Naquela mesma noite, o comandante da Aeronáutica chegou a apresentar sua demissão a Jobim, que recusou e pediu paciência. “O chefe é assim mesmo, passional”, disse o ministro.
No CCBB, sede temporária da presidência, a articulação pró-França vinha sendo liderada pelo Itamaraty. A avaliação dos diplomatas envolvidos na negociação era a de que se o Brasil desse um sinal mais claro de que estava inclinado ao Rafale, o governo americano poderia baixar a guarda e lançar mão da transferência de tecnologia que tanto brilha aos olhos dos militares brasileiros. Dito e feito, na quarta-feira 9 a embaixada americana divulgou um comunicado no qual diz esperar que o governo brasileiro não tenha tomado uma decisão final sobre a compra das aeronaves. “A análise feita pelo Congresso dos EUA sobre a venda potencial do F/A-18 Super Hornet foi concluída em 5 de setembro sem nenhuma objeção formal à venda proposta”, diz a nota. “Isso significa que a aprovação do governo dos Estados Unidos para transferir ao Brasil as tecnologias avançadas associadas ao F/A-18 Super Hornet é definitiva.”
A notícia foi recebida com um ar de ironia pelo governo. “Daqui a pouco, vou receber de graça”, disse Lula. Mas quem emendou o soneto foi o assessor da Presidência, Marco Aurélio Garcia. “Os antecedentes com outros parceiros não são bons, e com a França, no caso dos submarinos e dos helicópteros, é bom”, disse Garcia, referindo-se ao veto do governo americano quando o Brasil tentou vender os Super Tucano para a Venezuela, em 2006.
De acordo com o relato de assessores presentes ao jantar entre Lula e Sarkozy, pesou na decisão brasileira um golpe de contrainformação protagonizado pelo presidente francês. Ciente de que a Boeing, fabricante do F-18, estava interessada no projeto do cargueiro KC-390, que a Embraer está desenvolvendo para a FAB, Sarkozy tirou da cartola uma encomenda de dez aviões e a promessa de investir no programa. Além disso, prometeu a Lula trabalhar para reduzir o valor dos caças Rafale e oferecer melhores condições de financiamento – o Brasil será também responsável pela venda dos Rafale a outros países da América Latina. Jobim, que estava ao lado do presidente da Dassault, Charles Edelstenne, não chegou a acompanhar o diálogo entre Lula e Sarkozy. Mas não há dúvida de que os franceses são favoritos.