Todos os sábados, o carioca Nelson Sendas dedica parte do dia às compras. Nessas ocasiões, seu olhar não se detém apenas nas etiquetas de preços e nos rótulos de produtos. Enquanto empurra o carrinho, ele observa o comportamento dos funcionários, a limpeza da loja e outros detalhes
que os consumidores ignoram. Nelson tem o olhar de dono, e não poderia
ser diferente, pois é filho de Arthur Sendas, principal acionista do Sendas, quinta maior rede de supermercados do País. Vice-presidente comercial, ele procura identificar nas visitas os efeitos da mais profunda revolução promovida no grupo desde que o imigrante português Manoel Sendas inaugurou um armazém em São João de Meriti (RJ), em 1924. Do mix de produtos à presença de familiares na empresa, do visual das gôndolas ao perfil dos executivos, tudo, absolutamente tudo, está passando pelo pente-fino dos acionistas. Os três irmãos donos da rede negociam um acordo para garantir a profissionalização da empresa.

 

Tudo isso é pre-requisito para um aporte de R$ 120 milhões do BNDES. Em contrapartida, o banco estatal exigiu
a abertura de capital e, por tabela,
mais transparência e profissionalismo por parte da empresa. O financiamento virá na forma de debêntures conversíveis em ações, equivalentes a 15% do capital.
Os papéis têm validade de cinco anos, mas o banco poderá exercer o direito
em ?dois ou três anos?. Nesse
momento, revela ele em primeira mão,
a família poderia abrir mão de outros
10% do capital.

O dinheiro do BNDES será utilizado na expansão da empresa. Somente em 2002, sete a oito novos supermercados estão sendo inaugurados nas duas bandeiras ? Sendas e Bon Marché. Outros 12 estão sendo inteiramente reformados. Na semana passada, as três lojas da rede Roncetti, em Campos, com faturamento anual de R$ 70 milhões, foram compradas. Nada nessa revolução, porém, é tão delicado quanto o relacionamento entre os três irmãos que dividem o controle da empresa. Arthur, dono de 66% do capital, cuida do braço mais vigoroso do grupo, o varejo. Manoel e Francisco, o caçula, possuem 17% das ações cada um e tocam respectivamente os negócios agropecuários e a trading de café. Há meses, os três procuram chegar a uma espécie de acordo de acionistas, no qual seriam definidas regras claras a respeito da distribuição de dividendos. Até hoje a divisão é ?na ponta do lápis?, como diz um ex-executivo. As conversas começaram entre os três. Mas a complexidade jurídica do tema e o aumento da temperatura nas reuniões levaram o assunto para o âmbito dos escritórios de advocacia. Cada um deles contratou uma banca.

As dificuldades para se chegar a um consenso cresceram com o aumento da pauta de discussões. Francisco quis incluir outro item:
a divisão do patrimônio do grupo entre os três. Quem acompanha
de perto o assunto garante que, até agora, não há ruptura familiar. ?Os três continuam falando uns com os outros, mas há um certo constrangimento entre eles?, diz uma dessas fontes. A família também está envolvida na elaboração de uma espécie de constituição. Nela, estarão previstas as regras para disciplinar o acesso de familiares a cargos na empresa. Nelson não fala sobre o assunto, mas alguns pontos estão definidos. Formação superior com MBA é um dos pré-requisitos. Outro: experiência profissional em negócios não pertencentes à família. E o conselho de administração terá de aprovar a contratação. As restrições ao ingresso de parentes é justificada. A segunda geração dos Sendas é formada por nove filhos e a terceira, por 14 ? até agora.

São temas incômodos mas inevitáveis para uma empresa que persegue a profissionalização. Alguns passos já foram dados. O número de familiares na empresa tem diminuído. Nos últimos 12 meses, 76 executivos foram contratados. O rejuvenescimento é uma necessidade para o Sendas. Com faturamento de R$ 2,6 bilhões, a empresa apresenta uma rentabilidade modestíssima. O lucro em 2001 foi de R$ 9,1 milhões. Além disso, o Sendas precisa enfrentar o crescimento de concorrentes como o Pão de Açúcar. O Sendas optou pela tática ?um passo para trás, dois para frente?. Fechou as lojas em outros Estados e concentrou forças no Rio de Janeiro. ?Queremos ter presença sólida no mercado carioca até para intimidar o avanço da concorrência?, diz Nelson. De tempos em tempos, o Sendas é alvo de comentários sobre uma possível venda. ?É bem possível que ela possa resistir ao assédio?, diz o consultor Antonio Carlos Ascar. ?Nos EUA, as cadeias regionais convivem bem com as grandes redes.? Por isso o Sendas se firmou como o mais carioca dos supermercados. ?O Sendas é a cara do Rio e o Rio é a cara do Sendas?, afirma o consultor George W. Mauro.

Colaborou Fabiana Parajara