DINHEIRO ? Que balanço o sr. faz da economia brasileira em 2001 e da sua passagem pelo Ministério do Desenvolvimento?
ALCIDES TÁPIAS ?
Foi um ano marcado por vários choques. Tivemos a crise argentina, a escassez de energia e o terrorismo. Antes disso, o Brasil dava sinais de que poderia crescer 4% ou 5%. Depois houve uma retração muito forte e dois meses que praticamente não existiram, que foram setembro e outubro. Hoje, conversando com empresários, a sensação geral é de que não foi um ano maravilhoso, mas até bom diante das circunstâncias. Acho que o Brasil cresce até mais do que 2% neste ano e, seguramente, 2002 tende a ser melhor, com um crescimento de pelo menos 3%.

DINHEIRO ? Mas o sr. foi para o governo com a expectativa de que o País pudesse voltar a crescer num ritmo muito mais forte, marcando a volta do desenvolvimento…
TÁPIAS ?
Mas o problema é que o País priorizou uma política de curto prazo, que olhou mais para o cumprimento das metas de ajuste fiscal do Fundo Monetário do que propriamente para o desenvolvimento. Havia pouco espaço para que as questões que estavam sendo colocadas no Ministério avançassem. Posso mencionar a necessidade de mais investimentos em infra-estrutura, de financiamentos para novos projetos, de facilidades para importação e transferência de tecnologia, entre muitos outros temas. Tudo isso envolvia custos fiscais e acabou ficando em segundo plano.

DINHEIRO ? O sr. seria então o ministro gastador em meio a uma equipe de turrões?
TÁPIAS ?
Não é bem assim. Essas medidas teriam custos fiscais no curto prazo, mas gerariam mais crescimento. No final, com a expansão da riqueza, da renda e da arrecadação, seriam também benéficas para o equilíbrio fiscal, numa visão de mais longo prazo.

DINHEIRO ? A crise de energia não teria sido fruto justamente dessa miopia de curto prazo?
TÁPIAS ?
Não existe exemplo melhor nos últimos anos. O Brasil não investiu nada para garantir a oferta de energia que seria necessária para atender uma economia em expansão e nem mesmo o crescimento vegetativo da população. Mesmo quando o País viveu recessões já dava para ver que o consumo de energia tenderia a crescer.

DINHEIRO ? Mas essa prioridade dada ao lado fiscal acabou custando caro, pois o Brasil perdeu pelo menos metade do crescimento que era esperado para 2001…
TÁPIAS ?
Certamente, mas esse foi o caminho porque o Brasil ainda é um país que ainda depende de financiadores externos, que precisa convencer bancos, investidores e organismos como FMI e Banco Mundial a colocar dinheiro aqui dentro.

DINHEIRO ? O combate à chamada vulnerabilidade externa passa pelo do Ministério do Desenvolvimento.
O sr. acredita que o País será capaz de finalmente superar sua crônica dependência?
TÁPIAS ?
Olha, não há país em desenvolvimento que possa se desenvolver sem gerar excedentes externos na balança comercial e o Brasil está acordando. Mas o que incomoda é a velocidade de decisão no governo. Um exemplo é o da Lei de Informática, que já estava pronta há dois anos, com todos os estudos e diagnósticos prontos, mas só agora foi sancionada. O Imposto de Importação, que estava em 2%, deve ir a 20%. Isso dá condições de competitividade para as empresas instaladas no Brasil e permite a atração de novos investimentos. No governo, nós já defendíamos isso há muito tempo, porque a área de componentes eletrônicos é o ponto mais crítico da balança, com um déficit de US$ 6,5 bilhões até outubro.

DINHEIRO ? Ou seja: a demora na lei fez o Brasil perder uns US$ 12 bilhões…
TÁPIAS ?
Não digo isso porque acho que não teríamos tido equilíbrio comercial nessa área já no curto prazo. Mas, num horizonte maior, era possível acreditar nessa possibilidade. Essa proteção maior visava atrair empresas que forneceriam para o mercado interno. Estamos falando de gigantes como Intel e AMD, que procuraram o Ministério e conversavam conosco. Só que essas empresas também precisam de muita escala de produção. Poderiam, portanto, transformar o Brasil numa plataforma de exportação. Daria para equilibrar o jogo.

DINHEIRO ? Mas essas propostas de política industrial sempre despertaram muita rejeição no governo, não?
TÁPIAS ?
É verdade. Dava uma celeuma muito grande. Diziam que nós estávamos escolhendo vencedores, oferecendo vantagens e benefícios indevidos. Mas por que vencedores? Não estávamos defendendo uma ou outra empresa, mas um setor inteiro. As regras valeriam para empresas nacionais ou estrangeiras. Para aquelas que já estivessem aqui ou quisessem se instalar no Brasil. Era tudo horizontal e transparente. É lógico que o melhor dos mundos é atrair todas as grandes empresas para o Brasil sem oferecer nenhum incentivo. Mas isso nem os Estados Unidos conseguem. Lá existe imposto de renda estadual e federal. Os Estados dão isenções de vinte anos ou mais. Isso sem falar na mão-de-obra qualificada e no custo de capital muito mais barato. Nós podemos achar que o Brasil é uma maravilha, mas essas empresas recebem ofertas do mundo inteiro.

DINHEIRO ? Nesse debate ideológico, o tema política industrial tem sido atacado com freqüência tanto pelo ministro Pedro Malan quanto pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Como o sr. vê a posição dos dois?
TÁPIAS ?
Eu compreendo. Até porque é isso que os manuais de teoria econômica ensinam. Na teoria, o comércio internacional não deveria ter nenhuma restrição e as vantagens comparativas de cada país iriam equilibrar o jogo. Mas eu quero ver algum setor gerar o superávit que possa cobrir o problema da área eletrônica. Vamos olhar para o exemplo americano. Não há nenhum país do mundo que seja mais arauto do livre comércio do que os Estados Unidos. Mas, na prática, que autorização o Congresso americano deu ao presidente George W. Bush? Ele pode negociar tudo, pode fazer novos acordos, desde que não avance em áreas sensíveis, como a siderurgia, a agricultura, o suco de laranja, entre outras. Ou seja: em tudo o que o Brasil é competitivo, não se pode negociar. Isso revela que, apesar do belo discurso, o comércio internacional é um jogo muito bruto.

DINHEIRO ? Como fica a Área de Livre Comércio das Américas nesse contexto?
TÁPIAS ?
Acho que, nos termos da autorização que se deu ao governo Bush, é melhor não negociar. O Brasil, juntamente com o Mercosul, deveria buscar uma inserção mais vantajosa no mercado europeu.

DINHEIRO ? Falando em Mercosul, que solução o sr. vê para a crise argentina?
TÁPIAS ?
Só tem uma saída: flexibilizar o câmbio. Se eles tivessem desvalorizado há seis meses ou um ano, já estariam em recuperação, na rota ascendente. Estariam recebendo novos investimentos, recompondo a competitividade interna e isso seria bom para o Mercosul e para o Brasil. Como eles não mexeram no câmbio, estão arcando com os custos de um problema sem gerar a solução.

DINHEIRO ? E o lema ?exportar ou morrer?, criado por seu sucessor Sérgio Amaral, no Desenvolvimento? O sr. acredita num salto exportador?
TÁPIAS ?
O slogan é uma peça retórica. O Brasil está tendo um superávit comercial agora, mas é importante perceber que isso está sendo fruto do desaquecimento da atividade econômica que reduziu as importações. Acho que o melhor caminho é exportar mais importando mais. Veja o caso do México, um país que tem um fluxo de comércio duas vezes maior do que o brasileiro, gerando um saldo positivo de uns US$ 3 bilhões por ano. Com mais
intercâmbio, há mais riqueza, mais escolha e mais produtividade na economia. O Brasil este ano vai ter um superávit de US$ 1 bilhão ou US$ 2 bilhões exportando US$ 56 bilhões. Seria muito melhor ter o mesmo saldo vendendo mais produtos lá fora e comprando mais produtos importados.

DINHEIRO ? Mas já se fala num saldo de US$ 5 bilhões ou mais em 2002…
TÁPIAS ?
É possível, mas se o País voltar a crescer mais fortemente no ano que vem, isso também irá pressionar a balança comercial, com mais importações.

DINHEIRO ? O dólar no nível atual já não deveria ter resolvido o problema das contas externas?
TÁPIAS ?
O preço é só um aspecto. O importante é se colocar na pele de quem importa do Brasil. Ele precisa de preço, mas também de qualidade, de regularidade, de mecanismos de financiamento e de segurança. O dólar alto ajuda, mas não é uma condição suficiente.

DINHEIRO ? No governo, quais foram seus maiores adversários? Pedro Malan e o secretário da Receita,
Everardo Maciel?
TÁPIAS ?
Não quero dar nomes. Somos todos patriotas, cada qual com sua visão do que é melhor para o País. Num governo, você está numa equipe nos bons e nos maus momentos.

DINHEIRO ? Como o presidente Fernando Henrique arbitrava esses conflitos?
TÁPIAS ?
Ele acompanhava a maioria. Como eu vi que minhas posições foram ficando isoladas, por maior que se tenha espírito público, é muito difícil não perder o ânimo e o combustível. Por isso, achei melhor ceder o lugar a uma outra pessoa com novas idéias. Mas eu sempre achei que é possível conciliar a estabilidade da moeda e o equilíbrio fiscal com o desenvolvimento. Até porque o Brasil precisa de mais crescimento não só para atacar seus problemas sociais, mas também gerar recursos para honrar suas dívidas interna e externa.

DINHEIRO ? A idéia de reduzir a dependência externa e voltar a crescer faz parte da plataforma de quase todos os candidatos. A sucessão o preocupa?
TÁPIAS ?
A política nunca foi o meu forte. Meu negócio são os números e a lógica cartesiana do meio empresarial.

DINHEIRO ? Quais os seus planos na iniciativa privada?
TÁPIAS ?
Vivi uma vida toda no mercado financeiro, passei quatro anos na reestruturação da Camargo Corrêa e tive a experiência de Brasília. O Armando Fernandes conhece todos os produtos financeiros. O Paulo e o Mauro Salles entendem tudo que envolve a comunicação. Queremos oferecer isso aos clientes, sem tomar o lugar dos bancos de investimento ou dos grandes escritórios de advocacia. Vamos receber os problemas das empresas, preparar diagnósticos e apontar soluções.