25/08/2001 - 7:00
DINHEIRO ? O lema ?exportar ou morrer?, dito pelo presidente Fernando Henrique, é para valer?
EUGÊNIO STAUB ? É só uma frase, como tantas outras que foram soltas ao vento nos últimos anos. A frase é uma confirmação do que o Iedi tem falado insistentemente ao longo de seus 12 anos. Se for realmente um novo posicionamento, eu diria: antes tarde do que nunca. Mas tenho que ser cético devido à experiência com esse governo desde o primeiro mandato.
DINHEIRO ? Por que o sr. se diz cético?
STAUB ? O Iedi tem uma quantidade enorme de acertos nas questões nacionais. Mas, depois de 12 anos, temos dois sentimentos contraditórios. De um lado, enxergamos antes os problemas, divulgamos soluções, demos uma contribuição enorme ao País, com nossas pesquisas. Mas temos uma enorme frustração, porque nos últimos sete anos, neste governo, nenhuma idéia emplacou.
DINHEIRO ? Os adversários do Iedi dizem que os senhores querem a
volta ao passado, aos subsídios e
da economia fechada…
STAUB ? Esse tipo de crítica por ignorância, preguiça (não leu as propostas e não gostou), má-fé ou puxa-saquismo. Nessa última categoria tem um número grande nas entidades e no empresariado. Eles concordam com quem está no poder. Quem está na oposição eles criticam. O Eduardo Eugênio (Vieira Gouvêa, presidente da
Fierj), um quase xará meu, falou sobre
isso. Bem, há críticos que se encaixam
em mais de uma categoria…
DINHEIRO ? E a equipe econômica, que também critica muito o Iedi, age em função de qual das quatro categorias?
STAUB ? Se você olhar em relação ao mercado financeiro internacional, em parte está na última categoria. A preocupação
em Brasília é saber o que o Financial Times vai dizer. Já ouvi isso dentro do Ministério da Fazenda. A única das quatro categorias
em que eles não se encaixam é má-fé.
DINHEIRO ? O ministro Pedro Malan, como chefe da equipe econômica, também está nessa categoria?
STAUB ? Digamos que, na posição dele, é mais bajulado do que bajulador. O problema é que ele nunca lidou com a economia real. Mas isso pode ser superado. O ministro José Serra também
nunca lidou com a economia real mas tem uma noção clara. O presidente Fernando Henrique Cardoso também nos criticou
dizendo que somos a aliança do arcaico. Ele disse que o PT, o
Iedi e a Fiesp têm uma proposta comum, de levantar barreiras
contra a importação e proteger certos setores. Disse que somos
a aliança do arcaico. Tenha paciência… Isso não é verdade.
Essa história de que o Iedi quer o fechamento é tolice.
DINHEIRO ? Se vocês são a aliança do arcaico, o que o
governo é?
STAUB ? Esse governo é ingênuo. Tem uma visão ingênua sobre globalização, de que não pode enfrentar a hegemonia dos EUA. Eu sinto um certo desespero no ar por parte desses neoliberais, porque essa situação vai acabar. Não é possível que a taxa de juros continue do jeito que está, com desbalanceamento entre o setor financeiro e a produção, com o desemprego. O bom é que o Iedi está ficando importante, pois o presidente está falando mal, o Eduardo Eugênio, que não tem tradição industrial, está falando mal… Pelo menos vão discutir nossas idéias.
DINHEIRO ? Qual o principal problema do governo?
STAUB ? O presidente ficou refém de uma política econômica
errada e as autoridades econômicas ficaram reféns do mercado financeiro internacional. Nós estamos fazendo essa pregação
com muita ênfase, muita força porque queremos evitar a argentinização do Brasil. A Argentina hoje está de joelhos. Não
tem mais indústria, mais saída.
DINHEIRO ? E o Brasil tem saída?
STAUB ? O Brasil só tem uma saída: fazer superávit durante anos. Como fazer isso? Aumentando a produção de bens que o mundo compra. Fizemos uma pesquisa analisando o comércio internacional nos últimos anos e estudando a política de outros países. Chegamos à conclusão de que o Brasil, a Argentina e o Chile são os países mais mal colocados no comércio internacional. Nesse sentido, o Mercosul é o abraço da morte. O estudo demonstra que o Brasil produz aquilo que o mundo não compra. O ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, falou que vai organizar missões a países asiáticos. Vai virar turismo de luxo, pois nossa pauta de produção não oferece o que eles precisam. Então precisamos atrair investimentos.
DINHEIRO ? Como atraí-los para fabricar aqui dentro?
STAUB ? O Brasil é 3% do mercado mundial. Ninguém vai fazer
uma fábrica para atender isso. Para onde estão indo esses investimentos? Para países emergentes. Opa, então por que
não o Brasil? Qual o diferencial competitivo? O que fazer para
atrair esse capital? Quando essas perguntas são respondidas
surge aquilo que é um palavrão para a equipe econômica: política industrial. Não vamos virar o jogo sem isso.
DINHEIRO ? Essa política incluiria subsídios?
STAUB ? Incluiria, como acontece em todos os países. O BNDES passou a vida financiando empresas e é lucrativo. Os Estados Unidos deram um salto tecnológico nas décadas de 80 e 90 graças ao programa de defesa de Ronald Reagan.
DINHEIRO ? Por que a equipe econômica resiste a isso?
STAUB ? A equipe econômica não gosta e não sabe fazer planejamento. Só que, todos os dias, eles fazem política industrial
de forma desordenada. Quando privatiza uma empresa, o governo está fazendo, quando descruza o nó acionário de um setor,
investe em energia elétrica, em petroquímica está fazendo política industrial. Mas não são coordenadas, são tiros esparsos. Dessa forma, continuaremos com a balança comercial andando de lado, com dependência externa, indo para o FMI. É uma situação constrangedora. Nós fomos ao Fundo em 1998. Aí a mamãe
Fundo veio aí e disse: ?vocês têm de gerar um superávit primário?
e o Brasil começou nova política econômica porque o Fundo
mandou. Fizemos o que o Fundo queria e estamos de novo em situação complicada. Isso vai acontecer ?n? vezes, como
aconteceu na Argentina, coitada. A Argentina fez tudo que mandaram, foi país comportadíssimo. O Menem (Carlos Menem, ex-presidente da Argentina) queria entrar na Otan de tão comportado que ele era. O Brasil está numa camisa-de-força, no córner.
DINHEIRO ? Qual é a camisa-de-força?
STAUB ? É a incapacidade de exportar e virar a balança comercial. O grande vilão nesse caso é a importação de eletrônicos. O déficit
é de US$ 8 bilhões e vai a US$ 15 bilhões em 2005. A Abinee já trabalha com o número de US$ 12 bilhões. Todo superávit que conseguimos gerar na área agrícola vai embora por aí. Grandes empresas internacionais pegam a matéria-prima aqui, o cristal
de quartzo, levam para fora, agregam valor e vendem para nós.
O Tápias estava resolvendo isso e já havia empresas, uma
grande companhia japonesa inclusive, dispostas a fabricar
aqui. Nesse momento, o governo anuncia que vai reduzir a
alíquota de importação para 2% e os caras foram embora.
Perdemos a oportunidade.
DINHEIRO ? Mas a redução da alíquota não baixaria os preços dos computadores e democratizaria o uso da informática?
STAUB ? O problema não é a alíquota. Reduzir para zero a
alíquota da importação de computador não resolve o problema, pois há o ICMS e outros tributos. O sujeito que compra o computador tem que pagar a energia elétrica, o treinamento, a prestação do equipamento (e a taxa de juros é mais perversa do que a alíquota), a linha telefônica. Então o custo é maior do que simplesmente a alíquota. É a mesma história da política cambial do governo até janeiro de 1999. O câmbio congelado iria incentivar as importações e as empresas locais passariam a se modernizar, trazendo máquinas. Assim, viria um choque de produtividade. Gente boa defendeu essa idéia. Deu no que deu… A discussão em torno da informática é a mesma da valorização do real. É uma falácia, discurso neoliberal, que felizmente está se enfraquecendo.
DINHEIRO ? Sua linha de pensamento tinha um defensor no governo, o ministro Alcides Tápias. A saída dele acabou com as esperanças de mudança na linha adotada por Brasília?
STAUB ? Ele não encontrou espaço lá. Saiu aparentemente frustrado. No aspecto de desenvolvimento, esse governo acabou. Eles não lêem e não querem ler nossas propostas. Ficam tão preocupados em acompanhar a situação internacional e o dólar minuto a minuto que não têm tempo nem coragem de discutir. O Fernando Henrique e o Malan antes do governo tinham uma posição e terão outra quando saírem. O próprio presidente reconhece a existência de dois FHC: o governante e o sociólogo. O sociólogo tem idéias próximas às nossas.
DINHEIRO ? Algum candidato se alinha mais com suas idéias?
STAUB ? Quase todos estão comprometidos com a produção.
DINHEIRO ? O José Serra seria o caso?
STAUB ? Tem vários.
DINHEIRO ? O senhor votaria no Malan?
STAUB ? Não.
DINHEIRO ? E no Lula?
STAUB ? Votaria em vários, mas no Malan, não. Seria a continuidade do que está aí e isso está levando o Brasil a se transformar numa Argentina. Queremos uma agenda para o desenvolvimento. O industrial pessoa física está bem. O interesse da indústria e da produção é do interesse do trabalhador, do emprego. Hoje a
política econômica é voltada para privilegiar o investidor
estrangeiro porque tem de fechar o caixa diariamente. Isso tem
de acabar, pois não dá para viver com a exclusão social. Não dá para conviver com manchetes de que os bancos nunca tiveram lucros tão bons como os desse semestre. Isso é inversão total
das prioridades da política econômica brasileira. Esse circuito
deve ser mudado e o Malan não vai fazer isso.
DINHEIRO ? Os empresários têm mais simpatia por algum dos candidatos?
STAUB ? Nosso partido é o Partido da Produção Brasileiro. Quem vai emplacar são os partidos. Com o conhecimento que têm da economia real, os empresários podem contribuir na elaboração do plano de governo no interesse nacional. Não tenho pretensão de fazer um candidato e fazê-lo presidente. A experiência Collor deveria servir como lição para quem pensa assim. Ele era um candidato artificial.
DINHEIRO ? Se os empresários não tivessem papel importante, os candidatos não viriam jantar com vocês, mesmo porque tem a questão do apoio financeiro da campanha.
STAUB ? Os empresários vão olhar com mais cuidado para isso do que no passado. O dinheiro era dado com muita facilidade, sem olhar o programa, sem um compromisso com o programa. Isso é um aprendizado. As contribuições vão ser em cima de quem o empresário quiser apostar. Há instituições que dão dinheiro para todos os candidatos, o que é muito esquisito.