O convite era tentador. E foi aceito. Na próxima semana, completam-se os ajustes finais na residência oficial do presidente da República e um novo Palácio da Alvorada será entregue a Luiz Inácio Lula da Silva. Após dez meses de obras, que consumiram R$ 18,4 milhões, foram reformados 10 mil metros quadrados da área interna e outros 7,9 mil metros quadrados de anexos. Toda a rede elétrica foi substituída e 80% das instalações hidráulicas, trocadas. A obra de restauração de fato foi delicada, mas o que chama atenção é a complexidade da engenharia financeira envolvida. Tudo foi pago com dinheiro privado de um grupo de 20 empresas. Sem qualquer incentivo fiscal ? ou contrapartida declarada. Cada cota ficou na casa dos
R$ 920 mil, devidamente organizadas pela Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib). Das 20 empresas, pelo menos 18 têm algum tipo de interesse no governo. Algumas possuem concessões públicas, outras devem ao Fisco e maior parte tem interesse em obras governamentais. Pelo discurso oficial, o único benefício às empresas será o de ter o nome numa placa no Palácio, na qual aparecerão como ?colaboradores?. ?O Alvorada é um patrimônio da humanidade. O presidente é apenas um inquilino?, desconversa o vice-presidente da Abdib e responsável pela obra, Ralph Lima Terra. ?Nosso interesse foi restaurar esse patrimônio e não, simplesmente, agradar ao presidente?.

Entre as empresas que destinaram recursos à reforma, seis delas – OAS, Odebecht, Pão de Açúcar, Gerdau, Camargo Corrêa e Christiani Nielsen – doaram R$ 3,7 milhões à campanha presidencial de Lula em 2002. É cerca de 20% do total gasto com as obras do Alvorada. Sorte diferente teve o Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro. Em junho de 2004, época em que as obras do Palácio eram discutidas, aquele monumento do Barroco colonial implorava por investimentos. Os frades precisavam de R$ 5 milhões para recuperar as dependências em ruínas e uma biblioteca com mais de 300 mil volumes, raridades dos séculos XV e XVIII. Apesar
de terem direito a contrapartida de incentivos fiscais, nenhuma empresa apareceu para ajudar. Quem os socorreu foram o BNDES, a Petrobrás e Furnas, todos
estatais, com R$ 2,7 milhões.

No caso da reforma do Alvorada, o presidente Lula fez um jantar para discutir o assunto com empresários e imediatamente conseguiu adesões. A Construtora Odebrecht foi uma das primeiras a aderir. No início da gestão de Lula, a empresa precisava do aval do Cade para a fusão com o grupo Mariani, do Banco da Bahia ? que resultou na Brasken, a maior petroquímica da América Latina. Conseguiu. ?Esses R$ 920 mil não são nem três por cento do que investimos no ano passado em patrimônio histórico?, garante Márcio Polidoro, diretor do grupo. ?A preservação cultural faz parte das metas da empresa?.

Em outubro de 2004 houve outro jantar. Dessa vez para receber o plano de comunicação da obra. Ali, a Telemar, concessionária pública de telefonia, topou contribuir. No início do ano, a companhia investiu R$ 5 milhões na Gamecorp, empresa do filho de Lula, Fábio Luis. Com o nome também inscrito na frente do Alvorada, a Alusa está sendo investigada pela Polícia Federal por suposta fraude em uma licitação de R$ 510 milhões. A assessoria da Alusa informa que antes do Palácio da Alvorada, a empresa participou da restauração da igreja da Consolação e da fiação do Parque da Água Branca, ambos em São Paulo. Portanto, patrimônio histórico também é uma política da empresa.

Inaugurado em 1958, o Alvorada nunca havia passado por uma reforma. O ex-presidente Fernando Collor de Melo se recusou a morar lá. Fernando Henrique Cardoso passou os oitos anos de governo sofrendo com goteiras, calor e mofo. ?Sabíamos que era necessário reformar o Alvorada, mas isso não poderia ser feito com dinheiro privado?, afirma o senador Heráclito Fortes, do PFL. ?Fica feio?. É, faz sentido. Mas o Palácio está um brinco.