catraca.jpg

“A carapuça de mau empresário nunca me serviu”
José Ruas Vaz

Não perca a conta. Viação Campo Belo. Viação Santa Amélia. Viação Bristol. Viação Bola Branca. Viação Tupinambá. Viação Ferraz. Viação Tabu. Viação Ipiranga. Viação São João. Viação Tânia. Viação São Miguel. Viação Rápido Brasil. Viação Ultra. Viação Taboão. Viação Independência. Viação São Luís. Dezesseis empresas de ônibus, todas adquiridas – de 1961 a 1984 – por um ex-comerciante, hoje transformado no “papa das catracas”.

O epíteto é justo. O apetite por compras – e um raro faro para bons negócios – fez do português José Ruas Vaz, 81 anos, o maior empresário do setor de ônibus de São Paulo. Ele é proprietário do Grupo Ruas, gigante que emprega 30 mil funcionários e opera nada menos que 6,8 mil ônibus na capital paulistana (90 milhões de passageiros por mês), equivalente a 53% do total da frota.

Nascido no pequeno vilarejo de Fornos de Algodres em Portugal, José Ruas não tem pinta de papa, a não ser por sua fé religiosa. Seus hábitos são espartanos, os mesmos de quando ele começou a vender bebidas no centro de São Paulo, nos anos 60. Era preciso estacionar seu velho furgão francês em grandes ladeiras, já que o carro só pegava no tranco.

O escritório do empresário em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, sede de uma de suas empresas, é o espelho do dono, com poucos móveis e algumas imagens de santos, misturadas a miniaturas de ônibus. Foi ali que ele recebeu a reportagem da DINHEIRO, para uma entrevista exclusiva. José Ruas também cultiva uma certa aversão a jornalistas e a fotógrafos. Da última vez que se deixou fotografar apareceu em um popular jornal paulistano sorrindo e de óculos escuros. “Fiquei parecendo um mafioso”, lembra.

“O Abílio Diniz havia acabado de ser sequestrado e eu estava morrendo de medo de acontecer o mesmo comigo.” Ruas hesita em revelar qual é a receita de negócios que o ajudou a erguer seu império, mas, em poucas horas de conversa, os segredos vem à torna. Em 2001, o empresário deu uma de suas grandes tacadas ao adquirir a Caio Induscar, companhia encarroçadora de ônibus com mais de 60 anos de tradição.

Na época, mergulhada em uma crise financeira sem precedentes, a Caio Induscar acabou levada à leilão. Ruas, que tinha muito a perder com a falência da empresa, responsável praticamente pela carroceria de toda sua frota de ônibus, exibiu paciência oriental e só foi comprar a Caio no último lance. Hoje, a Caio não só vende carrocerias para todos os concorrentes do Grupo Ruas, como exporta peças para a África e o Oriente Médio.

Filho de um criador de ovelhas, o empresário chegou ao Brasil em 1949 para trabalhar com um tio comerciante em poucos anos já era dono de seu próprio negócio, a padaria Salazar, no bairro da Pompeia. Da janela da padaria, vislumbrou a oportunidade de um grande negócio. “A CMTC havia retirado a linha de ônibus em frente à padaria e, naturalmente, o movimento do meu estabelecimento caiu drasticamente”, diz Ruas.

O empresário decidiu dar um jeito na situação, comprando uma pequena viação particular, a Campo Belo, com apenas dois ônibus na garagem. Nas suas mãos, em seis meses, a companhia já havia aumentado seu patrimônio para oito ônibus. Adeus padaria. “O Ruas, além de empresário com raro faro para bons negócios, é, antes de tudo, um hábil negociador, que soube sobreviver a inúmeras disputas com os governos municipais ao longo das últimas décadas”, afirma o vereador Adilson Amadeu (PTB), estudioso do setor de transporte de São Paulo.

“Eu acho que ele tem uma característica marcante, que fez com que ele sempre vencesse a concorrência: sempre aproveitar as novidades do mercado”, diz Cláudio Zattar, presidente do grupo Vocal, maior distribuidor Volvo da América Latina. “Ele é um homem de hábitos conservadores, mas como empresário é moderno e arrojado”, conclui o executivo. Em São Paulo, nas últimas décadas, os donos de empresas de ônibus travaram duras batalhas com os governos municipais.

Marta Suplicy, prefeita de São Paulo entre 2001 e 2004, chegou a responsabilizar os “maus empresários de ônibus” por parte do caos do transporte urbano na cidade. “Em mim a carapuça nunca serviu”, afirma Ruas. No setor desde o início dos anos 60, ele conseguiu manter uma relação razoável com as autoridades municipais. De Jânio Quadros, porém, não guarda boas lembranças. O folclórico político, prefeito de São Paulo (1986-1989), implantou, inspirado em Londres, os ônibus vermelhos de dois andares. “Aquilo foi uma piada.

O Jânio, além de autoritário, não entendia nada de transporte”, afirma Ruas. Os especialistas dizem que o segredo do sucesso de Ruas nos negócios está em sua capacidade de adquirir ônibus novos exatamente no momento de enfraquecimento de seus respectivos concorrentes somada à habilidade com que transita pelas esferas governamentais.

Na gestão de Olavo Setúbal como prefeito de São Paulo (1975-1979), Ruas convenceu o banqueiro a liberar o secretário de Transporte da cidade para dar uma “voltinha” de ônibus em São Paulo ao seu lado. “Eu queria mostrar como era ruim o sistema de transporte da nossa cidade”, diz Ruas. O então secretário foi acordado às 4h da manhã e uma hora depois embarcou, junto com Ruas, de um bairro periférico da cidade rumo ao Parque Dom Pedro, na região central.

A viagem durou algumas horas. “Acho que o secretário nunca mais pegou um ônibus na vida”, lembra Ruas. E hoje, o sistema está melhor? “Conseguimos melhorar um pouquinho, mas o povo ainda sofre muito.” Quando adquiriu a Aviação Ferraz, em 1968, Ruas provocou tumulto nas ruas de São Paulo por oferecer ônibus zero-quilômetro para a população. “Todo mundo só queria pegar os meus ônibus. A polícia tinha que usar cavalos para enfiar todo mundo lá dentro, pois o veículo não pode trafegar de porta aberta”, lembra.

Responsável por metade da frota de ônibus paulistana, Ruas diz que continuará investindo em novos veículos, buscando cada vez expandir seus negócios. “Enquanto eles insistem com os ‘cacarecos’, eu compro tudo novinho”, diz. Mantendo a tradição, Ruas acaba de pagar cerca de R$ 120 milhões por 100 unidades do modelo biarticulado da Volvo – todos os veículos serão encarroçados pela própria empresa de Ruas, a Caio Induscar.

“Por favor, coloque aí que eu fiz a compra à prestação e não à vista, como a imprensa publicou. Imagine se eu tenho todo esse dinheiro na mão!”, afirma Ruas, a essa altura, próximo do meio-dia, já molhado de suor. Sua sala não tem ar-condicionado.