29/06/2005 - 7:00
Na década de 1960, o papa Paulo VI costumava referir-se ao cardeal de Recife, Dom Hélder Câmara, como o ?meu arcebispo vermelho?, em referência às notórias inclinações socialistas do padre nordestino. Hoje, se coubesse uma inversão de papéis, os arcebispos da Cúria Romana poderiam chamar o papa Bento XVI de ?nosso papa vermelho? ? o vermelho, neste caso, é o rubro da Ferrari. No domingo, 19 de junho, o chefe da Igreja Católica abençoou um grupo de 45 ferraristas acompanhados de seus bólidos na Praça de São Pedro. Alguns deles, é verdade, fazem parte de uma ONG que faz trabalhos humanitários. Mas, para quem estava acostumado a assistir João Paulo II com sermões de cunhos social e espiritual, a cena foi espantosa. Não se trata de dizer que os ferraristas não têm o direito de receber a benção do papa. Mas a situação soou estranha aos olhos da multidão. Bento XVI, ao mesmo tempo em que declarava o seu apoio a mais de 9,2 milhões de refugiados, na véspera do Dia Mundial dos Refugiados, rendia-se ao vermelho materialista.
A Ferrari, com um faturamento estimado em US$ 1 bilhão por ano, é uma das marcas mais conhecidas do mundo, dentro e fora do automobilismo. É um ícone de consumo longe, muito longe, da realidade de qualquer refugiado, o outro tema tratado por Ratzinger. Da fábrica da marca de automóveis, saem 4 mil carros por ano. Chegam a custar US$ 700 mil como o modelo Enzo, que atinge 200 km/h em apenas seis segundos. De acordo com uma pesquisa elaborada pela revista americana Fortune, em 2003, ela está entre as dez melhores empresas do mundo para se trabalhar. Mas, mesmo com todos esses atributos, e apesar de ser uma grife italiana, cabe uma pergunta: o que o Vaticano tem a ver com isso?