Michel Temer se preparava para ir de São Paulo a Osasco, em 20 de agosto, quando uma emergência o chamou a Brasília. Um fiel escudeiro, conhecido pelo apetite por cargos, tinha se precipitado na divisão de poder a 45 dias do primeiro turno das eleições. Temer era aguardado para um dos mais simbólicos comícios da campanha de Dilma Rousseff, na cidade onde sindicatos de metalúrgicos desafiaram a ditadura com uma greve, em 1968. Diante do imprevisto, porém, decidiu abortar o compromisso para estancar os pendores fisiológicos de seu partido, o PMDB, e evitar melindres com a candidata Dilma. Baixou-se a lei do silêncio e peemedebistas não falaram mais da partilha de poder. E, no dia da vitória, essa postura discreta parecia ter rendido frutos. 

 

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Polivalente: Temer como secretário de Segurança de São Paulo; na formatura em direito, em 1964; com Renan Calheiros e José Sarney;

ao lado de José Serra; e com a esposa, Marcela (fotos em sentido horário)

 

Em seu primeiro discurso como presidente eleita, no domingo 31, os dois estavam lado a lado e Dilma fez questão de citá-lo mais de uma vez, sinalizando que a vitória não foi apenas dela, mas também dos aliados peemedebistas.

 

Aos 70 anos, Temer chega ao auge de sua carreira política. Vice-presidente eleito da República, o advogado paulista encerrará, em 31 de dezembro, seu terceiro mandato à frente da Câmara dos Deputados e o sexto como deputado. 

 

Desde 2001 comanda o PMDB, um colosso com 1,2 mil prefeitos, 3,5 mil vereadores e as maiores bancadas do Congresso. Depreende-se daí o seu poder e a razão por que Lula sonhava com um peemedebista de menor expressão na chapa de Dilma. 

 

Há um ano, Lula chegou a propor ao PMDB que apresentasse uma lista tríplice com postulantes a vice. Mas a direção do partido bateu o pé e avisou que, sem Temer, não haveria aliança. 

 

“Para Lula, seria muito mais fácil ter como vice alguém como José Alencar do que como Temer, que representa a estrutura de um partido”, disse à DINHEIRO o peemedebista Du Altimari, prefeito de Rio Claro (SP) e coordenador do comitê suprapartidário de Dilma em São Paulo.

 

Temer não só conquistou seu posto como vice de Dilma como reuniu em torno dela a mais poderosa máquina partidária do País. Além do cargo, exigiu que o PMDB pudesse colaborar com o programa de governo, uma forma de contrabalançar o viés estatizante de alas mais radicais do PT. 

 

Em troca, Temer rodou o País, enquadrando diretórios de seu partido simpáticos à candidatura tucana. Foi quatro vezes a Santa Catarina e conseguiu tirar o Estado da aba do tucano José Serra. 

 

Em compensação – sempre há compensações –, impôs candidaturas do PMDB onde o PT também contava com nomes de peso eleitoral, como o de Hélio Costa, em Minas Gerais. “Michel foi firme, incisivo. Negociou diretamente com Lula e cumpriu o papel dele com o partido”, avalia o deputado mineiro Mauro Lopes, secretário-geral do PMDB. 

 

Entre correligionários, espera-se que Temer cumpra na vice-presidência o mesmo papel de mediador que exerceu nas eleições. “Serei um vice essencialmente discreto”, desconversa.

 

Filho de imigrantes libaneses que desembarcaram no Brasil em 1930, Temer é o caçula de oito irmãos. Cresceu numa fazenda em Tietê, no interior de São Paulo, onde seu pai beneficiava café e arroz. Lá desenvolveu o gosto pela leitura. 

 

A exemplo de quatro de seus irmãos, estudou direito na Universidade de São Paulo. Da carreira de advogado, levou para a política seu tino para mediar conflitos, o que lhe rendeu o primeiro convite para ingressar na vida pública, como procurador do Estado de São Paulo, em 1983. 

 

Foi com a benção do ex-governador Orestes Quércia que se projetou no PMDB, mas nesta eleição venceu a queda de braço com o antigo aliado, que se juntou a Serra. Acabou levando a melhor ao atrair 40 dos 69 prefeitos do PMDB para a campanha de Dilma. 

 

Da mesma maneira que se impôs ao quercismo, quer se impor ao petismo e virar um fiador institucional do governo. “Temer tem o traquejo do equilíbrio”, avalia o ex-deputado Moreira Franco. No governo, quer reduzir o uso de medidas provisórias. Isso significa aumentar o poder do Congresso, onde sua influência será maior do que no Palácio do Planalto. 

 

O crescimento de Temer na política deve-se a uma habilidade ímpar de preencher espaços. Na reeleição de Lula, foi um dos últimos do PMDB a aderir à coalizão. Manteve-se distante do Planalto, mas influía diretamente na nomeação de ministros do partido. 

 

Só se aproximou de Dilma quando se elegeu presidente da Câmara pela terceira vez, em 2008. No auge da negociação da aliança, em novembro passado, foi acusado pela Operação Castelo de Areia de receber dinheiro da construtora Camargo Corrêa, o que ele nega. Dias antes, ele havia pedido uma audiência com Lula para quebrar o gelo. 

 

No encontro com o presidente, disse que o PMDB já apoiara o Plano Real (do PSDB) e os programas sociais (do PT) – e que, no governo, contribuiria para dar estabilidade ao governo de Dilma. É tudo o que ela espera dele.

 

Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer foi fundamental na estabilidade da aliança que elegeu Dilma Rousseff. Na vice-presidência, deve exercer o mesmo papel, como uma espécie de fiador da estabilidade política entre o PT de Dilma e o seu PMDB, o grande aliado. 

 

Jurista renomado, Temer defende a redução das medidas provisórias, instrumento que Lula e Fernando Henrique Cardoso usaram e abusaram.

 

 

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“Serei um vice discreto e do diálogo”

 

 

Que papel o sr. pretende exercer como vice-presidente?

Eu olho pela Constituição e ela manda o vice substituir a presidente durante sua ausência. Essa é a primeira tarefa. Posso também ser convocado pela presidente, atribuindo a mim alguma outra tarefa, que ainda não sei qual seria. Mas pretendo ser um vice essencialmente discreto. 

 

O sr. já se colocou como um interlocutor do governo com o PMDB?

Acho que poderei ter esse papel, mas vai depender muito da formação do governo.

 

E como vai ser essa divisão?

É uma coisa que vamos examinar agora, depois da eleição. Trabalhei muito pela unidade do partido para as eleições. Com muita naturalidade poderei ter presença junto ao PMDB, junto ao Congresso. Seria um papel auxiliar relevante.

 

O sr. pretende influenciar, por exemplo, na redução do número de medidas provisórias?

Opinarei tal como fiz ao longo do tempo. Na presidência da Câmara, dei uma nova interpretação que permitiu que uma medida provisória não trancasse mais a pauta de votações. E vou pleitear que haja o menor número possível de medidas provisórias, sem a menor dúvida. Como existe um instrumento como o projeto de lei com urgência constitucional, prefiro que esse seja o meio utilizado.

 

O PMDB apresentou um programa de governo que, em certos tópicos, se opõe ao do PT. O sr. atuará na manutenção do equilíbrio entre as duas propostas?

Vou defender as teses expostas no programa do PMDB. São teses pertinentes à democracia, ao desenvolvimento, à inclusão e à ascensão social. O governo Lula fez não só a inclusão como promoveu a ascensão. Se houver algum ponto em que teses estejam em conflito, será preciso esperar. Mas vamos dialogar. Costumo sempre resolver pelo diálogo.

 

Pela origem empresarial, o vice-presidente, José Alencar, se manifestou muitas vezes sobre a economia. O sr. pretende opinar sobre temas econômicos?

O José Alencar teve uma presença marcante na área. Vou verificar como as coisas acontecem. Vamos observar fato a fato,  momento a momento. A cada dia sua agonia.