O bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann afirmou em recente evento sobre o Brasil na Universidade de Harvard que “Nós nunca vamos ter estabilidade se tivermos desigualdade”. Sábias palavras. Mais uma vez, o tempo se mostra o senhor da razão.

Depois de reunir a maior fortuna do Brasil, uma das vinte maiores do mundo, na casa dos US$ 30 bilhões, segundo a revista Forbes, Lemann segue o mesmo discurso de outros bilionários, como Bill Gates, Warren Buffett ou Mark Zuckerberg. O passo seguinte de todos tem sido o de direcionar doações bilionárias a projetos sociais por meio de suas Fundações. Lemann dedica a sua à melhoria da educação no Brasil.

É inegável que todas essas iniciativas são muito competentes e meritórias, mas não atacam a causa do problema e sim algum de seus efeitos perversos. As Fundações modernas já deixaram o assistencialismo para trás e formam jovens e profissionais capazes de multiplicar e dar escala para seu impacto na sociedade, mas ainda assim tratam a febre e não a doença.

Em vez do paninho úmido do passado, um bom antitérmico. Há a falsa impressão de melhora, mas o paciente ainda segue sob ameaça. É inegável a importância da educação, mas se fosse a receita para os problemas sociais não teríamos desigualdade e tensão social em países como os Estados Unidos ou a França, onde o Estado é bem mais potente e competente do que aqui.

Jamais tivemos tantos dados disponíveis sobre a crescente concentração de riqueza no mundo em que vivemos. O Centro Internacional de Políticas para Crescimento Inclusivo, da ONU, analisou dados da Receita Federal e concluiu que os 10% mais ricos detém 52% da renda no Brasil. E a concentração entre os mais ricos ainda é maior: o 1% mais rico da população brasileira possui 23,1% da renda e 0,05% tem 8,5% da renda do país.

Esse não é um problema só do Brasil. Os ricos estão mais ricos em todas as partes do mundo. Isso porque temos um sistema econômico e financeiro que protege e beneficia quem possui capital, na crise ou na abundância.

No Brasil, esta discrepância salta aos olhos. Basta ver o que se cobra de juros de quem precisa de dinheiro e o quanto se remunera quem tem recurso para aplicar e, em última instância, emprestar por meio da intermediação bancária. Há aí uma clara transferência de riqueza de quem produz para quem detém o capital.

Nem vale a pena perder tempo num debate dualista de capitalismo versus socialismo. Prefiro me alinhar e buscar caminhos entre aqueles que já perceberam a necessidade de mudança. Ao longo do tempo, o mercado financeiro, que tinha em sua origem a missão de viabilizar a atividade produtiva, tornou-se um fim em si mesmo.

Você já parou para pensar quem está a serviço de quem? O mercado financeiro ou a atividade produtiva? Eu, como mini microscópico empresário, não tenho dúvida: eu trabalho para o banco e para o governo.

E é nesse ponto que a bem-vinda percepção de Lemann encontra seu paradoxo: Lemann se fez como banqueiro competentíssimo que utiliza a atividade produtiva para acumular capital. Esse é o propósito maior da Anheuser-Busch Inbev. É essa a receita de sucesso de suas companhias que perseguem obsessivamente performance financeira e ganho de mercado.

Como combater a desigualdade, se o modelo de sucesso empresarial é concentrador? Já se sabe que não será apenas com ações compensatórias de Fundações e Institutos nem por meio de uma ampla intervenção do Estado. Cresce o número de empresários que acreditam ser necessário um repensar do propósito dos negócios. Qual impacto, afinal, geram na sociedade?

Referência de sucesso empresarial, se Lemann realmente trouxer a questão da desigualdade para o centro de seus negócios e não apenas para uma discussão periférica, sem dúvida, será decisivo para acelerar a transformação da realidade brasileira e, quem sabe, do capitalismo como um todo.