O futuro é incerto e o acerto de contas do Brasil com o passado parece não ter fim. Governo após governo, os fantasmas sempre aparecem e teimam em sair dos armários do setor público quando muitos achavam que eles não existiam mais. 
O País que enterrara a hiperinflação sob FHC e comemorara a ascensão da “nova classe média” com Lula chorou de raiva ao ver o poder de compra da moeda derreter novamente diante do descalabro das contas de Dilma. Deu no que deu. Com apenas uma semana de Temer, já se fala em cobrir um fosso de até R$ 200 bilhões entre as receitas e as despesas, cifra capaz de arrepiar até mesmo o mais pessimista dos economistas.

Todo mundo quer saber o tamanho da herança maldita que será revelada pelos novos (e antigos) ocupantes do poder para ver se vale a pena ressuscitar planos de investimento ou se cautela e canja de galinha continuam sendo a melhor opção para o dinheiro que sobrou nesses tempos de economia arrasada. O passado nos espreita e pode pular sobre nossas esperanças a qualquer momento, como um tigre cético, raivoso e faminto que se lança sobre um menino assustado, mas que, felizmente, foi criado por lobos e sabe se defender.

As instituições democráticas estão funcionando, criminosos estão sendo condenados e muitos malfeitos estão sendo apurados e julgados como se espera numa sociedade madura. Porém, os efeitos danosos da corrupção sistêmica, da incompetência da gestão pública e da gravíssima recessão econômica continuarão a nos assombrar por muito tempo. O Brasil, como o menino Mogli na obra de Rudyard Kipling, precisa compreender sua história e descobrir quem realmente é para sobreviver à ameaça do presente.

Somos humanos, criativos, exímios sobreviventes e, acima de tudo, letais. Podemos matar mais uma vez a esperança de um futuro melhor. Ou podemos eliminar as práticas nocivas da política e da economia, em que o jeitinho, as propinas e as trapaças dão o tom dos negócios. Podemos encontrar soluções transparentes que exijam novos sacrifícios dos trabalhadores, dos empresários e dos funcionários públicos – sim, todos irão pagar o pato, cada um à sua maneira – e abram caminho para a restauração da confiança e da credibilidade do País.

Ou podemos continuar coniventes com o atraso e exaurir as imensas riquezas da nação e do povo, como fizeram nossos vizinhos. Temer fez as escolhas certas ao nomear técnicos conservadores, responsáveis e bem-sucedidos como Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn e Maria Silvia Bastos Marques, entre outros, para cuidar do meu, do seu, do nosso dinheiro. Se eles puderem executar sérias políticas de ajustes, incluindo as reformas tributária e da Previdência, sairemos da selva arranhados, mas vivos e fortalecidos.

Na política, as escolhas do presidente foram pragmáticas e alguns fantasmas do velho clientelismo voltaram à cena. Como não podemos mudar o passado e o Congresso que temos é esse aí, Temer precisa ser firme nos princípios éticos de seu discurso ao obter apoio parlamentar para resgatar a economia. Tem de aprimorar o presente para garantir um futuro melhor. Se conseguir, será um grande estadista.

(Nota publicada na Edição 968 da Revista Dinheiro)