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RITMO DE PAQUIDERME Para cada passo que o Brasil dá, o resto do mundo dá pelo menos dois

 

A promessa era de espetáculo. Mas o gênero a que se assistiu foi um antigo dramalhão. Na quarta-feira 28 de fevereiro, quando o IBGE anunciou o índice oficial do crescimento econômico brasileiro em 2006, mais uma vez o País encarou a sensação de não ter o que comemorar. Os pífios 2,9% servem, no máximo, para lançar o Brasil à frente do Haiti na corrida do desenvolvimento na América Latina. Sim, derrotamos o Haiti, aquele país caribenho destroçado por uma guerra civil. E só. De resto, o crescimento brasileiro ficou dois pontos percentuais abaixo da média dos demais países da região (4,9%) – líder da lista, a Argentina cravou desempenho de 8%. Entre os chamados emergentes, aqueles que disputam, centavo a centavo, a atração de investimentos vindos do Primeiro Mundo, o índice nacional ocupa a lanterna. O espetáculo dramático tem cenas ainda mais dantescas: o Brasil, nos últimos quatro anos, não conseguiu vencer sequer o próprio Brasil. Comparado à primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso, o mandato inicial de Lula conseguiu um enervante empate, ambos com crescimento médio anual de 2,6%. O que os distingue é a conjuntura global. FHC governou em tempos de economia travada e perdeu de pouco – ficou 1,08% abaixo da média mundial. Lula encontrou um cenário de bonança externa, mas enquanto os demais deslancharam, sob o seu comando o País patinou e foi comendo ainda mais poeira. No quadriênio 2003-2006, a média mundial esteve 2,1% acima da brasileira. Movendo-se como um pesado paquiderme, para cada passo que o Brasil dá, o resto do mundo dá pelo menos dois. A China (crescimento de 10% em 2006) dá mais de três e a Índia (8,3%) segue quase no mesmo ritmo.
 

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GUIDO MANTEGA Diante de números ruins, ministro preferiu procurar dados positivos

“O fato de o PIB ter crescido 2,9% é algo maior do que os analistas previam, mas é menor do que eu desejo e do que o Brasil deseja”, afirmou Lula, na mesma quarta-feira. O presidente queixou-se das várias projeções erradas que recebeu de seus assessores ao longo de 2006, indicando números melhores (quando o ano começou cogitava-se chegar a 5%) e deixando explícita sua frustração. Maior ainda é a de quem esperava mudanças na política econômica, dando maior dinamismo à produção e permitindo que o País surfasse na mesma onda. “Crescimento de 2,4%, 2,7% ou 2,9%, isso não importa”, avalia o economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Princeton (EUA). “O que realmente importa é que o Brasil poderia estar crescendo o dobro disso”. Importa também é a impressão de que o espetáculo que ainda não veio pode continuar não se apresentando nos próximos anos. Os números medíocres de 2006 repetem uma rotina de desempenhos pífios, ciclicamente interrrompida por soluços um pouco mais positivos. FHC viveu um de 4,4% em 2000, para voltar a amargar 1,3% em 2001. Lula bateu no topo dos 4,9% em 2004 e no ano seguinte retornou ao nível dos 2,3%. Por que caminhamos feito elefantes mancos? ‘A persistência das taxas medíocres mostra que o problema do Brasil vai além da pura condução equivocada da política econômica e que é preciso discutir os impasses estruturais do crescimento’, argumenta Boris Tabacof, diretor do Centro das Indústrias de São Paulo.
 

Gargalos de toda espécie – o próprio presidente reclamou na quarta da questão dos licenciamentos ambientais que retardam investimentos –, conflitos ideológicos, falta de um norte para guiar os agentes econômicos se encaixam nessa categoria. A questão cambial é um exemplo gritante. Em 2005, com estímulo governamental e um dólar favorável, os setores exportadores (com uma expansão acima de 11%) foram a âncora do PIB, garantindo que o resultado não fosse ainda mais desastroso. Em 2006, com um dólar que, ao contrário, estimulava a importação, coube a eles o papel de vilão. O dólar fraco, por sinal, é responsável por outra aberração numérica conhecida a partir dos índices divulgados pelo IBGE. Tamanha foi a desvalorização da moeda americana frente ao real em 2006 que, em valores nominais em dólar, o PIB brasileiro aponta um crescimento de 20,5% — fechou 2005 em US$ 796 bilhões e 2006 na marca de US$ 959,5 bilhões. Também a carga tributária, cada vez mais mastodôntica, funciona como trava permanente a qualquer ímpeto produtivo. Na esteira do anúncio do IBGE, na semana passada, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário divulgou estudo em que calcula que os impostos consumiram nada menos que 38,8% do PIB em 2006, um avanço de 2,96 pontos percentuais em relação ao final da gestão FHC. O apetite do Leão, esse sim, é espetacular.

A eloqüência dramática dos números foi replicada com o tradicional conservadorismo pelas autoridades econômicas. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, escudou-se no abalo dos mercados globais, a partir de um tremor na Bolsa de Xangai, na China (leia texto na pág. 36) na terça-feira 27, para defender sua ultracautelosa política monetária. ‘Talvez seja um aviso para que tenhamos prudência”, afirmou, em depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), do Senado. Acabou sendo contestado pelo senador petista Aloízio Mercadante, presidente da CAE, que insistiu em atribuir à política de juros do BC a responsabilidade pelo ritmo lento da economia. “O BC não quer correr nenhum risco, mas transfere o risco para o crescimento econômico”, atirou. Sob pressão governista, o diretor de Política Econômica do BC, Afonso Bevilaqua — apontado como um das vozes mais conservadoras nas decisões sobre juros – pediu demissão na quinta 1º de março.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por sua vez, procurou enxergar pontos positivos nos dados divulgados pelo IBGE. Se o PIB anual é ruim, apegou-se ao índice do quarto trimestre de 2006 (crescimento de 1,1%) e às informações sobre investimento (aumento de 6,3% em 2006) para afirmar que a tendência é de aceleração do crescimento em 2007. “Achei bom o resultado, principalmente pela qualidade dos dados”, ponderou Mantega. Uma análise mais detalhada deste indicador, porém, pode esfriar o otimismo do ministro. Boa parte desses investimentos destina-se a áreas como construção civil, que não têm efeito tão duradouro para a economia quanto os realizados em aumento de capacidade de produção fabril. Em outras palavras, pode estar surgindo no horizonte outro soluço de crescimento, para depois retomarmos o passo do elefantinho. O País precisa bem mais do que isso.

” O baixo crescimento da economia decepciona quem trabalha e produz no País’, reclamou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. ‘Só nos resta continuar lutando e acreditar que, diante desse pequeno resultado para um Brasil tão grande e forte, o governo irá demonstrar vontade política e união para investir, de fato, em um futuro melhor”. O único movimento nesse sentido continua sendo o pacote de intenções do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado há mais um mês por Lula, mas ainda sem sinais de implementação. O frustrado presidente insiste que ele dará resultado. ‘Vamos destravar, vamos diminuir tudo o que estiver criando entrave para o desenvolvimento”, promete. Por enquanto, só o que podemos esperar é uma dura disputa com o Haiti.