28/10/2009 - 8:00

Nas últimas semanas, enquanto o dólar não parava de cair, multiplicaram-se as reclamações no setor produtivo sobre os riscos de um real forte demais, com danos para a balança comercial e a saúde da indústria brasileira.
Na segunda-feira 19, o governo resolveu agir: decretou um imposto sobre operações financeiras (IO IO F) de 2% sobre todo o capital estrangeiro que entrar no País, exceto para investimento direto. No dia seguinte ao pedágio, a Bovespa despencou 2,88% e o dólar subiu para R$ 1,75. Parecia que o tiro tinha acertado.

Mas o efeito foi passageiro e dois dias depois já era claro que o governo mirou no alvo errado. Ao tentar forçar a cotação da moeda americana, conseguiu afugentar o capital estrangeiro da bolsa brasileira de forma temporária, sem o efeito desejado no câmbio. Na quarta-feira 21, a moeda americana recuou para R$ 1,72 e a Bovespa fechou com alta de 0,28%, depois de variar durante o pregão, tendo até subido quase 3%.
“Criamos um pedágio para evitar uma bolha”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que defendeu a decisão, mas não descarta novas medidas. O que não ficou claro ainda é se existe uma bolha na bolsa brasileira. Ou simplesmente uma recuperação condizente com o momento econômico. Na véspera do anúncio, o Ibovespa estava em 67 mil pontos.
Um pouco menos do que o recorde de 73 mil pontos verificados em maio de 2008, mas mais do que o dobro dos 29 mil pontos de um ano atrás. Com a queda do primeiro dia, o valor das companhias listas diminuiu R$ 55 bilhões, segundo a Economática. Mas no dia seguinte a bonança voltou e o mercado operou em alta durante todo o dia.”Não existe bolha na bolsa brasileira. A alta dos últimos meses é consistente.
O consumo já estava bom antes da crise, porque o potencial de crescimento da economia brasileira é enorme”, disse à DINHEIRO o presidente-executivo da BM&FBovespa, Edemir Pinto. A preocupação da BM&FBovespa é a migração de liquidez do Brasil para Nova York, onde grandes empresas brasileiras como Petrobras, Vale, Gol e Vivo negociam ADRs (American Depositary Receipts). No total, são 29, que respondem por mais da metade dos R$ 4,96 bilhões movimentados diariamente.
A medida não desagradou apenas aos analistas e investidores do mercado de capitais. Tanto a Confederação Nacional da Indústria (CNINI) quanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESIESIESP) apoiaram a medida num primeiro momento, até por uma questão política. Mas, depois da euforia inicial, perceberam que o imposto pode não depreciar o câmbio e ainda afugentar capital crucial para financiar seus investimentos.
O próprio ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, disse que a medida era inócua para o exportador. “Acho que a medida tem mais efeito na arrecadação”, afirmou. “O que nós queríamos era que os investimentos não custassem 20% antes de começar a produzir e não que houvesse uma taxação do investimento especulativo.”
O dinheiro dos IPOs é mais barato que a captação por outros meios, empregado na economia real e em atividades produtivas. O Santander, que recebeu R$ 14,1 bilhões com a sua abertura de capital no mês passado, pretende usar a maior parte dos recursos para aumentar sua carteira de crédito.
Companhias imobiliárias que estão captando recursos na bolsa vão usá-los para investir na construção de imóveis. “A medida tem pouca efetividade prática, o custo indireto é maior do que o bloqueio dos dólares”, afirma Alexandre Póvoa, sócio do Modal Asset Management.
Especulativo ou produtivo
O dinheiro estrangeiro está presente em 70% das aberturas de capital, em média, na bolsa brasileira. Confira alguns exemplos de como estão sendo destinados esses recursos
PETRÓLEO – a OGX captou R$ 6,7 bilhões na bolsa (63% de estrangeiros) para buscar petróleo em águas profundas.
EDUCAÇÃO – a Anhanguera Educacional e o Sistema de Ensino Brasileiro (SEB) levantaram quase R$ 1 bilhão (mais de 80% com estrangeiros) para a expansão das redes de ensino.
IMOBILIÁRIAS – a Rossi Residencial e a MRV Engenharia conseguiram R$ 928,1 milhões e R$ 722 milhões, respectivamente, para investir boa parte no programa Minha Casa, Minha Vida. Os estrangeiros ficaram com mais de 70%.
AGRONEGÓCIO – a SLC Agrícola usa os R$ 369 milhões (78% de capital estrangeiro) levantados na bolsa para aumentar o número de terras produtivas.
SANEAMENTO – a Copasa, de Minas Gerais, expande seus sistemas de saneamento básico com os R$ 460 milhões (77% obtidos com investidor internacional) que vieram da bolsa.
O novo imposto também revelou que a relação entre Mantega e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não estava tão apaziguada como se pensava. A decisão foi tomada quando Meirelles estava viajando e anunciada um dia antes da reunião do Copom, que manteve a taxa de juros Selic em 8,75% ao ano.
No dia seguinte, logo após a divulgação da manutenção da taxa de juros, o presidente do Banco soltou um comunicado informando que ele “participou de discussões que antecederam a decisão sobre o aumento do IOF no ingresso de recursos em moeda estrangeira com as autoridades que têm responsabilidade sobre questões tributárias”. O BC reafirma que a medida não significa mudança no regime cambial e que a taxa de câmbio “continua flutuando e sendo determinada pelas forças de mercado”.
O receio dos analistas é que ao taxar os recursos que entram no País o Brasil saia do mapa dos investidores estrangeiros. Diariamente, um terço dos negócios da Bovespa é feito com recursos que vieram do exterior. Nos lançamentos de ações, o volume sobe para 70%.

Edemir Pinto, presidente da BM&FBovespa, teme migração dos negócios do Brasil para Nova York
“Este tipo de medida só ajuda a transferir a liquidez do mercado brasileiro para Nova York”, confirma Edemir Pinto. Os papéis de Petrobras e Vale, por exemplo, continuarão a atrair investidores estrangeiros via ADR, mas as pequenas companhias que estão listadas exclusivamente na bolsa brasileira ficarão de fora do radar desses potenciais compradores.
E é justamente esse o maior problema. “Os estrangeiros não terão a opção de comprar as empresas menores, que são justamente as que mais precisam de dinheiro, diz Póvoa.
Para evitar o esvaziamento da bolsa brasileira, justamente num momento de retomada depois da crise do ano passado, o presidente da BM&F Bovespa fez uma proposta alternativa ao ministro Guido Mantega: taxar o capital na saída do país, em vez da entrada, como acontece no Chile, para não punir o investidor de longo prazo, fundamental para o financiamento das empresas brasileiras, especialmente as novas. Mantega explicou que a tributação na entrada é mais fácil, porque o investidor tem que fazer o câmbio e alegou que o investidor de longo prazo não será afetado.
“Quando você faz uma aplicação em uma empresa, você não está preocupado com o ganho financeiro, e sim com a rentabilidade da empresa, o dividendo que aquela ação vai dar, a produção. Isso não foi afetado pela medida”, afirmou o ministro. Apesar disso, técnicos da Fazenda se reuniram com técnicos da BM&F na quarta-feira para discutir alternativas.
Edemir Pinto e Mantega se encontrariam no dia seguinte. O interesse da bolsa não é só preservar o valor dos papéis que comercializa ali dentro, mas os da própria empresa. Desde o lançamento, há dois anos, as ações subiram 10,03%. Esta semana, a queda foi de 8,88% no primeiro dia, com recuperação de 0,81% na quarta-feira.
Na XP Investimentos, antes dos negócios começarem no pregão, o comitê de investimentos analisava os prós e contras de retirar a indicação de compra para a ação da BM&FBovespa, que fica em baixa quando os negócios apontam para baixo.

Louco ou visionário?
O economista Ricardo Amorim prevê o Ibovespa a 200 mil pontos e o real valendo apenas um dólar. E isso com ou sem IOF
Guarde esta reportagem. Ela pode ser útil dentro de pouco tempo. O personagem ao lado não é o americano Nouriel Roubini, o sr. Apocalipse, que antecipou o estouro da bolha imobiliária americana e a chegada da crise mundial.
Mas o economista Ricardo Amorim já experimentou os seus acertos, embora pelo lado positivo da história. No final de 2002, ele foi chamado de louco quando afirmou que a bolsa brasileira voltaria a ter dias melhores e o dólar, que chegou a valer R$ 4, recuaria para a casa dos R$ 2 no ano seguinte.

Suas palavras foram deixadas de lado no meio do pessimismo com a eleição do presidente Lula, mas a sua visão estava certa.
A moeda americana mergulhou nos anos seguintes e o Ibovespa experimentou um longo ciclo de alta, com valorização de nove vezes em cinco anos (foi de 8 mil a 72 mil pontos). Após uma nova fase de desespero, Amorim está de volta. Se a sua leitura recente estiver correta, o Brasil viverá em berço esplêndido por muito tempo. A começar pelos investidores, que veriam a bolsa chegar aos 200 mil pontos.
O capital estrangeiro entrará aos montes e os exportadores ficarão enfurecidos, pois o dólar vai se aproximar de R$ 1. “Não é bola de cristal, é a direção que eles caminham”, afirma Amorim. Seria um visionário? Louco ou visionário são duas palavras desgastadas para ele. Sempre que sua opinião foge do consenso, esses dois extremos voltam a aparecer.
“Os dois enxergam o que a maioria não vê. Mas o louco tem um mundo imaginário, ao contrário do visionário”, responde Amorim. Sua previsão é que a bolsa e o dólar atinjam esses pontos em cinco anos, com o fim de movimentos bruscos de alta ou de queda. Um dos motivos para esse cenário de longo prazo é a valorização das empresas brasileiras, que passaram a ser compradoras e não vendedoras no cenário internacional.
“Houve uma virada do eixo mundial e o Brasil é protagonista”, diz Amorim. Mesmo assim, ver o Ibovespa a 200 mil pontos parece um exagero, que pode ser comparado ao livro “Dow 36.000”, escrito por Glassman Hassett, e lançado nos EUA em 1999. Na época, o Dow Jones, o índice mais divulgado da bolsa americana, estava em 9.500 pontos.
Meses depois veio a explosão da bolha da internet e a recuperação não foi nada impressionante. A pontuação máxima conseguida foi um beliscão nos 13.500 pontos. A comparação não assusta Amorim. Na primeira vez que falou nos 200 mil, o Ibovespa estava em 33 mil pontos e não tinha atingido o piso dos 29 mil.
No pior momento do ano passado, manteve-se firme na sua teoria. E lançou um desafio: a bolsa de 2009 poderia se aproximar dos 97% de valorização da de 2003, o ano seguinte à crise das eleições de Lula. Até a quarta-feira 21, o Ibovespa acumula 78% de alta. “Acontecerão zigues-zagues e correções de 15% a 25%. Mas a direção é para cima”, insiste ele. Fique com este texto, pois você poderá chorar ou sorrir em pouco tempo.