Nos últimos cinco anos, o paulista José Geraldo de Andrade, 52 anos, dono da pequena J. Gean Indústria de Calçados, baseada em Franca (SP), viveu uma espécie de inferno astral corporativo. É que, durante todo esse tempo, ele perdeu o direito de usar seu principal ativo: a marca J. Gean, criada a partir da junção das iniciais de seu nome.
 

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“A companhia perdeu encomendas e fui obrigado a demitir cerca de 
40% dos funcioná-rios. Só não quebrei por pura sorte” 
José Andrade, dono da J.Gean 
 

Tudo por causa de uma ação judicial movida, em 2004, pela Azaleia, que acusava o microempresário de plagiar a grife Dijean – a linha de calçados femininos da fabricante gaúcha. Apesar da evidente diferença de porte financeiro ( a J. Gean tinha receita anual de R$ 2,5 milhões, ante quase R$ 1 bilhão da rival), ele resolveu partir para a briga. Andrade venceu no início de 2010, quando o recurso da Azaleia foi negado, por unanimidade, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Isso, no entanto, está longe de encerrar o caso. O dono da J. Gean pretende pedir indenização pelos prejuízos sofridos com o que classifica de “um verdadeiro cerco movido pelos gaúchos”. Ele sabe que essa é uma guerra de Davi contra Golias, mas não engole o que passou por conta da pendenga judicial. Na época em que a Azaleia iniciou a briga na Justiça, a J. Gean Indústria de Calçados tinha outra razão social, a Cristal Indústria de Calçados, usada até 2006. Andrade diz que a Azaleia divulgou o nome de sua empresa em um site de produtos acusados de pirataria. A companhia também ameaçou confiscar mercadorias durante a edição 2004 da Feira Internacional da Moda em Calçados e Acessórios (Francal), em São Paulo. “Minha trajetória empresarial foi seriamente prejudicada. A companhia perdeu encomendas e fui obrigado a demitir cerca de 40% dos funcionários. Só não quebrei por pura sorte”, desabafa.

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Procurada pela reportagem, a direção da Azaleia, por meio de sua assessoria de imprensa, se limitou a enviar uma nota na qual diz que “recorreu à Justiça porque via semelhanças nos logotipos, como o uso de uma flor de quatro pétalas, marca da Dijean.” Enquanto define com advogados o montante que será pedido no processo de reparação de danos, Andrade faz planos para o futuro. Sua meta é retomar a produção para o patamar de 2006, período áureo da companhia. Na época, ele empregava 200 pessoas e vendia os produtos em 400 pontos espalhados pelo País. A marca própria representava 80% do faturamento de R$ 3 milhões. O restante vinha de peças feitas sob encomenda por grifes como Mr.Cat, Side Walk e Dunes. A suspensão do direito de uso da marca fez com que a J.Gean demitisse 80 funcionários e concentrasse suas forças apenas na terceirização. No início deste mês, Andrade voltou ao circuito de eventos do setor com a participação no Showroom de Moda Select, salão que acontece paralelamente à Francal. Lá, o empresário exibiu a coleção primavera/verão, composta de 150 modelos de estilo retrô. Os preços variam de R$ 30 a R$ 150. Com isso, ele espera fechar 2010 com receita de R$ 2,2 milhões, 30% acima da obtida em 2009. A disputa entre pequenas empresas e grandes corporações é mais comum do que se pensa (leia quadro), mas poucos se dispõem a enfrentar esse processo. “Muitos empresários de pequeno porte desistem de brigar porque não têm condições de arcar com os custos legais”, diz Irani Cavagnoli, professor da Trevisan Escola de Negócios. Sapateiro de formação, Andrade sempre se valeu da intuição para tocar a companhia. Fundou a Calçados Cristal em 1982, com as economias que amealhou nos seis anos em que atuou na área de vendas da extinta Calçados Decolores. Nunca imaginou, contudo, que teria uma gigante em seu calcanhar. Agora, quem diria, ele pode ser a pedra no sapato da Azaleia.