08/10/2003 - 7:00
Sua missão é andar, falar, convencer ? e arrecadar. Com mandato vitalício no círculo íntimo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele peregrina pelo País e o exterior como embaixador itinerante do governo. Dias atrás, quando o presidente e sua comitiva de ministros passaram por Cuba, ele articulou encontros de Lula com o cardeal Jaime Ortega, opositor do regime, e participou das conversas a portas fechadas entre o presidente e Fidel Castro. ?Sou um cavoucador abrindo espaços?, define-se Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto da resistência ao regime militar nos anos 60, da polêmica amizade pessoal com o próprio Fidel, dos 48 livros publicados em 23 línguas. O Fome Zero é, hoje, sua bandeira maior, mas ele palpita sobre política econômica, trata de reforma agrária, discute temas ambientais. Não pára no lugar. No início de setembro, foi visto num domingo nos arredores de Frankfurt, Alemanha, no Congresso Mundial de Mística feito pelos carmelistas descalços. Antes, em São Paulo, discutira em detalhes uma campanha publicitária para o maior programa social do governo. De volta da Europa, pousou em Recife para se reunir com assistentes sociais e, sem querer, ganhar manchetes ao defender o Movimento dos Sem-Terra. Em Brasília, esteve com a direção mundial da FAO ? órgão da ONU para Alimentação e Agricultura ?, foi ao Rio para engajar entidades no combate à fome e ainda encontrou tempo para um retiro espiritual antes de ir à Cuba. ?A imprensa tem uma tendência a observar o contraditório?, avalia. ?O certo é que essa visita a Cuba foi um sucesso integral, sem óbices.? Sua palavra ressoa no centro do poder. ?Betto pode atuar em muitas funções de governo?, diz o chefe do gabinete pessoal do presidente Lula, Gilberto Carvalho. ?Diante dele o presidente volta aos velhos tempos, não há protocolo.?
Ajudar o frei, nesta medida, é atalhar uma aproximação com o poder. Não se pode dizer que haja qualquer pecado nisso. Produtores rurais do Rio Grande do Sul, após uma de suas palestras sobre o Fome Zero, doaram um trator e um caminhão para o programa. Em seguida a uma apresentação na Vale do Rio Doce, em Minas, Betto conseguiu da empresa a cobertura dos custos de um programa de alfabetização. Depois de falar na sede da Petrobras sobre recursos hídricos, obteve o engajamento da companhia no plano de arrecadação de alimentos. E assim ele vai multiplicando os pães. ?Não cabe a mim a tarefa de arrecadar recursos, mas isso acaba acontecendo?, aquiesce. De sua contabilidade pessoal ele destacava na semana passada as marcas de 823 cidades e 758 mil famílias da região do semi-árido beneficiadas pelo programa. ?O governo já engrenou. O Fome Zero vai atingir 1,5 milhão de famílias em 2 mil municípios até o final do ano?, exulta.
O homem é movido a paixão. Aos 15 anos, na virada dos anos 50 para 60, ingressou para o movimento estudantil. Ficou preso durante 15 dias após a tomada do poder pelos militares, em abril de 1964. Torturado, ao sair entrou para a congregação dos dominicanos. ?Escolhi porque são progressistas?, lembra. Fez votos de castidade, pobreza e obediência, mas preferiu manter-se frade em lugar
de ser ordenado padre. Hoje, doa o dinheiro de suas palestras remuneradas para o Fome Zero e destina parte de seu salário como assessor da Presidência à Pastoral Operária, aos dominicanos e a entidades assistenciais. No auge da ditadura militar, atuou na rede clandestina de apoio a militantes políticos e ajudou a proteger o líder comunista Carlos Mariguela, chefe da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Preso outra vez em 1969, no Sul, escapou de novas torturas graças à interferência do então bispo de Porto Alegre, o conservador Vicente Scherer. Depois de quatro anos no cárcere, escolheu morar numa favela em Vitória, para ficar perto dos pobres. Lula despontou como líder sindical em São Bernardo, no final dos 70, Betto sentiu-se atraído pelo seu carisma e, em 1980, quando o atual presidente foi levado de sua casa, preso, para o Dops, o frei estava ao seu lado. Entre eles, a amizade é tão antiga quanto sólida. A apresentação entre Lula e o hoje ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, foi feita anos atrás por Betto.
Afeito a polêmicas, Frei Betto foi criticado duramente pelo
diplomata Sérgio Vieira de Mello, morto em agosto no Iraque, por ter atacado em artigos de jornal a atuação dele no Timor Leste. ?Mantenho tudo o que escrevi?, disse o frade à DINHEIRO, sobre o texto no qual divulgou uma carta de freiras timorenses classificando o papel da ONU como intervenção branca. ?O Sérgio respondeu do jeito dele, meio irritado, mas não me convenceu.? Também não recua de sua amizade com Fidel. ?Ela ajudou a aproximação entre o Estado e a Igreja. Isso permitiu a visita do Papa ao país?, avalia. ?Não concordo com os fuzilamentos de dissidentes e já manifestei isso pessoalmente a Fidel?. A crítica foi reafirmada durante a visita de Lula à ilha? Betto cala. Diz ter participado de encontros fechados dos quais a condição era a reserva. Assinala, porém, que os dois líderes trataram de todos os assuntos. Adepto da meditação diária por uma hora, feições de jovem aos 59 anos, Frei Betto é fiel ao seu caminho. Qualidade dos melhores peregrinos.