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A primeira plataforma já está instalada em alto-mar. Sobre ela,
50 funcionários trabalham freneticamente dia e noite perfurando poços. O petróleo já
foi encontrado e de lá jorrará em abundância. Em poucos meses,
uma outra plataforma se juntará à primeira, o óleo começará a ser extraído em grandes volumes e, assim, o parque industrial brasileiro estará às portas de um momento histórico. A Shell, a gigante anglo-holandesa da área química, está pronta para produzir petróleo no Brasil. Pela primeira vez na história, o óleo negro vai jorrar em território nacional em torres que não sejam as da Petrobras, a estatal brasileira que até hoje possuía a exclusividade para extração e refinamento do produto no País. Nunca um organismo privado, estrangeiro ou nacional, havia fincado em território brasileiro seus dutos e maquinários com esse fim. Em 1997, o Congresso Nacional havia assinado a sentença de morte para o monopólio estatal de petróleo ? no papel. Desde então, mais de 40 empresas das mais diversas origens saíram à caça das reservas naturais. Sem sucesso. Agora, a iniciativa da Shell quebra na prática o monopólio ? algo impensável desde que multidões de trabalhadores saíram às ruas, na década de 50, para garantir a exclusividade de empresas nacionais nesse setor, um movimento que culminou com a Lei 2004 e a criação da Petrobras.

 

No campo de Bijupirá & Salema, localizado a mais de 100 quilômetros da costa do Rio de Janeiro, a Shell encontrou um tal de petróleo leve, que possui, segundo a empresa, a viabilidade técnica e financeira ideal para exploração. A companhia ainda não retirou uma única gota de óleo dali, mas está enterrando US$ 1 bilhão na prospecção de 15 campos arrematados em leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em quatro deles, foi encontrado óleo. Mas, por enquanto, a Shell só se motivou a explorar o de Bijupirá & Salema. Ali sete dos 14 poços existentes já foram perfurados.

Tanto dinheiro para tão pouco resultado até agora parece surpreendente. O que não surpreende é que tenha ficado para a Shell o papel de primeira empresa privada a produzir óleo aqui no Brasil. Dona de um faturamento de US$ 120 bilhões no mundo, o colosso anglo-holandês disputa barril a barril o segundo lugar com a British Petroleum no ranking global das petrolíferas. À frente está a Exxon. Junto com a Petrobras, a Shell é considerada a companhia com tecnologia mais avançada na exploração de petróleo em águas profundas. A cada dia, a empresa retira três milhões de barris de campos espalhados pelos cinco continentes. ?O petróleo de Bijupirá & Salema vale ouro para nós, pois nos integrará à estratégia global da companhia?, diz Castelli. ?Esse é nosso principal negócio em todo o mundo. Em alguns anos, queremos que seja também no Brasil.?

Poderá ser para ela e para as concorrentes também. Há um enorme espaço a ser ocupado. Segundo a Organização Nacional da Indústria de Petróleo (Onip), até 2010 a exploração e produção de petróleo no Brasil poderão gerar US$ 100 bilhões em investimentos. Além da Shell, a Devon também investe em perfuração na região Nordeste. O superintendente da Onip, Alberto Machado, acredita que, a partir de 2005, o Brasil poderá alcançar a auto-suficiência no atendimento ao mercado interno. Para a Shell, significa também uma nova etapa na história de 90 anos no País. ?Estamos nos tornando uma empresa de energia?, afirma Castelli. Foi uma travessia dolorosa realizada nos últimos anos. Duramente atingida pela chegada ao mercado de centenas de novas distribuidoras, cuja principal vantagem era a sonegação de impostos, a Shell encolheu brutalmente sua rede de postos. Eram 4.200 pontos. Sobraram 2.800. Ao mesmo tempo, a empresa viu-se envolvida em um rumoroso caso de agressão ao meio ambiente em Paulínia, SP, onde se localizava sua unidade química, vendida para a Basf. Segundo denúncias da Secretaria de Saúde do município, mais de 180 pessoas foram contaminadas por pesticidas produzidos pela empresa. A Shell já comprou 42 das 66 chácaras que rodeiam o local. O caso está na Justiça e ainda não foi concluído.

 

A busca pela nova identidade prejudicou os resultados. Em
2001, o faturamento bateu em
R$ 8 bilhões, mas houve um prejuízo de R$ 16 milhões. Em 2000, o vermelho já havia tingido o balanço em R$ 31 milhões. O petróleo é visto dentro da empresa como o ponto de virada nessa situação. Por isso, Castelli e os demais executivos esperam com ansiedade a chegada de uma navio, hoje estacionado em um estaleiro de Singapura. Batizado de Saara, trata-se de um antigo petroleiro que está sendo adaptado para se tornar uma plataforma, ao custo de US$ 250 milhões. Equipamentos produzidos nos Estados Unidos e na Malásia estão sendo instalados. Seu casco recebeu reforços extras por questões de segurança. Quando o serviço for concluído, o petroleiro partirá do Oriente e cortará oceanos em uma longa e lenta travessia até a costa brasileira. Quando estacionar no Bijupirá & Salema, entre abril e maio de 2003, será rebatizado de FPSO-Fluminense, os motores serão retirados e o maquinário será conectado aos equipamentos de extração. A produção deverá ter início em meados do próximo ano.

 

Quando o pico de extração for atingido, cerca de 70 mil barris diários serão sugados das águas brasileiras. Durante 24 horas
por dia nos sete dias da semana, outros barcos petroleiros se conectarão à plataforma para retirar o óleo extraído em Bijupirá & Salema. ?O destino do produto dependerá da demanda do mercado brasileiro e internacional?, diz Michiel Kool, vice-presidente de exploração da Shell do Brasil. Nascido na Holanda, Kool é um especialista no assunto. Em 17 anos de Shell, trabalhou em diversos países antes de desembarcar no Brasil, há um ano, para assumir o comando dos trabalhos de exploração de óleo. Por força da atividade profissional, ele é um profundo conhecedor da vida sobre as plataformas marítimas. ?São verdadeiras cidades?, diz ele.

Para se ter idéia de como será a vida sobre o FPSO-Fluminense, basta visitar a atual plataforma de perfuração. Talvez seja uma boa definição da palavra isolamento. Como a maioria dos profissionais moram no Rio de Janeiro, o trajeto começa com uma viagem de três horas até Macaé, no litoral do Estado. de lá, embarca-se em um helicóptero. À medida em que se avança no vôo de quase uma hora rumo à plataforma, qualquer vestígio de terra desaparece ? os olhos não alcançam nada além da imensidão do mar encrespado pelo vento e acinzentado pelas nuvens carregadas que cobrem o céu nesta fase do ano. A monotonia é quebrada quando um pequeno ponto surge no horizonte. É a plataforma. Minutos antes da aterrissagem, percebe-se a intensa movimentação e o barulho de máquinas funcionando a todo vapor.

Esqueça as famosas cenas de um sujeito lançando o chapéu ao ar e dançando feliz debaixo de uma chuva de óleo negro, consagradas em filmes como Assim Caminha a Humanidade. Não há sinal de petróleo sobre a plataforma. O trabalho dos funcionários de prospecção assemelha-se a de jogadores de videogame. Com um joystick em cada uma das mãos, eles monitoram as sondas que penetram no solo a 500 metros abaixo do nível do mar para localizar as mantas de petróleo. É um trabalho minucioso, que exige concentração total. Durante quatro semanas, eles vivem na plataforma e trabalham 12 horas diárias. Depois desse período, ganham férias de outras quatro semanas. Fora a distância de casa, a vida na plataforma não é inóspita. Há uma pequena academia para exercícios físicos, sala de vídeo e de leitura. Funcionários praticam cooper ao redor do heliponto. Outros dedicam-se a cursos de inglês ou de aperfeiçoamento profissional. Telefones e internet funcionam perfeitamente. Comunicação é dinheiro nesse negócio. O navio está ligado à sede no Rio de Janeiro e a Houston, nos Estados Unidos, onde se localiza o centro mundial de excelência para petróleo da Shell. Por exemplo: se um equipamento emperrar no fundo do mar, em questão de minutos o operador terá de saber se o abandona ou tenta retirá-lo naquele momento. ?As decisões têm de ser rápidas, pois tempo é dinheiro nesse setor?, diz Kool. Cada dia de operação de uma plataforma consome de US$ 100 mil a US$ 400 mil.

Colaborou Cláudia Bredarioli