08/05/2002 - 7:00
DINHEIRO ? Como o sr. vê a escalada de violência no Oriente Médio e os conflitos entre israelenses e palestinos?
ALI HASHEMI ? Com profundo desgosto e pesar. As forças militares de Israel promoveram um verdadeiro massacre em cidades e campos palestinos, sob o pretexto de isolar Yasser Arafat, o líder da autoridade palestina. O mais grave é que isso ocorreu sob os olhos coniventes de autoridades mundiais, sem que houvesse qualquer reação internacional mais incisiva. Ocorreram crimes de guerra e Jenin é o exemplo prático da destruição. Tudo isso deveria ser julgado por tribunais internacionais. O fato concreto é que desde que Ariel Sharon chegou ao poder em Israel, as coisas no Oriente Médio mudaram para pior, muito pior. Israel rasgou todos os contratos e convenções de paz que foram assinados nos últimos vinte anos. Tudo foi jogado no lixo por Ariel Sharon.
DINHEIRO ? Que reação internacional deve ser tomada diante desse quadro?
HASHEMI ? É preciso que os Estados Unidos detenham Ariel Sharon o quanto antes. Este homem deve ser isolado. Sua permanência no poder é um risco para a paz no Oriente Médio e para a estabilidade da própria economia mundial. Portanto, é de interesse dos Estados Unidos conter toda essa destruição promovida por Sharon. A posição oficial do governo iraniano, e que me parece correta, defende até a expulsão de Israel das Nações Unidas. Não vejo outro caminho.
DINHEIRO ? O sr. quer dizer que os países produtores de petróleo podem promover uma retaliação quando afirma que Sharon é um risco para a economia global?
HASHEMI ? O petróleo é a nossa
principal arma econômica. Se não a
única, é a mais eficiente e poderosa. Sempre foi assim e continuará sendo por muitos anos. O preço do barril é um importante fator de convencimento para os países desenvolvidos.
DINHEIRO ? O Irã defende
cortes drásticos na produção para elevar o preço?
HASHEMI ? Claro. Não podemos ser coniventes com as atitudes do governo de Israel. Já levamos a nossa posição à Opep e, por enquanto, temos a adesão apenas do Iraque. Mas penso que logo teremos outros aliados.
DINHEIRO ? A Arábia Saudita tem o costume de sempre apoiar os Estados Unidos, não?
HASHEMI ? Nem sempre é assim. Mas, depois da Arábia Saudita, que produz 7 milhões de barris por dia, nós somos os maiores produtores, com 3,4 milhões. Em seguida, vêm os iraquianos,
com 2,5 milhões de barris. É uma posição que não deve ser desprezada por ninguém.
DINHEIRO ? O mundo deveria temer um terceiro choque
do petróleo?
HASHEMI ? Não acho que as circunstâncias atuais possam ser comparadas com aquelas dos anos 70. Além disso, a política declarada da Opep é buscar um preço ao redor de US$ 25 e que permaneça estável. A volatilidade é ruim para os países produtores e também para os consumidores. Esse é o preço de referência, menos em situações excepcionais.
DINHEIRO ? O que seriam as situações excepcionais?
HASHEMI ? O pior cenário que eu consigo vislumbrar é o da escalada da violência no Oriente Médio. Se os Estados Unidos invadirem o Iraque, como aparentemente pretendem, o preço do barril pode facilmente chegar a US$ 40.
DINHEIRO ? Fala-se numa mobilização de até 240 mil soldados americanos para tentar depor o presidente Saddam Hussein…
HASHEMI ? Não acho que seja uma decisão inteligente do governo de George W. Bush. A reação a mais um ataque seria muito negativa no mundo árabe e em todo o Oriente Médio. Além disso, as sanções econômicas que os Estados Unidos e as Nações Unidas impuseram ao Iraque depois da Guerra do Golfo já equivalem a um massacre. Mais de 500 mil crianças morreram em decorrência do embargo. Uma nova guerra contra o Iraque poderia unir o sentimento dos povos islâmicos contra os Estados Unidos.
DINHEIRO ? Mas o próprio Irã já
viveu uma guerra sangrenta com o Iraque. Qual a sua visão sobre Saddam Hussein?
HASHEMI ? Enfrentamos uma guerra de quase dez anos com o Iraque porque fomos invadidos por ele. Esse conflito custou dezenas de bilhões de dólares para os dois lados, além de muitas vidas, é claro. Por isso, Saddam Hussein certamente não é um amigo do povo iraniano. Mas foram outros tempos. Hoje nossas relações são pacíficas. E temos uma postura independente em relação a seu governo. Não seria bom para a estabilidade da economia mundial um novo ataque a Bagdá.
DINHEIRO ? A Opep não começou a perder poder depois que a Rússia decidiu ampliar sua produção de forma independente?
HASHEMI ? A Rússia é, de fato, um dos maiores produtores de petróleo do mundo e, nos últimos dois anos, manteve sua produção elevada apesar das recomendações contrárias da Opep. Foi uma decisão do presidente Vladimir Putin, que nós respeitamos. Mas, há duas semanas, nós enviamos uma missão diplomática a Moscou e eu acredito que as posições da Rússia serão cada vez mais alinhadas com as nossas no futuro.
DINHEIRO ? Como o governo iraniano acompanhou os recentes acontecimentos políticos na Venezuela?
HASHEMI ? O governo da Venezuela, que tem a secretaria-geral da Opep, é um dos nossos grandes aliados na organização. Sob o comando de Hugo Chávez, eles vinham liderando de forma eficiente as políticas de preços dos países produtores de petróleo. De modo que nós ficamos muito surpresos com o golpe de Estado na Venezuela. E, também, ficamos satisfeitos com a sua volta ao poder. O Irã tem apreço pela democracia e respeita os governos que são eleitos pelo povo, como é o caso de Hugo Chávez.
DINHEIRO ? O sr. acha que os Estados Unidos tiveram participação no golpe?
HASHEMI ? Ficou claro, na própria imprensa americana, que eles ficaram contentes com o golpe. Depois, quando Chávez voltou, não vi mais nenhum comentário do governo dos Estados Unidos. Tentar depor Hugo Chávez foi um péssimo exemplo para o mundo.
DINHEIRO ? O sr. liderou uma missão de parlamentares iranianos ao Brasil. Qual o objetivo da viagem?
HASHEMI ? Estive no Brasil pela primeira vez em 1993. O presidente era o Itamar Franco. Naquela época, negociamos muitos acordos e o Irã chegou a exportar mais de US$ 1 bilhão por ano ao Brasil. O comércio entre os dois países superava a cifra de US$ 1,5 bilhão. Hoje, o Brasil não compra praticamente nenhuma gota de petróleo do Irã. Queremos reconstruir, a partir do zero, nossa relação comercial, que pode ser muito benéfica para os dois lados. Foi por isso que nos encontramos com líderes parlamentares e empresariais.
DINHEIRO ? Por que o comércio entre os dois países
diminuiu tanto?
HASHEMI ? O Brasil decidiu comprar boa parte do seu petróleo importado do Iraque. Na verdade, o governo iraquiano deve muito ao Brasil. A dívida é da ordem de US$ 8 bilhões. Acho que isso explica essa política de preferência.
DINHEIRO ? Na verdade, o Brasil já teve uma relação comercial muito próxima com o Iraque. No passado, como o Brasil não tinha divisas, as importações de petróleo eram pagas com exportações de serviços, produtos e até com as armas usadas na guerra contra o Irã…
HASHEMI ? E talvez isso explique boa parte da dívida do Iraque em relação ao Brasil. Mas nós também estamos deixando claro que estamos dispostos a abrir nosso mercado de consumo para os produtos brasileiros. Não queremos uma relação unilateral, que seja boa apenas para o Irã. Somos um país com 65 milhões de habitantes. Há muitas oportunidades comerciais que podem ser exploradas por empresas brasileiras.
DINHEIRO ? Em que setores?
HASHEMI ? Queremos atrair investimentos na área de engenharia e também na indústria. As construtoras brasileiras, por exemplo, podem disputar contratos para grandes obras de infra-estrutura no Irã. Estivemos também reunidos com executivos da Volkswagen. Queremos que a Volks exporte seus veículos para o Irã. Além disso, o Brasil é muito competitivo na área de alimentos e produtos minerais. Mas é importante afirmar que também estamos em busca de novos recursos e investimentos. O Irã já deixou claro que não pretende ser eternamente um país dependente do petróleo, que exporta o óleo e importa todo o resto. Estamos buscando a auto-suficiência em muitos setores.
DINHEIRO ? Como a religião influi nos negócios em um país como o Irã?
HASHEMI ? Essa influência praticamente não existe.
Fazer negócios no Irã é como fazer negócios em muitas outras partes do mundo. A diferença positiva é que o presidente
Mohammad Khatami está promovendo uma série de reformas para modernizar a nossa economia e o Irã está crescendo acima da média da economia mundial. Na área de petróleo, por exemplo, não queremos mais apenas exportar o óleo bruto. Nossa meta é
agregar valor para exportar combustíveis acabados e outros produtos como lubrificantes. Além disso, muitas outras reformas econômicas estão sendo conduzidas para facilitar a vida das empresas e a atração de investimentos.
DINHEIRO ? O Irã é um país de maioria xiita. O sr. sabia que essa expressão no Brasil é um adjetivo para qualificar pessoas de tendência radical?
HASHEMI ? Nós não somos de forma alguma radicais. Somos um país pacífico, amigo do Brasil e estamos dispostos a encontrar oportunidades comuns.