29/10/2008 - 8:00
DINHEIRO – O Brasil ainda não começou a explorar o pré-sal, mas já há muita disputa em torno da divisão das receitas. Qual é o melhor modelo? Os royalties devem ficar só com as regiões produtoras ou também com Estados distantes do pré-sal?
PAULO HARTUNG – O melhor modelo é aquele que impulsione o crescimento econômico de forma justa. Se os royalties do petróleo ficarem apenas com as regiões produtoras, haverá um aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais. Aqui no Espírito Santo desenvolvemos um modelo que beneficia os municípios que não teriam acesso ao dinheiro do petróleo. Trata-se do Fundo de Combate às Desigualdades Regionais, que retém 30% dos royalties arrecadados pela exploração do petróleo no Estado e reparte com cidades não produtoras.
DINHEIRO – Esse fundo criado pelo governo capixaba pode ser replicado em escala nacional?
HARTUNG – O governo federal já nos pediu para mostrar como funciona o nosso sistema. Não existem impedimentos técnicos para se criar um fundo semelhante em escala nacional. Basta vontade. A essência da proposta é simples: gerar um caixa para beneficiar regiões em que não há extração de petróleo, porque a riqueza pertence a todos os brasileiros. Acredito que em muitos lugares esse fundo ajudará a reduzir os contrastes.
DINHEIRO – O que o sr. acha da idéia de se criar uma estatal para gerir as reservas do pré-sal?
HARTUNG – É cedo para discutir a criação de uma nova estatal. Será necessário estudar um modelo que seja melhor que o da Noruega, estatal e enxuto, e melhor que o nosso atual, misto e que faz leilão das reservas. Ainda não conhecemos o modelo ideal. Então, ainda há muito a se discutir.
DINHEIRO – Já não é hora de começar a discutir esse tema?
HARTUNG – Seria, mas o cenário internacional esfriou o debate. Esse assunto perdeu um pouco de força nesse momento. Vinha na velocidade da luz. Mas, sinceramente, não sei se é necessário. O marco regulatório atual deu conta do pós-sal, já licitado, com muita eficiência. Temos tempo para pensar na evolução do marco regulatório e no aprofundamento das idéias. Do que não se pode abrir mão é de um modelo transparente, que seja claro para a sociedade brasileira e para as empresas interessadas em investir. Todo mundo defende a manutenção dos contratos assinados. O resto podemos conversar depois.
DINHEIRO – A criação de uma estatal afetaria os planos capixabas?
HARTUNG – Ainda não. O governo já garantiu que os contratos firmados serão cumpridos. Para nós, isso é que importa.
DINHEIRO – Propor mudanças na lei do petróleo aos municípios mais pobres não é mudar as regras do jogo com a bola rolando? Isso não ameaça espantar investimentos, inclusive da Petrobras?
HARTUNG – Na esfera federal, cabe ao governo avaliar os prós e os contras de um modelo que privilegia as concessões ou que busca uma estatização. Essas decisões vão ditar o ritmo de investimentos, espantar ou atrair recursos. As empresas avaliarão o comportamento do governo federal e, se tiverem confiança, apostarão na exploração do pré-sal. No caso do Espírito Santo, o que está em andamento é uma distribuição dos recursos do petróleo. A proposta não é populista nem interfere na lei do petróleo.
DINHEIRO – Mesmo com as recentes descobertas de petróleo no litoral capixaba, os royalties ainda representam uma pequena parcela na receita do Estado. Não é um exagero apostar tanto no petróleo, principalmente em meio à forte desvalorização das commodities no mercado internacional?
HARTUNG – Seria um exagero se não houvesse um imenso potencial de crescimento e de valorização. Hoje, o petróleo rende pouco mais de R$ 150 milhões aos municípios capixabas, o que representa 1,65% da receita total. É pouco, é verdade. Mas acreditamos que esse valor chegará a R$ 400 milhões em dois ou três anos, mesmo com uma desaceleração da economia mundial. Além disso, o inédito fundo de distribuição das receitas com a exploração comercial de nosso litoral transforma o petróleo numa alavanca social. Desta forma, faremos a riqueza do petróleo e do gás enriquecer o Estado de maneira mais justa e igualitária. Afinal, são recursos temporários. Um dia vão acabar.
DINHEIRO – Quando algumas empresas anunciaram investimentos no seu Estado, a cotação do petróleo estava acima de US$ 140. Hoje está abaixo de US$ 80. Os investimentos ainda estão de pé?
HARTUNG – Enquanto o preço do petróleo estiver acima de US$ 70, todo investimento em exploração é um excelente negócio, seja no pré-sal, seja em águas ultraprofundas ou em qualquer outro lugar. Mesmo que a crise derrube a cotação para menos do que isso, as empresas sabem que a situação é passageira e que esses investimentos devem ser encarados pelo retorno de longo prazo. Até agora não ouvi ninguém reclamar disso.
DINHEIRO – Mas o sucesso do fundo de combate às desigualdades não fica ameaçado com essa cotação?
HARTUNG – Quando o barril do petróleo se aproximou de US$ 150, era evidente que havia muita gordura de especulação sobre o valor. Essa queda não assusta porque está voltando ao normal. Começa a voltar para a realidade. É por essa razão que tem muitas empresas que estão chegando ao Estado para procurar petróleo. Recentemente, os americanos descobriram grandes reservas na costa capixaba e garantiram que o navio que eles trouxeram para perfurar o fundo do oceano vai ficar aqui por muito tempo. Seja com o petróleo a US$ 70 ou US$ 150, todos sabem que há um imenso potencial aqui.
DINHEIRO – A crise internacional chegou ao Espírito Santo?
HARTUNG – Sem dúvida. Embora as principais atividades do Estado não rendam impostos diretos porque são voltadas à exportação e estão isentas, como é o caso dos ramos de papel e celulose, extração e processamento de minérios, petróleo, entre outros, esses setores geram emprego e renda, movimentam o comércio e geram ICMS. O esfriamento da atividade vai prejudicar todos os segmentos e ocasionar uma desaceleração das receitas.
DINHEIRO – O temor de uma redução das receitas foi o que motivou a criação de um pacote anticrise?
HARTUNG – Não é apenas medo. É precaução. Além de criar um pacote anticrise, que inclui corte de R$ 650 milhões nos gastos de todas as esferas do Estado, e que reduz de 10% para 3,7% nosso plano de aumento dos investimentos em infra-estrutura, sem afetar saúde, segurança e educação, colocamos uma equipe de secretários e da coordenação de governo para acompanhar de perto cada movimentação dos mercados durante o período mais crítico da crise. Também tenho conversado pessoalmente com os prefeitos para pedir o comprometimento de todos.
DINHEIRO – Não é um pacote exagerado e, de certa forma, precipitado?
HARTUNG – Trata-se, definitivamente, de um significativo contingenciamento das despesas. Ainda não sabemos o tamanho do estrago que a turbulência internacional irá nos causar. Por isso não acho precipitado. Podemos fazer ajustes ao longo do tempo, de acordo com as necessidades. Temos que ter cautela e não tomar decisões influenciados pelo pânico. É o que sempre digo à nossa equipe. Se tivermos dinheiro a mais em caixa, não teremos dor de cabeça. O problema é quanto falta dinheiro. Assim, o que parece exagero é precaução.
DINHEIRO – O sr. está otimista quanto à crise ou acredita que ainda haverá um agravamento?
HARTUNG – Olha, eu nunca tinha visto uma crise com esse enorme poder de desorganização. Apesar da gravidade, tudo sinaliza para uma recuperação. Nunca na história do planeta os bancos centrais entraram tão forte no mercado. Em todas as crises, sempre sobrava para algum setor. Nessa crise sobrou para todo mundo. Nos Estados Unidos, os republicanos estão fazendo aquilo que eles condenaram, prova de que estão empenhados em solucionar o problema. A movimentação está muito sólida. Mas, com diz o nosso ex-ministro Delfim Netto, nesses momentos, o comentário de um cidadão comum e de um especialista tem o mesmo valor. Ninguém sabe o que vai acontecer. Eu acho que essas intervenções podem amortecer, mas haverá cicatrizes.
DINHEIRO – Alguma empresa decidiu rever os investimentos no Espírito Santo em razão da crise?
HARTUNG – Não vou dar nomes, mas algumas empresas já se mostraram preocupadas. Mas ainda não houve mudança de planos. Curiosamente, aconteceu o contrário. Na semana passada, a Petrobras nos procurou para pedir a ampliação da área de tratamento de gás no sul do Estado. A unidade local tem capacidade para processar 2,5 milhões de metros cúbicos por dia. Com a ampliação, saltará para 12 milhões diariamente. A construtora Rossi também anunciou que pretende investir pesado aqui, além do estaleiro que será construído para atender a exploração do petróleo. O mesmo acontece nos projetos da Vale e de outras mineradoras. Enfim, em vez de desencorajar investimentos, temos recebido boas notícias.
DINHEIRO – O PMDB demonstra interesse em ter candidato à Presidência em 2010 e seu nome é cotado. Procede?
HARTUNG – Ainda é muito cedo. Nós temos agora que nos preocupar com 2009, sem pensar em eleição. A tarefa de todo mundo é trabalhar muito. Precisamos sair da agenda eleitoral e nos concentrar na agenda administrativa. Muita água vai passar debaixo da ponte. Não seria correto partir para uma discussão que irá se definir no segundo semestre de 2010. DINHEIRO – Se o PMDB decidir pelo seu nome, a indicação será bem-vinda? HARTUNG – Na minha vida política aprendi uma importante lição: tratar das coisas precipitadamente só tem um destino, dar errado.