14/03/2013 - 22:23
DINHEIRO ? O potencial sucesso do Brasil começou a gerar dúvidas.Houve erros no meio do caminho ou há impaciência com o processo de mudança brasileiro?
PARAG KHANNA ? Os grandes países mudam bem devagar. A geografia, a diversidade e o nível de pobreza são fatores que precisam ser levados em conta. A América Latina, de modo geral, demorou a se integrar na economia mundial. Mas o boom de commodities, de 2001 a 2011, trouxe oportunidades gigantescas. Fica difícil criar reservas fiscais e políticas anticíclicas quando as cotações internacionais caem. O crescimento das commodities e o ciclo de investimento precisam coincidir. Não é uma falha do Brasil, mas certamente é um erro não fazer mais esforços para criar reservas.
DINHEIRO ? O País poderia ter sido mais ousado em sua política anticíclica?
KHANNA ? Creio que sim. Há muito desperdício em investimentos no Brasil. Naquela época, houve oportunidade para investir, para manter a diversificação econômica. Muito dinheiro poderia ter sido direcionado à tecnologia, agricultura, educação, serviços, manufatura. Vocês têm superávit em diversas áreas. Para onde foi esse dinheiro? No entanto, não creio que seja tarde para reagir.
DINHEIRO ? Há, ainda, a preocupação de recebermos menos investimento estrangeiro, do qual somos dependentes. O sr. acredita nesse risco?
KHANNA ? Na Índia está havendo queda de investimentos diretos. É o único país emergente no qual o IDE está caindo. Ineficiência, corrupção e burocracia explicam esse quadro. Estou certo de que o Brasil não deseja isso. E há capital no mundo rodando, buscando lugares para lucrar. Não me preocuparia com isso agora.
DINHEIRO ? O setor privado e o governo brasileiro concordam que é preciso investir mais em infraestrutura. Mas tudo é feito lentamente, e parece que está mais lento ainda com a antecipação do processo eleitoral…
KHANNA ? Esses investimentos finalmente estão acontecendo. A privatização de portos, ferrovias, rodovias. Há mais bancos querendo emprestar para infraestrutura. Ao menos no papel, tudo está acontecendo. Na prática, porém, leva um tempo longo. Não é uma questão de política, de eleições ou reeleições, até porque a oposição aqui não é muito forte. É uma questão de estratégia de longo prazo. Vejo que há um consenso entre o poder público e o setor privado sobre o papel da infraestrutura para o País. É um consenso intelectual, e até um consenso sobre política de trabalho. Só não há consenso sobre o modo de executá-lo. E há muita corrupção. Isso é problemático. Na Índia, por exemplo, há esse consenso sobre a necessidade de uma política de investimento há 22 anos, desde a liberalização da economia. Mas está uma bagunça até hoje!
Bandeira do Mercosul ao lado da bandeira brasileira
DINHEIRO ? A velocidade de ações na economia brasileira depende, muitas vezes, do Congresso, que não está tão preocupado com o desenvolvimento do País. É o preço da democracia?
KHANNA ? Veja, sou muito tecnocrático. Vivo em Cingapura, uma democracia tecnocrata. Portanto, sou impaciente. Tenho pouca paciência para mudanças de humor de grupos a cada seis meses, ou a cada dois anos. Infraestrutura demanda um comprometimento de mais de dez anos. Regras regulatórias têm de ser mantidas para garantir a credibilidade de um país. Tudo precisa ser pensado para agir num prazo de 15 ou 20 anos. Se o Brasil quer melhorar a qualidade de vida do seu povo, é preciso investir, é um compromisso estratégico. Independentemente de quem esteja no poder. Um ponto fundamental no Exterior, quando se fala de América Latina, é o novo consenso de esquerdas do continente. Que começa no Chile.
DINHEIRO ? O que seria esse consenso?
KHANNA ? O modelo chileno representa o novo consenso de esquerda. Redução de pobreza, social-democracia, investimento em infraestrutura. Os bons países do continente migraram para esse modelo: Brasil, Peru, Colômbia. Não é o caso da Venezuela e da Argentina. Esse consenso é o tema mais importante da América Latina neste século. Independentemente de quem está no poder, seja de esquerda, seja de direita, estão fazendo as coisas certas. Há um consenso pró-investimento, pró-empresários, pró-empreendedorismo. Não se pode debater um modelo econômico o tempo todo. A democracia não pode ser culpada. Culpem os políticos. Eles são o problema, não a democracia.
DINHEIRO ? Qual é o papel da China neste momento em que o país está saindo do foco no investimento para o consumo?
KHANNA ? Não se pode colocar o crescimento chinês em dúvida. A questão não será pouso suave ou pouso pesado da economia. E se não houver um pouso? Esse é meu ponto. Não há como colocar em dúvida o papel da China. Nós lemos nos jornais, e ouvimos na tevê os economistas dizendo que pode acontecer algum problema com a China, mas eles estão errados. Não sabem do que estão falando. É uma estupidez. É uma questão demográfica. Não é algo a se preocupar.
Reunião da presidenta Dilma com empresários
DINHEIRO ? Qual é sua opinião sobre o acordo de livre comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia? Não seria ruim para o Brasil, que só priorizou o Mercosul em sua política externa?
KHANNA ? Não é verdade que vocês só olham para o Mercosul. O Brasil investiu muito em outros países vizinhos, na América Central e ao longo do continente. Talvez na mente de vocês, o País esteja muito atrelado ao Mercosul. Mas o Brasil está em todos os lugares. Em projetos de infraestrutura, mediando empréstimos (com a participação do BNDES), como investidores diretos…
DINHEIRO ? Mas hoje o Brasil não pode negociar com a Europa, por exemplo, se não for em bloco, junto com o Mercosul…
KHANNA ? Sim, isso precisa mudar, é preciso negociar com a Argentina, embora não saiba se eles vão ouvir (risos). Mas, se EUA e Europa tiverem uma área de livre comércio, isso quer dizer que os americanos estarão abertos ao comércio internacional, o que é favorável ao Brasil.
DINHEIRO ? A Europa pode vir a dar mais preferência aos agricultores americanos, em detrimento dos brasileiros, não?
KHANNA ? Sim, isso precisa ser negociado com os europeus, em paralelo. Mas o Brasil está fazendo um bom trabalho, priorizando as exportações. A Argentina também tem se beneficiado dos mesmos fatores que o Brasil, como a demanda por commodities, então…
DINHEIRO ? Como o sr. avalia os críticos dos países emergentes, em especial dos Brics, que já teriam saído de moda?
KHANNA ? Nunca achei esse conceito dos Brics coerente, sempre fui crítico. Três dos quatro Brics ? Rússia, China e Índia ? são questionáveis. Não vejo a África do Sul nesse grupo. Rússia e China têm muitos antagonismos e hostilidade existencial, estão longe de ter uma relação amistosa. Poderiam começar a Terceira Guerra Mundial, inclusive. A Índia e a China também, têm 50 anos de hostilidades, que se iniciaram com a guerra de 1962, por disputa de terras. Um tem medo do outro. Então, obviamente o conceito Bric é uma bobagem. E nem do ponto de vista econômico há complementaridade entre seus membros.
DINHEIRO ? Não se pode pensar num bloco diplomático?
KHANNA ? Não. É preciso olhar mais do que a troca comercial ou o tamanho da população. É preciso olhar para a política, para a corrupção, para dezenas de fatores… Acredito no regionalismo. O Brasil não pode perder tempo e energia com os Brics, mas deve focar na união das nações da América do Sul. Geografia é destino.
DINHEIRO ? Apesar do PIB de 0,9%, o Brasil pode quebrar o ciclo do que aqui chamamos de crescimento de voo de galinha?
KHANNA ? Sim. Mas medir um país pelo PIB é pífio. Veja, outros emergentes crescem até 10% ao ano, como é o caso da Rússia. Mas quem deseja ser igual à Rússia? Ninguém quer.
DINHEIRO ? Comparar PIBs não faz sentido?
KHANNA ? É uma medida, não é a única. Deveriam olhar outras coisas. O que está sendo feito pela pobreza, por exemplo. É preciso pensar por que o ex-presidente Lula é tão popular. Mas há esforços para aumentar investimentos e isso é bom, lembrando que vocês são um país imenso, e que tudo leva décadas para ser concluído.
DINHEIRO ? Investir em infraestrutura pode deixar o voo de galinha no passado?
KHANNA ? Há uma correlação entre infraestrutura e crescimento. E o Brasil não pode falhar. Por isso vocês usam a palavra ?infraestrutura? 150 vezes por dia. Mas, de novo, esse é um compromisso de longo prazo. It?s policy, not politic… (É uma diretriz, não é um tema de política.)