15/08/2012 - 21:00
Eram 12 horas da quinta-feira 9, quando o presidente mundial da Toyota, Akio Toyoda, 54 anos, surgiu no palco erguido pela montadora japonesa em sua fábrica de Sorocaba, a 92 quilômetros de São Paulo. O executivo dirigia o modelo Etios hatch vermelho, o primeiro carro popular a ser vendido no mercado brasileiro, cuja produção se iniciaria naquela tarde na unidade que estava sendo inaugurada e é a terceira da companhia no Brasil. Para Toyoda, neto de Kiishiro Toyoda, fundador da montadora, nada mais natural do que pilotar os carros produzidos pela empresa. Afinal, ele é um talentoso piloto e já disputou a tradicional “24 horas de Nurburgring”, na Alemanha – dizem que ele prefere um macacão e um capacete aos ternos executivos.
Alta velocidade: Akio Toyoda, presidente da Toyota e piloto nas horas vagas,
vai investir R$ 1 bilhão em uma fábrica de motores
para acelerar as vendas no Brasil.
Mas não exagera. Dessa vez, o homem que foi escalado para comandar a maior fabricante de automóveis do planeta em plena crise financeira, em 2009, usava um bem cortado terno azul-escuro com gravata listrada. “Estou muito feliz de lançar o Etios, que é o primeiro carro brasileiro feito para brasileiros”, disse o executivo, em japonês, assim que desceu do veículo, enquanto um locutor fazia a tradução simultânea para o português para uma plateia de convidados, que incluía o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e o craque de futebol Zico.
A inauguração da unidade de Sorocaba, um investimento de US$ 600 milhões, marca uma nova fase da montadora japonesa, uma potência que teve receita líquida de US$ 228,2 bilhões em 2011. Agora, seu foco é crescer baseada nos mercados emergentes, como o Brasil, onde detém uma fatia de 2,8% e é a oitava marca mais vendida, atrás de suas compatriotas Honda e Nissan. “Queremos crescer junto com a economia brasileira”, afirmou Toyoda. A nova fábrica irá produzir 70 mil veículos em seu primeiro ano de atividade, mas tem capacidade para chegar a 400 mil unidades. O complexo industrial, no qual estão instalados 12 fornecedores, gerará 3,2 mil empregos diretos e indiretos.
Motor: Toyoda e o ministro Fernando Pimentel anunciam a construção da fábrica em Porto Feliz.
Em sua estada, além da fábrica de carros populares, Toyoda anunciou, em encontro no dia anterior com a presidenta Dilma Rousseff e com Pimentel, em Brasília, os planos de desembolsar mais R$ 1 bilhão para a produção de motores, em Porto Feliz, cidade vizinha a Sorocaba, a partir do segundo semestre de 2015. Essa dinheirama a ser aplicada aqui é uma prova do papel fundamental do mercado brasileiro para o sucesso dessa estratégia que privilegia os países dos Brics. “Apostamos que o País será o terceiro maior mercado do mundo, na frente do Japão”, afirmou Hisayuki Inoue, diretor da Toyota Corporation, durante o evento em Sorocaba. De acordo com o executivo, em 2008, as vendas nos Brics representavam 36% do total de veículos comercializado pela Toyota. Hoje, a participação aumentou para 45%. A meta é que a fatia chegue a 50% até 2015.
PRÍNCIPE O responsável por essa mudança de estratégia é Toyoda. De gestos amplos e enérgicos, que não lembram a maioria dos japoneses, o CEO, que é conhecido no Japão como príncipe, por ser o herdeiro da companhia, foi responsável por reconduzi-la ao lucro e à liderança do mercado de veículos, posto reconquistado neste ano. Para chegar a esse ponto, o executivo enfrentou todas as fases da derrocada temporária da montadora japonesa. Para começar, quando Toyoda, que estima-se detenha uma fatia de 1% da Toyota, assumiu o comando em junho de 2009, a companhia contabilizava um prejuízo de US$ 1,7 bilhão no ano anterior, o primeiro de sua história. “Estamos em meio a uma grande tempestade”, afirmou Toyoda, na época.
Made in Brazil: ídolo no Brasil e no Japão, o ex-jogador Zico participa de evento
em que foi apresentado o Etios, que terá 85% das peças feitas no País.
Nem em seus piores pesadelos, no entanto, ele poderia imaginar que seria obrigado a enfrentar grandes calamidades, algumas criadas pelo homem, outras pela natureza. Primeiro, a empresa foi afetada naquilo que lhe era mais caro: a qualidade, reputação construída com o sistema Toyota de produção, que é baseado na fabricação enxuta, com estoques reduzidos, just in time e automação. Entre o final de 2009 e o primeiro semestre de 2010, a Toyota teve de enfrentar um recall de proporções inéditas para a indústria automobilística. Estima-se que mais de nove milhões de veículos (o equivalente a cerca de um ano de produção da empresa à época) tiveram de voltar para as oficinas para verificar se ocorria o travamento do acelerador do Prius, do Corolla e de diversos outros modelos, inclusive em alguns de sua marca de luxo, a Lexus.
Só nos Estados Unidos, um de seus mercados mais importantes, foram 3,8 milhões de carros. A empresa foi investigada pelo Congresso Americano e Toyoda teve de pedir desculpas públicas pelos erros. Ele chegou, inclusive, a chorar, em discurso aos funcionários da companhia nos Estados Unidos – para expiar as responsabilidades perante os consumidores, só faltou mesmo praticar o haraquiri. Obcecado pelos danos à imagem da Toyota, em 2010, desculpou-se novamente, desta vez com os acionistas. “Nossa mais importante tarefa é reconquistar a confiança dos consumidores”, disse Toyoda. Nos EUA, sua participação de mercado, que chegou a 18,3%, em 2009, caiu para 12,9% em 2011.
Não bastassem os pesados prejuízos financeiros e os recalls, a companhia sofreu outro forte baque em março de 2011: o terremoto seguido de tsunami que devastou parte do Japão e atingiu diversas fábricas de fornecedores da Toyota. O desastre fez com que a montadora tivesse de frear a produção em diversas fábricas pelo mundo. A consequência foi deixar de produzir cerca de 800 mil veículos naquele ano. É difícil apontar o lado positivo dessas situações, mas os persistentes japoneses souberam olhar para essas tragédias e repensar sua estratégia. A Toyota percebeu que seu modelo de gestão, que até então a levara ao topo e era copiado mundo afora, precisava ser mais ágil – literalmente.
A empresa havia se acomodado, tornando-se complacente e engessada. E, principalmente, descobriu que não era possível ser uma marca global e concentrar o poder no Japão. “Todas as decisões eram tomadas pela matriz”, afirma Wim Van Acker, sócio da consultoria americana The Hunter Group. Para dar mais velocidade à montadora, Toyoda teve de mudar sua própria cultura e passou a dar maior autonomia às subsidiárias. E, mesmo com o recrudescimento da crise financeira, a Toyota, em vez de desacelerar, aumentou os investimentos nos países emergentes. “Eles viram que produzir onde se vende é a melhor forma de reduzir os riscos de perdas por causa da variação do câmbio”, diz Van Acker.
Segundo ele, contribuiu para esse redirecionamento da produção a valorização do iene, que aumentou o custo de produção dos carros no Japão. Os resultados já começaram a aparecer. Além de recuperar a liderança mundial, a Toyota divulgou, em agosto, o seu melhor trimestre nos últimos quatro anos. O lucro, no período, atingiu US$ 3,7 bilhões. Neste ano, ela também estima que produzirá dez milhões de carros, um recorde para a indústria automobilística. Responsável pela virada, Toyoda tem consciência do papel do comandante numa empresa em dificuldades. “É necessário ter uma liderança capaz de estimular as pessoas a tomar as atitudes certas para enfrentar qualquer problema após os desafios”, afirmou recentemente a revista Fortune.
Colaborou: Cristiano Zaia