O executivo projeta que 2023 será um período de continuidade dos fenômenos econômicos deste ano, com tendência de recuperação das vendas no varejo físico e expansão do e-commerce.

Boleto, QR Code, Pix, crédito ou débito… O mercado brasileiro de meios de pagamento ampliou nos últimos anos as opções para todos os bolsos e gostos. Nesse ambiente, as empresas do setor de cartões suaram frio. Mas, a julgar pelo aparente otimismo do presidente da Mastercard no Brasil, Marcelo Tangioni, o susto já passou. Para ele, há espaço para todos, uma vez que a digitalização do varejo e o avanço das tecnologias de telecomunicações darão mais segurança e alternativas para os consumidores. “Muita gente, assim como a minha mãe, quebrou essa barreira do uso da internet para comprar. Isso trouxe uma mudança importante no comportamento de consumo”, disse Tangioni, que já comandou a Mastercard nas 27 ilhas do Caribe antes de assumir a operação brasileira.

DINHEIRO — Como o ano de 2022 pode ser resumido sob os pontos de vista da economia e do consumo?
MARCELO TANGIONI — A economia brasileira se comportou muito bem se compararmos com a de outros países. Diante das circunstâncias e, obviamente, com muitos desafios, foi um ano positivo. Vejo a desaceleração no segundo semestre como algo normal. Estamos vivendo uma fase natural de ajustes, depois de tudo o que foi causado por conta da pandemia. Então, do ponto de vista econômico, posso resumir 2022 com um primeiro semestre de atividade econômica muito forte, seguido por movimento de correção.

Essa correção tende a se estender pelo próximo ano ou já passou?
Olhando para frente, não vejo que o cenário será muito diferente. A trajetória de controle da inflação, de taxa de juros elevada e política monetária que controle a inflação e, ao mesmo tempo, garanta um certo crescimento econômico vai continuar. Acredito que 2023 será um processo de continuidade. O importante para a nossa indústria é o que a gente chama, traduzindo do inglês, de vento de popa e de vento de cauda. Ou seja, algumas turbulências também geram oportunidades para o setor de pagamento eletrônico. A pandemia levou muita gente a comprar on-line. Isso traz oportunidade de utilizar mais meios de pagamento no lugar tradicional do papel.

O e-commerce e os meios eletrônicos de pagamento já não atingiram a maturidade?
Dependendo da atividade econômica, pode acelerar um pouco ou desacelerar, mas o potencial de crescimento continua muito forte. Costumo muito usar o exemplo da minha mãe. Ela sempre gostou de ir ao supermercado. De repente, com a pandemia, ela teve de aprender a fazer compras on-line. Antes, comprar pela internet era algo inconcebível para ela. Atualmente, ela continua gostando de ir ao supermercado, mas também compra no varejo digital. Muita gente, assim como a minha mãe, quebrou essa barreira do uso da internet para comprar. Isso trouxe uma mudança importante no comportamento de consumo.

Uma das grandes apostas do varejo, a Black Friday decepcionou. O que aconteceu?
É difícil cravar um único diagnóstico. Acredito que foi decepcionante porque o varejo já vinha com um crescimento muito forte. O consumo vem crescendo muito acima do PIB. Neste ano, a expansão deve chegar a 9%. Além desse ritmo acelerado, a Copa do Mundo, de certo modo, prejudicou a Black Friday. Na comparação com o ano passado, houve também uma alta exacerbada da taxa de juros. A alta da Selic foi necessária para conter a inflação, mas acabou encarecendo o crédito e gerando inadimplência. Ou seja, talvez a resposta seja um pouco disso tudo.

“Somos patrocinadores da Seleção Brasileira, o que nos dá bastante orgulho. A Copa do Mundo é um ativo interessante, mas decidimos seguir por outra linha” (Crédito:MANAN VATSYAYANA / AFP)

A aposta do governo Lula para aquecer a economia é turbinar o consumo. Isso vai alimentar ainda mais a inadimplência ou vai contribuir para a alta do varejo?
A expectativa é que o crescimento do consumo seja ainda mais acelerado, assim como o primeiro semestre deste ano. E o uso de meios eletrônicos vai seguir crescendo. O setor de cartões, no terceiro trimestre deste ano, registrou crescimento de 20% na comparação com 2021.

A Copa do Mundo do Catar é patrocinada pela maior concorrente da Mastercard, a Visa. Isso, de alguma forma, prejudica a percepção de marca e a preferência do cliente de qual cartão usar na hora de pagar?
Até 2006, era a Mastercard a patrocinadora da Copa do Mundo. Mas decidimos por um caminho diferente. Hoje nossos patrocínios de futebol vão principalmente para a Champions League e para a Libertadores da América. Os dois principais campeonatos de clubes do mundo. São ativos muito fortes, com exposição de marca todos os anos, o ano inteiro. Como tem muito mais frequência, possui muito impacto. E somos patrocinadores da Seleção Brasileira também, o que nos dá bastante orgulho. Obviamente que a Copa do Mundo também é um ativo muito interessante, mas por uma decisão estratégica decidimos seguir por uma linha um pouco diferente.

A popularização do Pix é uma ameaça às empresas de cartões de débito e crédito?
O Pix concorre, mas é também um aliado dos cartões de crédito. Explico. Com a pandemia e com o Pix, a utilização de canais eletrônicos de pagamento que levariam três anos acabou acontecendo em seis meses. Então, do ponto de vista de adoção de meios digitais, quando mais opções, melhor. Na visão da Mastercard, toda concorrência é sempre positiva. Uma das coisas que a Mastercard mais promove no mundo inteiro é a concorrência. No caso do Pix, trata-se de uma importante evolução do mercado brasileiro. Nos últimos anos, o Brasil foi um dos países que mais evoluíram em serviços financeiros. De forma muito agressiva. E o que motivou isso foi justamente o aumento da concorrência.

Mas, no longo prazo, o Pix tende a acabar com o cartão físico, não?
Não acredito nisso. A entrada do Pix mais promove e acelera o mercado, do que prejudica. A adoção de meios de pagamentos instantâneos é algo que já fazemos em várias partes do mundo. Temos um sistema assim no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Ásia e nos países nórdicos. Toda a tecnologia é orquestrada pela Mastercard.

É um Pix da Mastercard?
Pix é uma marca registrada do Banco Central brasileiro. Mas nosso sistema é igual. É uma excelente tecnologia. Apesar de ser um concorrente de cartões de crédito e de débito, é muito bom. No final, o Pix é bom para o País porque acelera a adoção de meios de pagamento eletrônicos. Existe uma espécie de retroalimentação entre as diferentes tecnologias de pagamento. Há espaço para todo mundo. Percebemos uma perspectiva muito positiva para cartões de débito, crédito, pré-pago e Pix continuarem crescendo juntos.

Com ou sem o Pix, os cartões físicos devem desaparecer…
Também não acredito nisso. Evidentemente, os pagamentos por aproximação, que hoje já representam 40% das nossas transações, vai continuar crescendo, enquanto os pagamentos por cartão físico estão diminuindo. Mas o cartão plástico vai continuar existindo, como um plano B. Os smartphones acabam a bateria. Às vezes, não há sinal de celular. Então, ter um cartão físico no bolso é e continuará sendo uma garantia para situações como essas. O mais importante é que os clientes tenham acesso a todas as opções.

“Existe uma espécie de retroalimentação entre as diferentes tecnologias de pagamento. Cartões de débito, crédito e Pix continuarão crescendo juntos” (Crédito:Istock)

Por que o Pix da Mastercard não está disponível no Brasil?
Nós chegamos a oferecer nossa tecnologia para o Banco Central, mas eles optaram por desenvolver a própria tecnologia de pagamentos e transferências instantâneas. Eles até foram ao Reino Unido conhecer nossa tecnologia. A negociação não avançou. Mas toda nossa infraestrutura está pronta e à disposição.

A decisão teve algo relacionado à segurança das transações?
A Mastercard investiu, nos últimos anos, mais de US$ 5 bilhões em aquisições e tecnologias de combate a fraudes. Esse é um tema realmente muito importante para nossa indústria e, da nossa parte, existe um comprometimento muito forte. Temos tecnologias que ajudam os nossos clientes a partir do momento da abertura de uma conta de um relacionamento até uma transação de pagamento com cartão.

Se existe tanta tecnologia, porque é tão recorrente o constrangimento de compras recusadas, sem explicação, pelos próprios donos dos cartões?
Existe muita tecnologia para entender se a transação é realmente do comprador real, com um alto nível de complexidade. Se você costuma digitar com os dois dedos e, em uma operação de compra, passa a utilizar um só dedo, a tecnologia acusa. Se a inclinação do celular é diferente daquela que usualmente se utiliza, também ajuda na tomada de decisão. São apenas exemplos daquilo que já existe para evitar fraudes.

Ou seja, qualquer razão é motivo para recusar compras…
A assertividade está melhorando. Para nós, é importante melhorar cada vez mais a experiência de compra e buscar o encantamento do cliente.

Encantamento passa por oferecer sala VIP em aeroporto e distribuir prêmios?
Tudo isso são ferramentas importantes, mas buscar o encantamento do cliente e garantir a fidelização vai muito além desses mimos. Os clientes precisam ter identificação com a marca. Isso é uma coisa em que a gente investe bastante. Estamos investindo muito em ESG. É um tema em que a gente acredita.