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“Não sei se eles têm receita própria. O que está sendo feito é muito pouco”

 

 

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“Até os anos 90 as empresas não precisavam da Bolsa. Agora, elas querem capital”

 

 

DINHEIRO ? A sra. está desapontada com a postura econômica
do novo governo?
LÍDIA Goldenstein ? Acho que ainda não dá para sair julgando. O governo está começando, mas me assusta que tenhamos caído na vala comum da discussão econômica, a mesma do final do governo passado: desenvolvimentismo versus monetarismo. É uma falsa discussão. Nós que pregávamos a necessidade de ter política industrial e de desenvolvimento jamais fomos contra o controle da inflação e das contas públicas. Muito pelo contrário. Estamos voltando atrás na discussão e o País precisa ir para frente.

DINHEIRO ? O ministro da Fazenda tem dito que está fazendo uma transição para levar a uma situação de crescimento…
LÍDIA ? Eu não vejo isso, até porque não acho que existam dois momentos separados no tempo. Está-se caindo no mesmo erro que se caiu no governo anterior. Não existe essa dicotomia. Não existe o momento em que você faz o Plano A e depois o Plano B. Não existe o período no qual você ajusta e depois o outro em que começa a crescer. E eu temo que agora, de novo, está-se fazendo uma troca entre o ajuste e o crescimento, ignorando que as duas coisas têm de ser feitas e que não existe essa troca. O País tem de fazer o ajuste, controlar a inflação e, ao mesmo tempo, criar as condições para o crescimento. O tal do Plano B tem de começar já. E ele não pode prescindir do ajuste que está sendo feito nas contas públicas e no controle da inflação, pois esse é o erro que derrotou a equipe econômica do governo passado. E estamos fazendo o mesmo equívoco, achando que primeiro ajusta e depois cresce.

DINHEIRO ? Dizem que sob o acordo com o FMI não se pode fazer isso, porque o Fundo é contra políticas expansionistas.
LÍDIA ? Não é verdade. É possível negociar com o FMI. Você não precisava dar de bandeja o superávit de 4,5% do PIB sem ter feito nenhuma negociação. O FMI não
tem nenhum interesse em romper com o Brasil e impedir que ele cresça. Há outros países que negociaram diferente. A própria Argentina teve um critério de déficit público diferente do nosso.

DINHEIRO ? Mas desde o governo passado se tenta modificar sem sucesso os critérios contábeis do FMI para o Brasil…
LÍDIA ? Não é verdade. Nunca se tentou. Foi o contrário. A equipe econômica acreditava nos critérios do Fundo. É uma questão de negociação, de se ter um programa econômico consistente, que não estoure as contas públicas, que não sancione o retorno da inflação. A partir daí existe uma margem de negociação que precisa ser usada. Não há uma receita de bolo.

DINHEIRO ? Por falar em receita, a sra. acha que a equipe do ministro Antônio Palocci tem uma receita própria para a economia?
LÍDIA ? Não sei se eles têm receita própria. Ainda não mostraram nada diferente. Até agora o que está sendo feito é a continuação da política anterior. A impressão que dá é que eles acreditam que fazendo as reformas tributária e da Previdência, e algumas coisas micro, você destravará a economia. Acho ilusão. Nossa economia tem um problema de vulnerabilidade externa estrutural, antigo. É uma economia dependente. A velha dependência nunca deixou de estar aí. O Brasil continua dependente de recursos externos para crescer. E depois de usá-los tem de fazer o ajuste. Já vivemos essa situação nos anos 80.

DINHEIRO ? Mas por que o Brasil conseguiu crescer 10% ao ano no período da ditadura e agora não consegue mais?
LÍDIA ? Porque o mundo era outro, porque era um momento de liquidez internacional, porque se vinha de um ciclo de ajustes importantes que foram feitos entre 1964 e 1967. Houve políticas que permitiram crescer no milagre. E claramente nós não conseguimos superar o problema de financiamento da economia. O milagre acabou quando acabou a liquidez internacional e o Brasil ficou estrangulado. Ele foi feito com recursos públicos, financiado por um enorme déficit público que acabou na inflação. Isso a gente já viu que não dá.

DINHEIRO ? E a bolha do Fernando Henrique?
LÍDIA ? Foi um ciclo muito curto. Era um novo momento de liquidez internacional. Tomamos emprestado. Não resolve. Temos de criar uma estrutura de financiamento da nossa economia, um mercado de capitais que permita que as empresas façam investimentos de alto volume de recursos. Ou isso ou estaremos fadados a viver no stop and go ? cresce um pouco e pára ? ou na inflação. Isso só vai acabar quando o País criar um padrão de financiamento que reduza a necessidade de recurso externo e que, de alguma forma, nos dê o mínimo de proteção contra as vicissitudes dos movimentos de capital internacionais. A questão básica é como financiar o crescimento da economia brasileira.

DINHEIRO ? Por que países com economias menores do que a brasileira conseguem esses recursos? Por que a riqueza dos empresários brasileiros não se transforma em investimento?
LÍDIA ? Quando o governo tem uma necessidade de financiamento tão elevada, quando o governo paga taxas de juros tão elevadas, você não vai pôr seu dinheiro na produção, não vai criar canais de financiamento da produção porque ninguém veio ao mundo para fazer caridade. Você vai ganhar comprando títulos públicos que pagam com risco muito menor.

DINHEIRO ? Então falta capital para investir ou falta estímulo para investir?
LÍDIA ? Faltam os dois. Essa economia mudou de patamar. Quando se abre a economia, como se fez no Brasil, a necessidade de investimento é muito maior. As nossas empresas podiam investir pouco no passado porque não tinham competição e não precisavam se modernizar.
No mundo atual é preciso investir permanentemente e em volumes muito elevados, e a margem de lucro na economia aberta é
menor. Portanto, a capacidade de capitalização das empresas é menor. Mesmo se você pensar nos recursos de investimento do BNDES, que são enormes, eles são insuficientes para o que o Brasil precisa, para crescer para valer. Só tem uma saída, fomentar o mercado de capitais.

DINHEIRO ? As empresas e as pessoas não têm dinheiro
embaixo do colchão?
LÍDIA ? Talvez as pessoas físicas tenham, mas as empresas não. O que você precisa ter na economia é mecanismos que transfiram o dinheiro que está sobrando em alguns segmentos para outros, onde há necessidade de capital. O meio mais eficiente de se fazer isso é através dos mercados de capitais. Se você, pessoa física, tem recursos, você tem acesso ao mercado como uma maneira de maximizar os ganhos.

DINHEIRO ? Anos atrás parecia que esse mercado de capitais estava se montando, com os fundos de investimento em tecnologia e o aparecimento do Novo Mercado na Bovespa…
LÍDIA ? Mas com a crise da Nasdaq e a falta de liquidez tudo isso acabou. No momento de abundância eu participei de um estudo da MB Associados propondo à Bovespa o Novo Mercado, porque estava convencida de que havia pela primeira vez condições de se desenvolver um mercado de capitais. Que era necessário ter uma seção do mercado da Bolsa para empresas que tivessem transparência, que respeitassem os minoritários, de forma que os investidores acreditassem no mercado de capitais e colocassem seu dinheiro. Hoje em dia o mercado de capitais ainda é associado a escândalo, a roubo, a manipulação. As pessoas não têm confiança.

DINHEIRO ? Então nada mudou…
LÍDIA ? Mas há uma grande diferença em relação ao passado: as empresas precisam investir, em volumes muito maiores do que antes. Elas não têm esses recursos, o BNDES não é suficiente para prover esses recursos, e as empresas pela primeira vez precisam do mercado de capitais.

DINHEIRO ? Mas como se faz isso? Mesmo em países como a Alemanha, o Novo Mercado fracassou.
LÍDIA ? Não estou dizendo que há fórmulas fáceis ou que se faz isso da noite para o dia, é o contrário. É preciso um enorme trabalho entre os setores privado e público, soluções construídas que vão aos poucos montando condições. O BNDES tem um papel importantíssimo. Ele pode exigir das empresas determinados comportamentos ou fazer com que elas abram o seu capital e tenham transparência na sua gestão, de forma a dar credibilidade. Eu participei de um trabalho no qual se propôs uma série de medidas ao BNDES para participar do mercado de capitais. Ele poderia ter um papel extremamente importante nesse processo.

DINHEIRO ? Por que isso nunca foi feito no Brasil, já que se sabe que a Bolsa pode ser muito importante para a economia?
LÍDIA ? Nos anos 70, até meados dos anos 90, as empresas não precisavam do mercado de capitais. Elas investiam pouco, o Brasil era uma economia fechada, havia pouca concorrência. As margens de lucro eram elevadíssimas e havia abundância de recursos do BNDES. Por que as empresas iriam ao mercado de capitais e ter de prestar contas dos seus procedimentos? Agora precisam, mas isso não vai acontecer com essas taxas de juros e com a economia desacelerando. Mas o BNDES já pode ir estruturando as empresas para que elas possam recorrer ao mercado de capitais quando a situação melhorar. Isso tudo leva tempo. Há uma prática e uma cultura que precisam ser introduzidas nas empresas.

DINHEIRO ? Como se faz para tirar as empresas brasileiras que estão na Bolsa de Nova York e trazê-las de volta?
LÍDIA ? Algumas empresas você não tira. Elas continuarão indo para Nova York, não tem jeito. Fizemos uma tipologia mostrando que algumas empresas vão abrir lá fora e que isso é ótimo, porque introduz nas nossas empresas uma cultura de transparência, de governança corporativa. Isso traz dinheiro. É bom, não é ruim. E existe uma outra gama enorme de empresas que não tem acesso
lá fora. Ou porque não têm tamanho, ou porque são específicas
do mercado brasileiro e não têm apelo no exterior. Mas o BNDES
tem de ir preparando essa cultura. E isso já podia estar sendo feito há muito tempo.