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Gabriel Jaramillo, presidente: “Está sendo divertido. Se é fácil quando os concorrentes atacam, imagine em tempos de paz”

Com seu bigode bem cuidado, ternos de corte impecável, uma arrogância sutil no trato e uma ironia afiada no discurso, o colombiano Gabriel Jaramillo parece um hierarca saído dos romances de seu compatriota, Gabriel Garcia Márquez. Presidente do Santander no Brasil, ele comandou a compra do Banespa no ano passado, por R$ 7,05 bilhões. Depois de oito meses dando expediente dia sim, dia não no banco que adquiriu, ele tem uma sugestão para um livro de realismo mágico: As lendas do Banespa. ?O mercado dizia que esta casa era frágil, moribunda, e depois da privatização seria devorada pela concorrência. Em oito meses, ganhamos 300 mil novos clientes e já temos lucro?, festeja ele. ?Francamente, está sendo divertido. Se é assim que funciona sob ataque, imagino como será em tempo de paz.? Jaramillo quer usar a marca paulista como cabeça de ponte para montar a maior instituição financeira do País. Determinou que Banespa será a marca de varejo em São Paulo, enquanto Santander será o nome usado no atacado e nos outros Estados ? inclusive o Rio Grande do Sul, onde a bandeira Meridional desaparecerá. Até 2003, prevê ele, o banco privatizado dará lucro de US$ 750 milhões. E o investimento será pago em menos do que os dez anos inicialmente previstos.

A instituição espanhola, no Brasil, está na situação do peixe que engoliu uma baleia. O corpo do Banespa é incrivelmente maior
que aquele que o Santander possuía por aqui, com quatro vezes mais correntistas. Por isso, o centro de sua estratégia no País é o banco paulista. Até porque é nele que estão as oportunidades. Depois de cinco anos de letargia, sob intervenção federal, seus 3,8 milhões de clientes usam uma quantidade muito pequena de serviços. O alvo principal de Jaramillo é aumentar muito (e rapidamente) essa média. Em sete meses, de dezembro a junho passado, o banco vendeu mais apólices de seguros do que em 40 anos de história. Foram quase 500 mil novos contratos.

O volume administrado por seus fundos de investimento cresceu R$ 1 bilhão. Os cartões de crédito, que eram 700 mil, são hoje o dobro e devem chegar a 2 milhões no final do ano. O número só não irá além porque a fábrica que faz a impressão no plástico não dá conta da demanda. Muitas agências no interior do Estado começaram a vender produtos que seus funcionários mal sabiam que existiam. Na pequena cidade de Óleo, próxima a Catanduva, a 700 quilômetros da Capital, a agência
local do Banespa vendeu seu primeiro contrato de leasing
somente no mês passado. E logo fez outros cinco.

A média de consumo passou de três produtos por cliente, no dia do leilão, para 3,5 no balanço de junho. Jaramillo ressalta, em tom desafiador, que ?ninguém evoluiu tão rápido no sistema financeiro?, mas diz que há muito o que crescer. A meta é chegar a cinco produtos por cabeça. O esforço de venda começou no dia seguinte ao leilão de privatização, quando o Santander implantou um programa de premiação aos funcionários que atingissem suas metas. Nada parecido havia sido proposto antes aos 22 mil empregados da estatal, mais habituados a benefícios típicos do serviço público, como licenças-prêmio. O consultor Erivelto Rodrigues, da Austin Asis, conta que uma parte expressiva dos que se auto-intitulavam ?banespianos? se sentiu incomodada com o novo sistema de trabalho, sem estabilidade e sob pressão dos resultados, e não se adaptou. Veio então um gigantesco Programa de Demissão
Voluntária (PDV), que acabou na saída de 8,3 mil funcionários
e encerrou essa fase da reestruturação. O banco tem agora
11 empregados por ponto de venda, índice quase igual ao do Santander, que tem 10 por loja.

Ficaram no Banespa 13 mil pessoas ? e com elas o Santander se diz mais que satisfeito. O banco fez apenas 104 contratações e resolveu investir nas pratas da casa. O corpo de gerentes de agência, que tinha 1,1 mil integrantes, foi reforçado com mais 2,5 mil, todos promovidos a partir da equipe remanescente. Os funcionários, tidos no mercado bancário como capazes, mas defasados, ganharam cada um 128 horas de treinamento. ?Disseram que nós e os funcionários viveríamos em conflito, mas temos uma parceria. Era mais uma das crendices populares sobre o Banespa?, provoca Jaramillo. Dois diretores do ex-banco estadual, o de seguros e o de crédito agrícola, conseguiram se destacar e passaram a diretores também do Santander.

Nas áreas que os dois comandam, o Banespa tinha muito mais a ensinar ao grupo espanhol do que a aprender. A tecnologia do banco para crédito agrícola acabou copiada na casa matriz, na Espanha, e também no Santander Meridional, o outro banco regional comprado pelo grupo e que detém a liderança no rico Estado do Rio Grande do Sul. O Santander aposta alto no negócio agrícola. Em 150 agências no interior de São Paulo escalou agrônomos e outros especialistas capazes de avaliar safras, tecnologias, preços de commodities e outras variáveis, só para controlar o risco e ampliar o relacionamento com os agricultores. Nenhum outro banco no País tem conhecimento para lidar com estrutura semelhante. Um arcabouço parecido foi montado para atender a pequenas e
médias indústrias no interior de São Paulo. A região tem renda per capita igual à do interior da Espanha e, por isso, o Banespa oferecerá a seus clientes um mix de produtos semelhante ao
que o Santander vende em seu mercado de origem. ?As necessidades são parecidas?, afirma Jaramillo.

Dividir a área de atendimento nas agências em segmentos, de acordo com o perfil de cada cliente, é uma aparente obviedade,
mas a idéia simplesmente não existia no Banespa até a privatização. Foi a primeira mudança estrutural que o Santander implantou.
Todas as agências estão sendo reformadas para isso. A área dedicada ao atendimento em caixas, porém, vai continuar maior do que na média dos bancos privados. ?Nosso cliente gosta de atendimento humano?, explica Pedro Coutinho, vice-presidente de rede do Banespa. Isso não dispensa um pesado investimento em tecnologia. O banco está enterrando R$ 800 milhões este ano em uma nova base tecnológica para todas as agências, e acaba de aprovar mais investimento de R$ 100 milhões para uma segunda fase. ?Antecipamos investimentos porque avançamos mais rapidamente do que se poderia esperar?, diz Jaramillo.

Caberá ao Banespa desenvolver os negócios de varejo em São Paulo. A marca Santander ficará com as operações de atacado e também com o varejo no resto do País. Jaramillo diz que o alto preço pago pelo banco paulista, motivo de críticas nos dias após o leilão, vai ser recuperado muito antes do prazo inicialmente previsto. Ele deve saber do que está falando. Seis meses antes do leilão em que arrematou o Banespa, o executivo tinha em sua sala do Santander um mapa do Estado de São Paulo com alfinetes espetados sobre cada agência do Banespa. Quando lhe perguntavam o que era aquilo, ele desconversava. ?Eu sabia que esse banco seria nosso. Estudamos muito antes de comprá-lo. Agora, basta colocar o projeto em prática?, anima-se. A concorrência observa incrédula, como se ouvisse um personagem de Garcia Márquez.