A dúvida continua cruel: até onde vai o fundo do poço das ações da Petrobras? Na quinta-feira 29, as preferenciais fecharam em R$ 8,75 e as ordinárias, em R$ 8,47 – praticamente, o preço de um bom picolé nas cercanias da BM&FBovespa, em São Paulo. Os papéis mais negociados derreteram quase 14% em dois dias, após a publicação do balanço do terceiro trimestre de 2014 na madrugada da quarta-feira 28. O documento não auditado (a PwC não assinou embaixo) e, portanto, sem credibilidade, deixou o mercado desconfortável tanto pelo que informou quanto pelo que omitiu.

Os resultados mostraram uma queda de 22% nos lucros e confirmaram que R$ 188 bilhões em ativos imobilizados – quase um terço do enorme parque petrolífero da estatal – podem estar contabilizados de maneira errada. Por conta das investigações da operação Lava Jato da Polícia Federal, sabe-se hoje que há ativos superfaturados após o pagamento de propinas a diretores da estatal. Porém, o tamanho real dessa encrenca financeira ainda é uma incógnita. O balanço, as notas explicativas e as apresentações para analistas e jornalistas não responderam como a empresa vai contabilizar as perdas provocadas por investimentos suspeitos de corrupção.

Também não explicam qual será o resultado desses ajustes nos lucros dos próximos trimestres e nos dividendos, que podem deixar de ser pagos, provocando uma incerteza inédita no mercado com relação ao futuro da companhia. Em um dos muitos cenários possíveis, a Petrobras poderá ter de reconhecer perdas contábeis de R$ 88,6 bilhões, que reduziriam seus ativos e teriam de ser deduzidas de seu patrimônio líquido contábil de R$ 350 bilhões. No mercado, ela vale bem menos que isso. Diante da incerteza, entre a noite da terça-feira 27 e o fechamento dos negócios na quinta-feira 29, as ações preferenciais da Petrobras caíram mais 13,96% e as ordinárias, 12,13%, mandando o valor de mercado da empresa para R$ 114,8 bilhões.

É menos do que valem Ambev, Itaú Unibanco e Bradesco. Para os acionistas, começou mais um período de sustos. A própria direção da estatal, que já gastou R$ 150 milhões com advogados, auditores e reestruturações internas, admite que o processo de levar luz aos desvãos da empresa será longo. “Estamos trabalhando dia e noite, sem folgas nem fins de semana, para atender às demandas de nossos auditores e dos órgãos reguladores”, disse Graça Foster, presidente da estatal, em uma teleconferência com analistas. Mas ela reconheceu que o panorama é incerto.

“Eu não sei o que ainda vem pela frente na Lava Jato”, afirmou. A insegurança de Foster é compartilhada pelos investidores. “A Petrobras informou que explicaria as baixas contábeis no fim de janeiro e não foi o que aconteceu. Isso foi uma quebra de expectativa enorme”, diz Celson Plácido, analista da XP Investimentos. “O mercado não consegue mensurar qual o tamanho da baixa.” Quem se debruçou sobre os números divulgados na madrugada não gostou do que viu. “A Petrobras está endividada, o nível de alavancagem cresceu absurdamente”, diz Raphael Figueiredo, analista da Clear Corretora.

“Os gastos da empresa com as refinarias Premium 1 e 2 elevaram o endividamento e fizeram o resultado operacional piorar.” As perdas com essas duas refinarias, localizadas no Maranhão, somadas às de unidades maiores, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, custaram R$ 2,7 bilhões acima do que deveriam à estatal. “Isso elevou os custos e afetou as margens.” Os números já mostram isso. O Ebitda de R$ 42 bilhões dos três primeiros trimestres de 2014 representa uma diminuição de 11% em relação aos R$ 47 bilhões do mesmo período de 2013.

A correção de rota será difícil e custosa. Desde 1991, quando inaugurou as captações internacionais brasileiras após a moratória decretada por José Sarney, em 1987, a Petrobras tradicionalmente é a primeira empresa do Brasil a acessar o mercado internacional de capitais no início do ano, estabelecendo um parâmetro sobre o apetite dos investidores para emissões brasileiras – inclusive da República. Em 2015, isso não será possível. “Ela não tem como captar recursos por meio da emissão de dívidas, e o endividamento em relação ao Ebitda permanece muito elevado”, diz Plácido.

A questão, para os profissionais do mercado, não é apenas saber se a Petrobras terá de reconhecer uma perda de R$ 88 bilhões. Essa é uma cifra respeitável em qualquer latitude, mas, no longo prazo, é algo suportável para uma companhia que gerou R$ 42 bilhões de caixa nos nove primeiros meses de 2014. O que realmente incomoda o mercado é qual o impacto de todas essas irregularidades sobre o futuro da Petrobras: como ela conseguirá manter seu pesado programa de investimentos, produzindo petróleo de maneira sustentável e lucrativa, quando há suspeitas sobre a maioria de suas decisões estratégicas tomadas desde a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006.

Mais do que irregularidades e corrupção, a deterioração das contas, o aumento do endividamento e a redução da capacidade de geração de caixa colocam em xeque a classificação de risco da estatal, ameaçando sua solvência e sua capacidade de investimento. O impacto dessa desaceleração sobre a economia brasileira será intenso. O relatório de sustentabilidade da empresa de 2013 informa que a companhia negociou com 18 mil fornecedores de bens e serviços, movimentando quase R$ 90 bilhões. “Esse valor corresponde a quase 2% do PIB, sem contar o faturamento de toda a cadeia produtiva ligada à estatal”, diz o consultor paulista Hovani Argeri.

A Petrobras ainda não divulgou seu plano de negócios entre 2015 e 2020, por isso não há uma cifra oficial para o quanto seria investido neste ano. No entanto, ao comentar os resultados na quinta, Foster confirmou os temores do mercado de que o ritmo dos projetos vai diminuir. Segundo ela, os investimentos em capacidade instalada de 2015 deverão ficar entre US$ 31 bilhões e US$ 33 bilhões, abaixo do previsto anteriormente. “A essência do plano de negócios é a redução do ritmo de crescimento da Petrobras”, disse ela.

“Vamos evitar contratar mais dívidas, projetos menos atrativos serão mandados para o fim da fila e seremos mais seletivos no desenvolvimento de áreas de exploração.” Como o investidor deve se comportar neste cenário? Os analistas foram unânimes na recomendação de manter as ações da Petrobras. Na linguagem neutra do mercado, isso quer dizer que quem já é acionista e vem amargando perdas não deve vender os papéis, e quem está pensando em aproveitar uma eventual pechincha deve pensar duas vezes – ou mais.