ZURIQUE, 30 DE OUTUBRO DE 2007. NO AUGE de uma cerimônia simples, mas emocionante, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, confirmou a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014. Realizou, assim, o sonho de várias gerações de brasileiros. Agora, o único país pentacampeão mundial terá de mostrar que seu valor vai além do futebol. Dificilmente Blatter poderia ter sido mais enfático em seu simpático anúncio. “Estamos dando ao Brasil não só o direito de organizar a Copa do Mundo da Fifa, mas a responsabilidade.” Essa é a palavra-chave. Desde a terça-feira passada, o Brasil tornou-se responsável pela realização de um dos maiores eventos esportivos do planeta, comparávelsomente às Olimpíadas. E fiadores desse compromisso não faltaram. Participaram da festa o presidente Lula, três ministros de Estado e 13 governadores, uma delegação oficial poucas vezes vista no auditório daFifa. Lula falou por todos e garantiu que o País não decepcionará: “Temos homens determinados a ver os problemas solucionados e a Fifa pode estar certa de que faremos o dever de casa e, em 2014, realizaremos um Mundial para argentino nenhum botar defeito”, afirmou, referindo-se, com humor, à rivalidade com nossos vizinhos. Ao seu lado, tenso durante quase toda a solenidade, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, pela primeira vez esboçou um sorriso. Ele sabe que, apesar das promessas dos políticos, vão desabar em suas costas as cobranças sobre a bilionária competição. Arquiteto maior da candidatura, Teixeira assumirá, a partir de janeiro, a presidência do Comitê Organizador Local (COL). Pelos próximos sete anos, ele será a segunda maior autoridade do País do futebol, atrás apenas do presidente da República.

PELOS PRÓXIMOS SETE ANOS, TEIXEIRA SERÁ A SEGUNDA MAIOR AUTORIDADE DO PAÍS

Ex-genro do lendário João Havelange, que deu estrutura profissional à Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF) e presidiu a Fifa por 24 anos, Ricardo Teixeira comanda a CBF com mão de ferro desde 1989. Em sua gestão, comemorou os títulos mundiais de 1994, nos EUA, e de 2002, no Japão. Membro do Comitê Executivo da Fifa, ele sabia exatamente onde deveria pisar para tornar vitoriosa a candidatura brasileira. “Tudo que tinha que ser feito o Brasil fez. Apresentou o caderno de encargos e cumpriu todas as exigências”, afirma. O trabalho mais duro vem daqui em diante. Começa com a perigosa tarefa de indicar até 30 de junho de 2008 as 12 cidades-sede da Copa (a Fifa quer no máximo dez). O projeto da CBF incluiu 18 candidatas, mas a Fifa desaprovou seis delas, por carência de transporte urbano: Florianópolis, Maceió, Natal, Rio Branco, Campo Grande e Cuiabá. De outro lado, cinco cidades parecem confirmadas: São Paulo (com o jogo de abertura), Rio (com a final), Belo Horizonte, Porto Alegre e o Distrito Federal. Ficará nas mãos de Ricardo Teixeira o destino de Belém, Manaus, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Recife/Olinda e Salvador. E, exatamente por isso, ele vem sendo cortejado por políticos e governadores. Na verdade, porém, ninguém está garantido. Nem mesmo o Maracanã tem condições, hoje, de abrigar uma partida de Copa. “Nenhuma cidade das 18 está definida como sede, assim como nenhuma está excluída”, tranqüiliza o presidente da CBF.

O cerco dos governadores a Teixeira tem razão de ser. Sua decisão trará dividendos eleitorais, pois as cidades-sede de Copa do Mundo atraem recursos públicos e privados e dão um salto de qualidade.No Brasil, não será diferente. O País terá de realizar investimentos na construção e melhoria dos estádios, em facilidades urbanas, transportes, ferrovias, aeroportos e na indústria hoteleira. O ex-presidente do Banco Central, Carlos Geraldo Langoni, responsável pelo planejamento financeiro da candidatura, estima que o Brasil vai gastar na Copa 2014 cerca de US$ 6 bilhões. Os novos estádios receberiam US$ 1,2 bilhão e os demais US$ 4,8 bilhões seriam aplicados em obras de infra-estrutura. “A situação da Alemanha era melhor do que a nossa, eles tinham estádios modernizados e nós vamos ter que começar praticamente do zero”, disse Langoni à DINHEIRO. Especialistas calculam, no entanto, que o valor total chega próximo a R$ 18 bilhões, pouco menos de US$ 9 bilhões. “É cedo para se falar de números. O assunto é sério e tem de ser tratado com clareza”, afirmou Teixeira à DINHEIRO. Segundo Langoni, enquanto as arenas esportivas atrairão investimentos privados, as obras de infra-estrutura correrão por conta do setor público. “São melhorias que precisariam ser feitas de qualquer forma e já estão previstas no PAC.” A tendência, segundo ele, é que surja uma espécie de PAC para a Copa, com orçamentos próprios da União, dos Estados e dos municípios.

Ricardo Teixeira, obviamente, é o senhor do novo PAC – e, com isso, passa a ter voz ativa em algumas das principais decisões econômicas do País a partir de agora. O impacto dos novos investimentos na economia brasileira serálíquido e certo. Nas previsões oficiais, cerca de 500 mil turistas visitarão o Brasil no mês da Copa, gastando em média US$ 112 por dia. Na Alemanha, foram criados 40 mil empregos permanentes e na África do Sul muito mais: 170 mil. Esse último número poderá se repetir na Copa 2014. Além dos investimentos nacionais, a Fifa dará uma ajuda de custo de US$ 400 milhões para a instalação do Comitê Organizador Local. A primeira parcela será repassada no início de 2008. Em contrapartida, a entidade exigirá mudanças legislativas que permitam a gestão eficiente do evento. Na África do Sul, para vencer obstáculos, foi promulgada uma lei geral da Copa 2010. No caso brasileiro, segundo o advogado Francisco Müssnich, responsável pelo ordenamento jurídico do projeto da Copa 2014, terão de ser criadas leis específicas e convênios sobre isenção de impostos, direito de propriedade e livre permissão para o ingresso e o trabalho de estrangeiros. “O mais difícil será fazer as alterações legislativas até o próximo ano, porque é um ano eleitoral”, adverte Müssnich.

Pedras no caminho vão existir, sem dúvida. E, no caso de atraso no cronograma, o Comitê Executivo da Fifa poderá se reunir em 1º de junho de 2012 para mudar a sede da Copa, o que só ocorreu em 1986 com a Colômbia. Já existem até dois candidatos potenciais: os EUA e a Inglaterra. “Não faltarão recursos públicos. Isso já foi assegurado pelo presidente e pelos governos estaduais”, afirma Teixeira. Se tudo correr bem, portanto, a Copa de 2014 é nossa. Há, porém, que contornar um pequeno problema: o pavio curto de Ricardo Teixeira. Na entrevista coletiva após a oficialização da Fifa, Teixeira irritou-se com uma pergunta da jornalista canadense Erica Bolman, da Associated Press, sobre a violência no Brasil. Pouco diplomático, mencionou o assassinato do brasileiro Jean Charles em Londres, os tiroteios em escolas americanas e chegou a acusar a polícia canadense de agredir uma delegação esportiva chilena. Também causou constrangimento sua atitude de não convidar Pelé para a cerimônia. Os craques Platini e Beckenbauer cobraram a presença do maior jogador de futebol de todos os tempos. À imprensa, Teixeira explicou-se: “Não sei onde o Pelé está. Convidei dois jogadores que representam a força do futebol brasileiro em minha presidência (Dunga e Romário).” Contudo, os próprios assessores da CBF informaram que Teixeira não recebeu bem críticas de Pelé sobre a desorganização do futebol brasileiro. Mais tarde, circulou em Zurique a informação de que Pelé será convidado para participar da Copa 2014, num outro momento. Melhor assim. A Copa de 2014 é um grande desafio nacional. Exige união. Nada pode atrapalhar seu êxito. Muito menos rancores pessoais.