16/04/2003 - 7:00
Felipe Belisario Wermus, argentino por nascimento e cidadão francês por adoção, tinha um almoço a sós com o ministro Luiz Gushiken, da Comunicação de Governo, marcado para sexta-feira 28. Combinaram que iriam decidir, nesse encontro, qual o dia exato que Luís Favre ? codinome pelo qual Felipe é chamado nos bastidores da esquerda brasileira ? tomaria posse em seu gabinete no Palácio do Planalto. Já se acertou sua função, assessor de Comunicação Internacional do governo, seu cargo burocrático, DAS-5, e o salário de R$ 5.800 mensais, além, claro, da missão de melhorar a imagem externa do País. Também lhe foi prometido um passaporte azul, o mesmo dos ministros de Estado. Ele está com um pé no poder federal por decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Só não pisou com os dois sapatos porque foi acusado, na véspera da nomeação, de ter recebido US$ 300 mil para facilitar concessões de linhas de ônibus pela Prefeitura de São Paulo. O autor da denúncia, Gelson Camargo dos Santos, está preso por estelionato, falsificação de documentos e formação de quadrilha. ?Achei melhor adiar por uns dias minha ida a Brasília?, revelou ele para a DINHEIRO. ?Agora vou ter que esclarecer essas histórias absurdas.?
A entrada de Favre para o governo federal atende pedido explícito da prefeita paulista Marta Teresa Suplicy. Eles vivem juntos há dois anos. Nos primeiros meses de 2002, Favre pilotou uma sala dentro do comitê central do partido. Ele era consultado sobre a qualidade de peças de propaganda da campanha de Lula e sua viabilização. Marta nunca o deixou na mão. Com a vitória de Lula, a prefeita exigiu um cargo para o marido na administração federal. Ora pede com charme, ora levanta a voz. Na armação do governo, em meados dezembro, Marta sacou da bolsa o nome do amado para nada menos que a presidência do BNDES. A expressão de espanto no rosto de Lula foi tão grande que a prefeita recuou antes de ouvir a resposta. Mais modesta, em seguida cogitou alguma diretoria da Caixa Econômica Federal. Os petistas, aliviados, descobriram que a lei não permite a nomeação de estrangeiros para o governo. Até dias atrás, Favre vinha sendo obrigado a voltar à França a cada três meses para renovar seu visto de turista no Brasil. Em janeiro, ele solicitou ao Ministério da Justiça um visto permanente de trabalho no País. Alegou ?união estável? com a prefeita. O visto saiu no início de março. Desde então, a prefeita voltou à carga pela nomeação do marido. ?Ela elevou a tensão ao insuportável?, revela um petista que trabalha no Planalto. ?Lula deu ordens para atendê-la imediatamente temendo que suas emoções passionais a levem a romper com o partido. Aí, sim, seria um desastre.?
Favre é amigo de Lula há 17 anos chegou até a hospedar por seis meses, em seu apartamento em Paris, Lurian Lula da Silva, a primogênita do presidente. Para sua nomeação ao governo, ele tem encontrado forte resistência do chefe da Casa Civil, José Dirceu. Já foram amigos, mas durante a campanha presidencial, os dois brigavam quase todos os dias. Dirceu reclamava que Favre se intrometia em tudo. ?Ele queria decidir até o que um deputado federal poderia ou não falar na TV?, queixou-se. Abertas as urnas, quase trocaram empurrões no alto do palanque da festa da vitória, na Avenida Paulista. Em seu território, Favre quis resolver quem podia ou não chegar perto de Lula. Dentro do governo, Favre conta hoje com o apoio formal dos ministros Gushiken e Antônio Palocci. O ministro da Fazenda até espalhou que teria convidado Favre para trabalhar com ele, antes que Gushiken levasse seu passe. Nos anos 80, Favre era dirigente em Paris da Quarta Internacional, organização mundial dos seguidores do falecido líder comunista Leon Trotsky. Favre foi enviado ao Brasil para convencer as facções locais a se dissolverem no jovem PT. Acabou amigo íntimo dos chefes trotsquistas de então, Gushiken e Palocci. Hoje Favre goza da confiança de François Hollande, presidente do Partido Socialista francês. Juntos, estão articulando a ascensão de Lula à presidência da Internacional Socialista.
Aos 53 anos, Favre tem um passado de aventuras. Nasceu
num cortiço em Buenos Aires, numa família de operários
peronistas de origem judaica. Só completou o ginásio. Até os 20 anos, trabalhou como contínuo, gráfico e metalúrgico. Detido oito vezes pelo regime militar, exilou-se em Paris. Já foi companheiro da filha de um grande empreiteiro argentino, de uma americana e de uma brasileira, Marília Andrade, herdeira da construtora Andrade Gutierrez. Depois de Marília, Favre viveu com uma francesa. Marta é a quinta. Gosta de bons vinhos, restaurantes caros e roupas de grife. No Brasil, se apresenta como dono de uma gráfica em Paris, sua principal fonte de renda. Por enquanto, quem quiser falar com o companheiro Favre pode encontrá-lo nos finais de tarde paulistanas fumando um Cohiba Lanceros na calçada de tapete vermelho do restaurante Le Vin, nos Jardins. Mas é provável que, em breve, seja preciso se deslocar até os melhores restaurantes do Planalto para usufruir de seus conselhos.