09/12/2025 - 17:01
O Riviera Park Hotel, maior complexo hoteleiro de Caldas Novas (GO), atravessa um dos momentos mais delicados de sua trajetória. No centro do impasse está o embate entre o sistema de locação administrado pela WAM Experience – responsável por concentrar as reservas e remunerar os proprietários – e um modelo alternativo de hospedagem que atua fora da convenção e utiliza plataformas digitais como Airbnb e Booking.
A tensão aumentou após a Assembleia Geral Extraordinária do dia 25, marcada por disputas internas, questionamentos sobre a regularidade da votação e a tentativa de destituir a WAM da gestão do empreendimento. A reunião, que se estendeu por 16 horas, terminou com a aprovação da troca de administração, mas, no dia seguinte, o Tribunal de Justiça de Goiás suspendeu todos os seus efeitos por considerar que a convocação violou a convenção e restringiu a participação dos proprietários.
Diante da escalada do conflito e da suspensão judicial da mudança de gestão, a Dinheiro entrevistou Lucas Fiuza, CEO da WAM, empresa responsável por dez hotéis no país, sendo sete em Caldas Novas e outros no Ceará, na Bahia e no Rio de Janeiro, que assumiu a reestruturação do Riviera em 2023. Ele analisa as origens da crise, o impacto da operação paralela e os desafios para a estabilidade do Riviera Park Hotel.
- A crise do Riviera, marcada pela atuação de um sistema paralelo de locações, o pool pirata, é um caso isolado ou reflete um problema mais amplo? Podemos falar em uma crise do modelo oficial no Brasil?
O caso do Riviera não é isolado e reflete sim um problema que ocorre no Brasil e no exterior. Entretanto, que ocorre no Riviera tem características muito específicas, em especial devido a audácia da liderança que vinha operando o pool pirata impunemente. Em empreendimentos que funcionam como flats, em que cada proprietário detém pelo menos uma unidade completa, não é incomum surgirem tentativas de alguns condôminos para operar fora das regras internas, e isso pode gerar conflitos parecidos, o que reforça a necessidade de uma gestão central profissionalizada para manter a ordem em nome de todos os condôminos. No Riviera, o ponto central não é a qualidade do funcionamento do sistema “Pool Oficial”, e sim o descumprimento deliberado da convenção, aprovada pela maioria dos condôminos. Alguns proprietários optaram por ignorar essas regras para sustentar um modelo próprio de exploração comercial acreditando equivocadamente se tratar de uma vantagem e, a insistência aguerrida e articulada desse tipo de conduta é o que desencadeia a crise, e não uma falha estrutural do pool oficial.
- Por que parte dos proprietários migra para o sistema paralelo de locação? Trata-se de desconhecimento das regras, conflito de interesses ou insatisfação com o modelo oficial?
Não pode ser por desconhecimento. Há dezenas de ordens judiciais proibindo a prática (muitas foram inclusive desobedecidas), campanhas de esclarecimento e decisões reiteradas. O que existe é um conflito de interesses que já chegou até ao campo criminal. Geralmente, o que pode causar insatisfação com o pool oficial é a queda de rendimentos, que, no caso do Riviera, é justamente provocada pela concorrência desleal: diárias a preços muito baixos e desvio de hóspedes para fora do sistema oficial. Ou seja, quem de fato provoca a queda nos rendimentos, usa a própria conduta para difamar o pool oficial e confundir proprietários.
- Por que, na sua visão, o grupo que opera o sistema paralelo quer assumir o comando do hotel?
Porque não têm votos para alterar a convenção e legalizar a prática. A estratégia, então, é tentar trocar a administradora por outra que conviva com o modelo paralelo a margem da convenção.
- Mas na última Assembleia Geral Extraordinária, realizada no dia 25 de novembro, condôminos ligados ao sistema paralelo aprovaram a destituição da WAM. O que essa votação representa do ponto de vista jurídico e operacional?
Esta assembleia foi presidida por interessados no pool paralelo, que a conduziram de forma temerária e antidemocrática. Por exemplo, todos os mais de 300 votos do pool oficial foram rejeitados, tanto que a votação não produziu efeitos. A Justiça suspendeu integralmente a assembleia, confirmando irregularidades e determinou que nenhuma deliberação poderia ser implementada proibindo novas assembleias com o mesmo objetivo até o julgamento do processo. Ou seja, apesar do resultado apresentado pelo grupo que opera o ‘pool pirata’, a destituição não é válida e a WAM permanece como administradora do empreendimento.
- A entrada da Atlântica Hotels na disputa pelo hotel, ao lado dos condôminos que operam o pool paralelo, surpreendeu a WAM?
Surpreendeu, sim. O modelo de negócios da Atlântica é incompatível com a violação da convenção. Além disso, pelo volume de processos judiciais e fatos que expuseram forte ação política hostil contra condôminos não aderentes à pirataraia, é evidente que os operadores do sistema paralelo não vão simplesmente abandonar a prática de forma pacífica independentemente de quem administre.
- A operação paralela afeta a performance do pool oficial e o valor do empreendimento?
Afeta de forma grave. O pool paralelo reduz receitas, distorce preços com leilões de diárias muito abaixo do padrão e prejudica a imagem do hotel com apartamentos fora de padrão, frustração de hóspedes e uso indevido da marca do pool oficial. Também aumenta riscos: excesso de ocupação nos apartamentos, episódios de violência, inclusive tentativa de homicídio, e processos trabalhistas por insalubridade, devido, por exemplo, ao desgaste das camareiras pelos danos deixados majoritariamente em unidades utilizadas pelo pool pirata.
- Quais são os principais riscos quando dois sistemas de locação operam simultaneamente?
Do ponto de vista jurídico, todo o hotel pode eventualmente ser responsabilizado e desvalorizado por infrações individuais cometidas por quem opera fora da convenção, especialmente quando envolve terceiros de boa fé, como hospedes que tem suas expectativas frustradas. No operacional, o hotel perde previsibilidade: não sabe o que está sendo vendido, não consegue planejar insumos, produtos ou estratégias comerciais. Financeiramente, perde receita e valor patrimonial além do incalculável dano reputacional.
- A imagem do hotel é afetada?
Sem dúvida. A reputação é o ativo essencial para que um hotel tenha diárias saudáveis. Quando um caso grave, como o episódio de esfaqueamento no lobby que aconteceu recentemente, envolvendo “convidados/clientes” do pool pirata, o dano atinge todo o hotel, que é um produto destinado a famílias.
- Há possibilidade de convivência entre os dois modelos?
Há possibilidade, desde que o condomínio aprove em convenção permitir a locação direta de curta duração além do pool oficial. É uma decisão determinante para que toda a comunidade do condomínio possa definir coletivamente o padrão do empreendimento e o tipo de produto, pois tal decisão transformaria o empreendimento praticamente em um residencial com serviços, com custo condominial alto e queda no valor das diárias e dos imóveis. Além desse cenário ser pouco atrativo para administradoras profissionais, o pool oficial sempre sairá prejudicado pela concorrência desleal.
- Plataformas digitais impulsionaram o modelo paralelo?
Sim. Elas disponibilizaram um canal de vendas que se confunde com o oficial, sem custo inicial e com múltiplos perfis difíceis de rastrear.
- Qual a responsabilidade de Airbnb e Booking na divulgação de anúncios irregulares de unidades?
Na nossa avaliação, as plataformas têm, sim, responsabilidade quando divulgam anúncios de unidades que operam em desacordo com as regras internas do empreendimento mesmo após receberem denúncias. Hoje, quando recebem denúncias formais, não fazem qualquer verificação documental para confirmar se aquela oferta é lícita. O anúncio só é retirado mediante ordem judicial. Mas nesse intervalo, o infrator simplesmente cria um novo perfil e continua operando, o que torna o processo ineficaz. Essa dinâmica sustenta a prática irregular e prejudica todo o condomínio, porque o hóspede acredita estar contratando algo autorizado pelo hotel que também usa as plataformas para vender oficialmente. Uma checagem mínima, como a exigência de comprovação de autorização condominial, já reduziria de forma significativa a reincidência desses anúncios.
