09/05/2014 - 20:00
No livro “A Loja de Tudo”, o jornalista americano Brad Stone traça um retrato pouco glamouroso do empresário Jeff Bezos, fundador da Amazon, a maior operação de comércio eletrônico do planeta, com receita de US$ 74,4 bilhões no ano passado. Nele, o leitor conhece um Bezos implacável, irascível e obstinado por construir, a qualquer custo, um negócio em que se pode comprar de tudo. Na década 1990, durante seus primeiros anos, a Amazon cresceu como nunca. E colecionou prejuízos milionários, ano após ano. Bezos, a cada balanço no vermelho, mantinha a fleuma e resistia à ideia de frear a expansão de sua cria em prol da lucratividade.
“Se você faz planos para mais de 20 minutos no futuro, está perdendo tempo”, dizia ele em reuniões com seus executivos. Tanto que a Amazon demorou sete anos, desde que abriu o capital na bolsa eletrônica Nasdaq, em 1996, para dar lucro – e só o fez porque os investidores pressionaram o criador do livro eletrônico Kindle. Em 18 anos, a companhia esteve no vermelho em oito deles, a metade menos um. A última vez ocorreu em 2012, quando perdeu US$ 39 milhões. Esse parece ser o caso das varejistas virtuais brasileiras. A maioria delas opera no vermelho, e não há nada de errado nisso. Pelo menos por enquanto, o prejuízo não parece nenhum bicho-papão.
“Essas empresas estão em fase de investimento”, diz um banqueiro que não quer ser identificado. “É muito importante estar na frente, pois a liderança traz uma série de vantagens.” É fácil de entender, então, por que as principais companhias de comércio eletrônico do País estão recebendo injeções de recursos que chegam a ser bilionárias. A B2W, presidida por Anna Saicali, por exemplo, está ganhando uma capitalização de R$ 2,4 bilhões da Lojas Americanas, sua controladora, e do fundo americano Tiger Global. A loja online de artigos esportivos Netshoes, do empresário Marcio Kumruian, captou, na semana passada, cerca de R$ 400 milhões do fundo soberano de Cingapura (GIC).
Mais R$ 100 milhões devem entrar no caixa da empresa no segundo semestre deste ano. Nada, no entanto, se compara ao que pretende o grupo francês Casino, que controla o Pão de Açúcar. Na terça-feira 6, o Casino anunciou a união de suas operações online no Brasil e na França, criando uma gigante global de US$ 4,1 bilhões, com intenção de abrir o capital nos Estados Unidos no terceiro trimestre deste ano. O plano, segundo previsões do mercado, é levantar R$ 5 bilhões, capital que será todo investido na expansão do negócio. Essa foi a forma encontrada por Jean-Charles Naouri, CEO do Casino, para enfrentar competidores como Amazon e eBay, globalmente, e a B2W, dona das marcas Submarino e Americanas.com, localmente.
“Só quando se firmarem nas posições que se sentirem confortáveis, as grandes empresas vão buscar a rentabilidade”, afirma Ricardo Michelazzo, sócio da consultoria GS&Ecomm. O dinheiro que entra no caixa das empresas de comércio eletrônico serve para aumentar os investimentos em marketing e acelerar a expansão do negócio. Elas brigam por um mercado em crescimento acelerado, que deve quase dobrar de tamanho em três anos, chegando a uma receita de R$ 34,6 bilhões em 2014, segundo estimativas da consultoria E-bit.
O número de consumidores que compram online, nos últimos quatro anos, triplicou. Por isso, a regra do jogo é crescer, crescer muito e crescer ainda mais para conquistar um lugar ao sol. “O comércio eletrônico brasileiro é uma praia pequena e muita bonita”, diz José Rogério Luiz, vice-presidente de desenvolvimento corporativo da Netshoes. “A questão é que só há quatro terrenos que ficam de frente para a praia.” Para sentir a brisa que vem do mar, vale até perder dinheiro, desde que não seja para sempre, como o próprio Bezos ensinou.
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A parte que vale mais do que o todo
A regra é clara, diria o comentarista de arbitragem da Rede Globo, Arnaldo César Coelho. Um mais um, não há dúvida, somam dois. No mercado financeiro, essa aritmética nem sempre funciona. Tome como exemplo a NewCo, holding internacional que vai combinar a brasileira Nova Pontocom com a francesa Cdiscount, ambas operações online do Casino, atual controlador do Pão de Açúcar. A união cria uma empresa com faturamento líquido de US$ 4,1 bilhões, com atuação no Brasil, na França, na Colômbia, naTailândia e no Vietnã, e planos de abrir o capital nos Estados Unidos.
A operação deve vender uma fatia de 20% da companhia e movimentar cerca de R$ 5 bilhões, segundo estimativas do mercado. Caso se concretize, a NewCo estaria avaliada em R$ 25 bilhões. Só para comparar: a Viavarejo vale R$ 10,1 bilhões; o Pão de Açúcar, R$ 27,7 bilhões. Trata-se do extraordinário caso em que a parte vale mais do que o todo. Pode isso, Arnaldo? Claro que sim. No jargão do mercado financeiro, a operação destrava o valor da Nova Pontocom. Dentro do grupo Pão de Açúcar, seu resultado não influenciava a avaliação da companhia que a controlava. Fora dela, trata-se de um diamante a ser lapidado. E, principalmente, na visão de analistas, com mais musculatura para concorrer com gigantes internacionais, como a Amazon e o eBay.