DINHEIRO ? O sr. acredita que nações emergentes, como o Brasil, deverão liderar um mundo no qual a economia movida a petróleo perderá cada vez mais espaço?

ROBERT FRANCIS KENNEDY JR. ? Sem dúvida. Os Estados Unidos perderam o respeito, a autoridade e a credibilidade mundial des­de que nos envolvemos na campanha do Iraque, em 1991 e em 2003, para alimentar nossa dependência do petróleo. Nesse contexto, países como o Brasil, que hoje é a sexta economia do planeta, é um forte candidato a assumir um papel de liderança global. Apesar disso, vejo que os EUA ainda têm a oportunidade de retomar esse posto. Mas isso só será feito com a adoção de uma agenda ambiental e o abandono da extrema dependência do petróleo. Além, é claro, de deixarmos de nos envolver em guerras vinculadas ao petróleo, como as travadas recentemente no Oriente Médio. 

 

DINHEIRO ? Qual é a sua avaliação sobre a forma como o governo e os brasileiros em geral estão cuidando da agenda ambiental?

KENNEDY JR. ? Não gostaria de emitir opinião sobre o que o País tem feito nessa área antes de desembarcar por aí. Contudo, o que posso adiantar é que as iniciativas governamentais para ?descarbonizar? o setor de transportes é algo que me desperta curiosidade. Trata-se de um tema que está na agenda dos principais países do mundo e gostaria de conhecer melhor o programa de etanol e os veículos com motor flex. Também pretendo pesquisar sobre o que tem sido feito para proteger a Amazônia. 

 

DINHEIRO ? A agenda ambiental está perdendo espaço na Europa e nos Estados Unidos em função da prolongada recessão dessas economias? 

KENNEDY JR. ? Acredito que a situação nas duas regiões é bastante diferente. Aqui, nosso problema não é a falta de interesse da população na transição para uma economia mais sustentável. A grande oposição vem dos poderosos lobbies das indústrias petrolíferas na Câmara dos De­­putados e no Senado, além dos parlamentos das principais cidades americanas. Mas, do ponto de vista dos Estados Unidos, acredito que o presidente Barack Obama se deixou emparedar pelo lobby da indústria do petróleo, que controla o Congresso americano. 

 

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John, Bob e Ted Kennedy, em momento de descontração,

na década de 1960 

 

DINHEIRO ? Isso seria fruto de armadilhas deixadas pelo antecessor, George W. Bush, especialmente na política externa? 

KENNEDY JR. ? Sem dúvida. O governo Obama ficou com as mãos atadas devido a diversas decisões tomadas por seu antecessor. Apesar disso, Obama tem feito coisas positivas: obrigou o setor automotivo a produzir veículos mais eficientes e brigou pela regulamentação de limites para emissão de poluentes. Sem contar o financiamento de inúmeros projetos de energia alternativa em diversas partes do país. Trata-se de uma agenda que jamais seria implementada por Bush. Eu espero que ele fortaleça essa área com a interrupção da construção do projeto Keystone XL (gasoduto ligando Alberta, no Canadá, à cidade de Louisiana, nos Estados Unidos, através do qual serão bombeados 800 mil barris de petróleo, por dia).

 

DINHEIRO ? Ambientalistas, intelectuais e artistas engrossam a lista de opositores desse projeto. O sr., inclusive, foi preso durante protesto em frente à Casa Branca. No que esse projeto é tão danoso?

KENNEDY JR. ? A extração de petróleo a partir de areia betuminosa vai gerar um tremendo impacto ambiental que poderá acelerar sobremaneira o aquecimento global, comprometendo ainda mais a integridade das calotas polares. O derretimento de várias geleiras no Polo Norte tem um potencial destrutivo imenso em várias partes do mundo, resultando em catástrofes como enchentes e a consequente perda de vidas e prejuízos materiais. E não quero ajudar a gerar esse risco para meus filhos e netos.

 

DINHEIRO ? O sr. acredita que o gás de xisto pode ser uma solução para reduzir e até eliminar a dependência da economia americana em relação ao petróleo do Oriente Médio?

KENNEDY JR. ? Trata-se de uma questão complicada que possui diversos ângulos. Um deles é o viés ambiental. O gás de xisto é mais barato e menos prejudicial à camada de ozônio do que o carvão mineral. Ao usá-lo, o setor industrial americano poderá fazer retroceder sua taxa de emissões aos níveis de 1997. Além disso, possibilita o retorno de indústrias como as do setor siderúrgico e outras intensivas em energia, que fecharam suas unidades nos EUA devido aos elevados custos 

de produção. 

 

DINHEIRO ? E quanto aos problemas vinculados à sua exploração? 

KENNEDY JR. ? Estou ciente de que esse gás também cobra um preço muito elevado em termos de impacto na vida das pessoas. Principalmente no que se refere à poluição do lençol freático, à pressão sobre o sistema de saúde devido às doenças associadas à exploração, sem contar a infraestrutura de cidades cujas estradas são invadidas, de uma hora para outra, pelo tráfego de veículos pesados, por exemplo. Apenas no Estado de Nova York os custos adicionais resultantes da exploração chegam a US$ 500 milhões por ano. Mais que recursos, o custo maior se refere à deterioração da qualidade de vida das pequenas comunidades. Os royalties nem sempre compensam os problemas. 

 

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Soldados se preparam para entrar em ação no Iraque

 

DINHEIRO ? Entre as opções disponíveis, qual o sr. defende como a melhor forma de geração de energia? 

KENNEDY JR. ? Acho que esse debate precisa ser travado a partir de uma abordagem diferente. Hoje, os custos associados aos efeitos danosos gerados pela indústria energética, baseada em combustível fóssil, são debitados de toda a sociedade. O correto seria que problemas como a deterioração da saúde da população, o custo de guerras como as do Iraque e do Afeganistão e a vigilância contínua do Golfo Pérsico fossem bancadas pelas petroleiras. Mas, mesmo nesse cenário adverso, a energia eólica e solar ainda são mais competitivas que o petróleo em 20 dos 50 Estados americanos.

 

DINHEIRO ? Em 2010, a revista Time inclui seu nome na galeria dos Heróis do Planeta. O sr. acredita que esse tipo de homenagem ajuda a gerar uma percepção positiva das pessoas em relação ao sr. e ao seu trabalho?

KENNEDY JR. ? Não sei exatamente o que as pessoas pensam sobre mim. Para ser franco, não me descreveria como um herói. Tudo que faço é lutar por uma causa na qual eu acredito. 

 

DINHEIRO ? O sr. nunca considerou a hipótese de ingressar na política, seguindo os passos de seu pai, Bob Kennedy, e de seus tios John e Ted Kennedy? 

KENNEDY JR. ? Sim, mas acabei abrindo mão porque estava muito envolvido com a criação de meus seis filhos. Mas, certamente, é uma possibilidade para o futuro. Em diversas oca­siões meu nome foi apontado como possível candidato ao Senado americano, pelo Estado de Nova York. 

 

DINHEIRO ? O sr. diria que é difícil ser um Kennedy?

KENNEDY JR. ? Na verdade, é muito bom.

 

DINHEIRO ? Quais seriam as partes boas e ruins que vêm com o sobrenome? Como encara o assédio da imprensa, por exemplo?

KENNEDY JR. ? Sem dúvida, é um nome que abre portas e chama a atenção para minhas campanhas, ajudando a fortalecer a agenda das questões ambientais. Quanto ao assédio da imprensa e a curiosidade das pessoas em geral, posso dizer que sempre levei essa situação com tranquilidade. Sou muito ligado à família e faço passeios e outros programas com meus filhos, sem me importar com o assédio da imprensa. Você nunca me verá reclamando de ser um Kennedy.

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