29/06/2005 - 7:00
DINHEIRO foi a primeira publicação do País a divulgar as denúncias que geraram a operação fiscal e policial que atingiu a Schincariol. Na edição de 24 de dezembro de 2003, a revista publicou, com exclusividade, reportagem com o conteúdo de um dossiê no qual um fornecedor de malte e lúpulo para cervejarias revelava um esquema de sonegação fiscal nas grandes empresas do setor. Na gravação em vídeo (transcrita para um laudo de 97 páginas e assinada por um perito criminal), Edson Guterres, o autor da denúncia, disparava contras as principais companhias. Guterres conversava com um investidor cuja imagem não foi identificada. O material foi entregue à Associação Brasileira de Combate à Falsificação de forma anônima e, em seguida, à CPI da Pirataria e da Sonegação, instalada na Câmara dos Deputados. Sobraram, no documento divulgado por DINHEIRO, farpas para a Ambev – detentora das marcas Antarctica, Brahma, Skol e Caracu – e para a Schincariol. Ao longo das oito páginas da reportagem, as acusações feitas à empresa de Itu, um ano e meio antes das prisões da semana retrasada, eram mais volumosas e complicadas. Boa parte da conversa gravada girava em torno das operações que Guterres dizia realizar para a Schincariol. Em repetidos momentos, ele frisava sua proximidade com o empresário Nelson Schincariol (assassinado em agosto de 2003) e a colaboração entre ambos nas negociatas de sonegação. Nos diálogos, Guterres explicava, com didatismo, como o esquema funcionava. Confira:
Guterres (sobre a Schincariol) ? Hoje está com seis fábricas, nos próximos quatro anos ele estará com 20% (do mercado). E eu hoje sou um dos maiores colaboradores deles. Inclusive o seu Nelson Schincariol, calabrês ele.
Investidor ? Quem que é? Nelson Schincariol? Quem que é?
Guterres ? Ah, hoje é dono. O sobrenome dele é a cerveja. (…)
Investidor ? E qual é a mágica desses caras?
Guterres ? Sonegação.
Investidor ? Mas sonegação…
Guterres ? Sonegação e cash. Nunca me pagou com cheque, nada. Só dinheiro. As outras, às vezes eles pagam com cheque pequeno, mas, 80% que eles operam é tudo dinheiro vivo. Tenho problema com isso, por causa do volume de dinheiro.
Investidor ? Tem que sair com maleta.
Guterres ? É, também dar uma disfarçada, mas é complicado. (…)
Investidor ? E quanto, você está há quanto tempo com a Schincariol?
Guterres ? Schincariol, desde que ela começou.
Investidor ? Desde o começo.
Guterres ? Então tem um pilarzinho meu lá. (risos). Ele não pode me chutar porque ele ganha comigo. E ganha muito. Hoje ele ganha comigo, mensal, ele ganha mais de um milhão.
Investidor ? Quem?
Guterres ? Livrinho. O seu Nelson, dono da Schincariol.
Investidor ? Ah! Pela sonegação.
Guterres ? Pela sonegação.
Investidor ? Um milhão por mês?
Guterres ? Por mês, limpinho.
Investidor ? De dólares?
Guterres ? De dólares. (…) O movimento meu com ele, diário, é de 300, 400 mil reais.
Em um outro trecho, Guterres descrevia uma série de operações de vendas de latinhas para a Schincariol, sempre sem nota fiscal, a preços artificialmente mais baixos, o que resultaria em ganhos mais lucrativos diante das empresas concorrentes.
Investidor ? Você entrega outros insumos.
Guterres ? (…) No ano passado eu entreguei latinha. Latinha eu entreguei sem nota também. Isso é um feito inesitável (sic) que eu tenho, consegui.
Investidor ? Conseguiu comprar sem nota?
Guterres ? Sem nota e com a logomarca dele. Agora você me explicou como? É uma jogada de mestre. (…)
Investidor ? Quanto você puxou de lata, num ano, por exemplo? Esse mercado de lata, quanto dá pra puxar?
Guterres ? Esse mercado de lata? Não pode jogar… jogar muito pesado. Mas eu cheguei a puxar num ano 140, 150 mil… milhões.
Investidor ? De lata?
Guterres ? É, é volume mesmo. Divide isso aí por doze procê ver quantas caixas dá.
Procurado por DINHEIRO, à época da reportagem, Adriano Schincariol, que sucedera o pai no comando da empresa, admitiu conhecer Guterres. ?Ele aparecia lá na empresa fazendo transporte e venda de insumos. É uma pessoa que não presta. Noventa e nove por cento do que ele está dizendo é mentira?, disse. As denúncias divulgadas por DINHEIRO, com base no dossiê, ajudaram a Polícia Federal, com o apoio da Receita, a investigar a malversação da Schincariol.