Certas histórias parecem contos de fadas. No mundo dos negócios, uma das mais feéricas é a de Howard Schultz, fundador da rede de cafeterias Starbucks, com 12 mil lojas pelo mundo e prestes a abrir a primeira no Brasil. Sua trajetória se assemelha a de muitos executivos, que começaram pobres e tornaram-se milionários. Foi o que aconteceu com esse nova-iorquino, nascido em 1952, em uma família modesta. Mas a grande diferença entre o executivo e outros empreendedores que acumularam fortuna é que Schultz quis transformar as amarguras que viveu em parâmetros para seu negócio. “Quis construir uma companhia onde as pessoas fossem respeitadas, o tipo de firma onde meu pai nunca teve a chance de trabalhar”, diz.

O pai de Schultz, como ele mesmo descreve em seu livro, “Dedique-Se de Coração” (Negócio Editora), foi a inspiração para o modelo de administração implantado na Starbucks. Fred Schultz era motorista e fazia entregas de fraldas para bebês. Um dia, quando seu filho tinha 7 anos, Fred quebrou a perna. Como não tinha seguro saúde ou cobertura médica, não pode se tratar. Ficou em casa gemendo. “Lembro até hoje do meu pai na cama, reclamando de dor”, lamenta o empresário. Por causa da fratura, Fred foi demitido e nunca mais conseguiu outro trabalho. A família passou por maus bocados e Schultz foi mandando para um orfanato, onde passou boa parte de sua infância. Só conseguiu se formar porque jogava bem futebol americano e ganhou uma bolsa da Northern Michigan University. “Para mim, o acidente de meu pai é até hoje a lembrança mais amarga que tenho.”

Baseado nessas recordações, Schultz cria as políticas administrativas e as estratégias da Starbucks, uma companhia com 96.700 empregados em vários países, na qual até os que trabalham apenas 20 horas semanais têm direito a convênio médico. Fora os planos de stock-options (incentivos para comprar ações da companhia) e todo o trabalho de responsabilidade social que a companhia promove nos sete cantos do planeta, como cursos de alfabetização e promoção de fazendas comunitárias. No Brasil, a Starbucks, mantém há anos dois orfanatos para crianças abandonadas, em Santos, no litoral paulista, e em Alfenas, no Sul de Minas Gerais.

Isso explica por que os cafés servidos na rede com sede em Seattle custam caro. Nos Estados Unidos, o preço médio gira em torno de US$ 4 – dos quais boa parte financiam as ações sociais e os benefícios trabalhistas da Starbucks. Mas, segundo Schultz, essas políticas dão força à marca e explica o sucesso da rede. Sucesso que vai agora para as telas de cinema. Nos moldes de Náufrago – que conta o drama de um executivo da FedEx vítima de um acidente aéreo – Tom Hanks será o ator principal de “How Starbucks saved my life” (Como a Starbucks salvou minha vida), do diretor Gus Van Sant (de Gênio Indomável). O astro interpretará um executivo de publicidade que perde seu emprego, sua família, acaba obrigado a trabalhar na Starbucks para pagar suas dívidas. A estréia está prevista para 2008. Bem antes disso, outra estréia deve acontecer: a das primeiras lojas da rede no Brasil. Serão duas lojas no shopping Morumbi, em São Paulo, com inauguração prevista até o fim do ano. Uma delas, ficará dentro da livraria Saraiva. O cardápio ainda não está definido, mas já se sabe que um dos maiores desafios a multinacional no Brasil será quebrar a resistência cultural às bebidas geladas a base de café. Missão nada difícil para Schultz, que começou a empresa enfrentando barreiras como essa. Em 1982, recém formado, ele foi contratado por uma empresa que vendia café em grão, chamada Starbucks. Inspirado pelas cafeterias italianas, o jovem funcionário propôs ao dono da companhia que abrisse cafés, para vender a bebida pronta e os europeus cafés gelados. A idéia foi rechaçada. Indignado, Schultz pediu demissão e montou o Il Giornale, em 1985, para colocar suas idéias em prática. Dois anos depois, seu ex-patrão resolveu mudar de ramo e colocou a marca Starbucks à venda. O antigo empregado não perdeu tempo e fechou negócio. Hoje, quase 20 anos depois, a Starbucks é uma potência mundial, com vendas anuais na casa dos US$ 6,4 bilhões.