A Acaba de vir à luz mais uma versão do Proer, o generoso e bilionário plano de ajuda aos bancos criado pelo governo mas financiado pelo contribuinte. Desta vez, o dinheiro público, também em doses astronômicas, iluminará os cofres das empresas de energia elétrica. Por isso, prepare-se para uma tarifaço na sua conta de luz. Na semana passada, o Congresso aprovou reajustes de 2,9% para as residências e 7,9% para as indústrias. O dinheiro arrecadado será destinado para pagar uma espécie de Proel ? o Proer da energia elétrica ? que pode chegar a R$ 24 bilhões pelas contas dos adversários do programa, como
o PT. O próprio governo admite que poderá gastar algo em torno de R$ 17 bilhões com as companhias elétricas, fora o dinheiro que já foi transferido para as empresas no ano passado, com a concessão de reajustes, em média, de 17,5%. Além de custar muito dinheiro, o Proer da luz está cercado por questionamentos. Seu ponto mais polêmico é a contratação do que o governo chama de ?seguro-apagão?. São contratos que foram fechados a toque de caixa, no início do ano, para que empresas privadas instalassem pequenas usinas, movidas principalmente a óleo combustível e diesel. Essas usinas só serão acionadas se houver risco de racionamento, mas o governo vai pagar preços bem acima dos de mercado pelo aluguel dos equipamentos, mesmo que não seja necessário ligar os motores.

Para bancar o programa, criou-se uma taxa extra na conta de luz de todos os brasileiros, conhecida como ?seguro antiapagão?. À primeira vista, trata-se de um valor que não assusta: R$ 0,0049 por quilowatt consumido. Quando se soma todas as cobranças do seguro previstas nos próximos anos pode-se chegar a um valor de até R$ 11 bilhões, segundo o governo. O dinheiro já começou a ser arrecadado para custear a implantação de 58 usinas, com potencial de gerar 2,153 megawatts (MW) de energia, o equivalente ao que se deixou de consumir no racionamento do ano passado, segundo o analista Marcos Severine, da corretora Sudameris. Pelos planos do governo, essas usinas só entrarão em funcionamento se faltar energia no País nos próximos três anos. Caso contrário, os donos das usinas receberão parte do dinheiro ? nada menos que
R$ 6,7 bilhões ? pelo aluguel dos equipamentos, mesmo sem precisar sequer ligar o motor das máquinas. A CBEE (Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial), estatal criada para administrar o programa, diz que esse é um preço baixo para se evitar os prejuízos com eventual novo racionamento no País. Para alguns grupos de especialistas em energia, sindicalistas e deputados, trata-se de um dos maiores escândalos dos últimos tempos.

?É a maior bandalheira?, ataca Ildo Sauer, professor do Programa de Pós-Graduação em Energia, da USP. Sauer comparou os preços dos contratos firmados pela CBEE com cotações internacionais. Sua conclusão foi que o ?seguro antiapagão? está superfaturado: para gerar a mesma quantidade de energia encomendada pelo governo, com os mesmos equipamentos movidos a óleo combustível ou diesel, seriam necessários apenas R$ 2,5 bilhões ? menos da metade dos R$ 6,7 bilhões que, na melhor das hipóteses, serão pagos às usinas. Além do valor justo ser muito mais baixo, continua Sauer, o governo está pagando para alugar as usinas por três anos e não para ser dono delas.
Outro especialista em energia, Maurício Tomalsquim, também
achou o projeto caríssimo. Pelas contas do professor da UFRJ, com os R$ 6,7 bilhões gastos para instalar 2.153 MW nas termelétricas movidas a óleo combustível e diesel daria para construir hidrelétricas com geração de 6 mil MW. ?Estamos pagando o seguro de um Corsa com o valor de um Rolls-Royce?, diz Tomalsquim.

De tão generoso, o Proel acabou atraindo mais de 120 grupos interessados a negociar seus Corsinhas como se fossem Rolls-Royces. A Proteus Power do Brasil, por exemplo, mandou trazer da República Dominicana uma barcaça-geradora com 20 anos de uso. Encostou-a para reformas no estaleiro Mauá-Jirong, no Rio de Janeiro. Para botá-la em boas condições gastará US$ 5 milhões. Mas valerá a pena. Pelo contrato fechado com a CBEE, a Proteus Power vai receber, no mínimo,
R$ 201,18 milhões pelo aluguel da embarcação pelos próximos 32 meses. Se for preciso acionar as máquinas, o valor do contrato sobe para R$ 287,4 milhões. ?Se não fosse uma oportunidade lucrativa, não haveria participação da iniciativa privada. Isso é óbvio?, diz Zacharia Korn, presidente da Proteus, que não revela quanto pagou pela barcaça.

Entre as empresas que se candidataram ao programa emergencial, existem empreiteiras com negócios em baixa, usinas de cana de açúcar desativadas e fabricantes de geradores a diesel que estavam com equipamentos parados. Para participar da concorrência, o consórcio PIERP, por exemplo, arrendou, em Ribeirão Preto (SP) a usina de cana de açúcar Santa Lydia, que, antes do programa emergencial, estava desativada. Investiu R$ 23 milhões para reformar suas instalações e gerar energia a partir do bagaço da cana. Em troca, ganhou um contrato que pode chegar a R$ 102 milhões. Uma parte expressiva desse dinheiro vai entrar em seus cofres mesmo se não for moído um pedaço de cana sequer. Um dos sócios do empreendimento é a Arcadis Engenharia, que também participa de dois outros projetos, um deles na usina de açúcar Canaã, em Paraguaçu Paulista (SP). A Canaã gerava energia para consumo próprio e recebeu investimentos de R$ 20 milhões para comprar uma nova caldeira. Seu contrato com a CBEE é cinco vezes maior do que o valor investido: pode chegar a R$ 102 milhões. Ainda assim, o presidente da Arcadis, José da Costa Carvalho Neto, queixa-se dos riscos do projeto, que julga serem muito maiores do que num negócio tradicional. ?Se o gerador não funcionar, seremos multados. Precisamos manter equipes completas à disposição e estruturas prontas na hora em que se pedir energia?, argumenta.

A notícia da criação do programa de emergência correu o mundo. A Cummins do Brasil, tradicional fabricante de motores e geradores a diesel, aproveitou a oferta do governo para tirar a poeira de equipamentos que estavam encostados na matriz, nos
Estados Unidos, onde as encomendas começaram a
cair depois dos ataques terroristas de 11 de setembro e que
provocaram um esfriamento da economia mundial. Quando a CBEE lançou o Proel, a Cummins logo se candidatou e ganhou um contrato no valor de R$ 439 milhões ? grande parte desse dinheiro sem gerar nenhum kw de energia.
Os gastos para a implantação de 64 MW, em Sete Lagoas (MG), serão de US$ 30 milhões, incluindo a importação de todo o equipamento da própria Cummins americana. Pelo projeto, a Cummins vai instalar 42 pequenos geradores em contêineres, num terreno alugado de 28 mil metros quadrados. É um sistema de miniusinas, igual ao que a empresa já implantou em Honduras e Gana. ?Trata-se de uma tendência mundial?, diz Ricardo Chuahy, presidente da Cummins do Brasil.

Para justificar os altos valores dos contratos, o governo alega que fez tudo em caráter de urgência e aproveitou o que já estava na praça. ?Na época, não tínhamos outra alternativa?, argumenta Mário Dias Miranda, diretor-presidente da CBEE. A decisão de criar o programa de emergência foi tomada em outubro do ano passado pela Câmara de Gestão de Crise de Energia Elétrica, que contava com a participação do então ministro de Energia, José Jorge. A idéia nasceu de uma conversa entre o ministro do ?apagão?, Pedro Parente, com Mário Santos, diretor do Operador Nacional do Sistema (ONS), sobre os riscos de um novo racionamento em 2002. O governo convidou empresas a apresentarem propostas de emergência, tendo como preço máximo uma média das cotações da energia num período do racionamento: cerca de R$ 350,00 por megawatt hora. Foram apresentadas 124 propostas e o governo escolheu 58 delas, feitas por 29 grupos. Ao final da consulta, as empresas vencedoras receberão, em média, R$ 289 por MW. ?Sabemos que o preço de R$ 289 é alto, mas ficou bem abaixo dos R$ 350 que fixamos na licitação?, diz Miranda. Até mesmo um dos beneficiados pelos contratos se surpreende com os valores. Ao ser questionado pela reportagem da DINHEIRO sobre os valores médios pagos pela CBEE, o presidente da Tractebel no Brasil, Manoel Arlindo, levou um susto. ?É tudo isso mesmo??, perguntou. A mesma pergunta faz o procurador da República, Rodrigo Valdez de Oliveira, que está analisando os preços dos contratos, os argumentos de Miranda e a papelada da CBEE. Na semana que vem, ele decidirá se pedirá na Justiça a anulação dos contratos.