19/03/2008 - 7:00
Durante muitos anos, discutiu-se no Brasil se o governo federal agiu bem ou mal ao lançar o Proer, um programa de recuperação das instituições financeiras, logo depois de implantar o Plano Real. A conta foi de R$ 30 bilhões, mas argumentavase que ela teria sido necessária para evitar um risco sistêmico, garantindo assim as bases da estabilização monetária. Pois bem. Na semana passada, o Proer brasileiro virou fichinha perto do que aconteceu em Wall Street. Sob a batuta de Ben Bernanke, chairman do Federal Reserve, o banco central americano, foi aberta uma linha de crédito de US$ 200 bilhões, com títulos do Tesouro, para as instituições financeiras dos Estados Unidos. Tomada em conjunto com bancos centrais da Europa, do Canadá, da Inglaterra e da Suíça, a medida pretendia dar um banho de liquidez num mercado cada vez mais contaminado pela crise de crédito imobiliário. Foi como se Bernanke jogasse dinheiro de helicóptero para os banqueiros de Wall Street. ?O problema é que nem isso parece ser uma saída definitiva para a crise?, analisa Thomas Lee, estrategista do JP Morgan Chase em Nova York. Como toda movimentação atípica dos órgãos reguladores exerce um fascínio instantâneo sobre o mercado, o índice Dow Jones subiu 3,55%. O canto da sereia mostrou- se desafinado logo em seguida, quando as bolsas voltaram a registrar quedas durante o resto da semana.
BERNANKE: chairman do Fed agiu como se estivesse atirando dólares de helicóptero aos banqueiros
A preocupação com um pacote bilionário que não surtiu um efeito de longo prazo assustou até o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson. Trabalhando em outra frente, ele exortou o mercado a restaurar a confiança no setor de hipotecas e impulsionar o segmento de serviços financeiros. Mas nada pegou o mercado tão de surpresa quanto o pedido de Paulson para que os bancos suspendam o pagamento de dividendos e aumentem o capital para sobreviver à turbulência. ?Estamos encorajando as instituições financeiras a fortalecer seus balanços?, afirmou o secretário do Tesouro. ?Precisamos que elas continuem emprestando recursos e facilitem o crescimento econômico.? É algo que o mercado já vinha pressentindo. Nos últimos dias, houve uma seqüência de trocas entre os principais homens dos bancos afetados pelo subprime. Coincidência ou não, grupos como o Bear Stearns e o Carlyle apresentaram resultados catastróficos, abalando ainda mais o moral do mercado. O Carlyle Capital Corporation, fundo hipotecário do Carlyle Group, avisou que não foi capaz de estabilizar suas finanças e que terá ativos arrestados. Para quem não conhece, o Carlyle tem ligações diretas com a Casa Branca. Um dos fundadores, David Rubenstein, foi secretário de Defesa americano. E um de seus conselheiros foi ninguém menos que George Bush, o pai. O desfalque deixado pelo Carlyle foi de US$ 22 bilhões, 40 vezes mais que o capital do fundo, de US$ 670 milhões. O dinheiro veio de bancos como Citigroup, Merril Lynch e Bank of America, os mesmos já afundados pelo subprime.
Foi pensando nessas instituições que o Fed optou pelo pacote bilionário. Funcionários do BC americano acreditam que os bancos que podem recorrer ao programa, como Goldman Sachs e Morgan Stanley, vão emprestar, em troca de dinheiro, os títulos do Tesouro para outras instituições, o que melhoraria suas contas. Além disso, o Fed também aumentou o valor disponível para empréstimos a outros bancos centrais. Para o BC europeu, a cifra subiu de US$ 20 bilhões para US$ 30 bilhões. O aumento para a Suíça foi de US$ 2 bilhões para US$ 6 bilhões. ?É um Proer mundial?, brinca Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, que participou do socorro aos bancos brasileiros. ?Os Estados Unidos estão sofrendo um ataque especulativo generalizado e esse pacote pode crescer ainda mais?, avisa Loyola. Para aumentar as agruras do Tio Sam, o euro atingiu a cotação recorde de US$ 1,56 e o Goldman Sachs divulgou um relatório apontando que, a esse câmbio, a União Européia já é hoje a maior economia do mundo ? sorry!
SANTANDER PASSA O CITI. AGORA VEM O MAIS DIFÍCIL
No final de 2007, o presidente mundial do Santander, Emilio Botín, traçou uma meta ambiciosa: superar o gigante Citibank em valor de mercado. Menos de 90 dias depois, ele conseguiu. Na semana passada, o Santander valia US$ 107 bilhões e o Citibank, US$ 102 bilhões, segundo dados da Bloomberg. A bem da verdade, a conquista está mais associada à debacle do Citi do que à valorização dos ativos espanhóis. O banco americano foi arrasado pela crise do subprime, apostando na cobiça de seus emprestadores e confiando em excesso em seus administradores. O problema é que na Espanha também se avizinha uma crise imobiliária. Antecipando as comparações, Botín saiu logo para defender que o Santander não possui ativos imobiliários importantes em seu país e, muito menos, entrou com afinco no mercado de hipotecas. Ainda assim, os preços de imóveis no país ibérico subiram 257% em menos de dez anos e o retorno de investimento no setor bateu em 13,5%, acima dos 9% registrados na Bolsa de Madri. Com uma crise se desenhando no quintal, o Santander tem de ficar de olho no erro do gigante que conseguiu ultrapassar.