Organizar planilhas no trabalho, assistir a noticiários, cuidar das tarefas domésticas e dar conta de outras responsabilidades são desafios diários do ser humano. Porém, cada atividade deve ser feita separadamente, com foco de atenção em cada uma individualmente para preservar o cérebro. 

É o que defende a neurologista Thais Gameiro, neurocientista e sócia da Nêmesis, que presta assessoria e educação corporativa na área de Neurociência Organizacional. Segundo ela, o multitasking, termo usado para quem é assume diversas atividades ao mesmo tempo – o multitarefa – se trata de uma ilusão, pois o cérebro não consegue se engajar em diversas atividades ao mesmo tempo.

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A neurocientista argumenta que apenas 2% das pessoas são realmente eficientes em fazer mais de uma tarefa em paralelo, a partir de estudos. “Para a maioria de nós, o multitasking é apenas um mito”, defende. Leia a entrevista a seguir: 

  • Por que “fazer várias coisas ao mesmo tempo” pode ser nocivo?

Nossa atenção funciona como um filtro: toda vez que engajamos em alguma tarefa e prestamos atenção em algo, significa que estamos direcionando esforços, recursos cognitivos, memória, capacidade de pensar e resolver problemas para algo específico. Não significa que não possamos ter uma leitura completa do ambiente, mas tudo que está dentro do foco da atenção é privilegiado. 

A atenção é como uma lanterna, que tem um feixe de luz principal, iluminando o ponto de foco com uma penumbra que fica em volta. O que está no foco é o que o cérebro vai privilegiar, e o restante fica com uma riqueza de detalhes menor.

  • Como o cérebro organiza o multitasking? Ou não temos essa capacidade?

Fazer várias coisas de uma vez é uma ilusão: temos a falsa sensação de que a atenção está em diversas coisas. Ao tentar fazer várias coisas, o cérebro troca ‘o foco dessa lanterna’ de uma área para outra. No mundo do trabalho, podemos dizer que esse profissional não existe, pois não temos essa capacidade. E tentar ser multitarefa realmente é contraproducente.

Ser multitarefa é diferente de ter várias habilidades ou competências: uma pessoa pode saber várias coisas e ter várias habilidades, mas não fazer várias atividades ao mesmo tempo.

  • O Burnout pode ser um efeito? 

Se pensarmos num computador – e o cérebro é o ‘computador mais perfeito que existe’ – que tem uma capacidade de armazenamento, memória e processamento. Ao sobrecarregar esse computador, gera uma sobrecarga, e no cérebro, é uma sobrecarga cognitiva.

Quem tem uma vida ou trabalho que gera sobrecarga, e é a grande maioria, vai viver sob efeito estressante. Existe um estresse ‘normal’ do ambiente de trabalho, de resolver problemas, prazos e demandas. Mas quando existe desequilíbrio entre o que se pode dar conta e o que é esperado dela, isso pode gerar uma sobrecarga no ‘sistema’, o que também pode contribuir para gerar o burnout.

  • Quais os efeitos dessa tentativa para o ser humano?

Isso tem um custo. A longo prazo, se pensar por exemplo, ao acordar descansado, após uma noite de sono, conseguimos ter uma qualidade ‘atencional’ maior. Conforme o dia vai passando, e engajamos em tarefas ao longo do dia, como o trabalho e tarefas domésticas, o cansaço vem, e isso vai gerando estresse para o cérebro. 

Hoje, alguns trabalhos demandam mais o foco intelectual, principalmente em escritórios: sentar ao computador, abrir várias abas no desktop, trabalhar em uma planilha, em uma apresentação, responder e-mails, ficar tudo na mesma tela, sendo o computador e celular. São atividades distintas, então naturalmente vou parar de fazer uma coisa e fazer outra.

Temos uma sobrecarga de tarefas e atividades, e tentamos fazer todas as coisas juntas, ao invés de reservar espaço para cada uma delas. A pressão para que seja multitarefa gera prejuízo na comunicação, no trabalho colaborativo, nas relações de trabalho – que ficam estressantes e com menos paciência e empatia; e isso vai gerando clima negativo. O impacto não é apenas na produtividade, mas emocionais na equipe.

  • Alguma glândula cerebral fica prejudicada quando a pessoa tenta realizar várias tarefas ao mesmo tempo? 

Ao fazer uma coisa de cada vez, já percebemos o cansaço, e a tentativa de fazer várias coisas ao mesmo tempo acaba sendo contraproducente: ficamos mais cansados e perdemos qualidade no que fazemos, já que o cérebro não consegue processar tudo, e gera o que chamamos de carga cognitiva, quando o órgão fica sobrecarregado. Isso pode gerar dor de cabeça e outros efeitos no corpo. 

Não existe glândula ou hormônio que fique inflamado ou prejudicado com o multitasking. Mas há a produção do hormônio chamado Cortisol, conhecido como hormônio de estresse, que age quando estamos sobrecarregados. O multitasking gera sobrecarga cognitiva, conhecida como estímulo estressor, que vai agir na produção do cortisol. Esse hormônio traz malefícios a longo prazo, podendo gerar um estresse crônico. O cortisol em excesso também gera ganhos de peso, doenças cardiovasculares, perda de memória, hiperestimulação, dificuldade para dormir, entre outras.