DINHEIRO ? Como o sr. avalia o recente relatório americano com críticas às barreiras comerciais brasileiras?
LUIZ OLAVO BAPTISTA ? Todo ano os americanos fazem esse relatório e sempre aparecem críticas ao Brasil. O relatório é usado para estabelecer os parâmetros de negociação. Boa parte das críticas ao Brasil tem certa razão de ser. Um bom exemplo é a crítica ao poder judiciário, que é realmente lento e não é suficientemente ativo e modernizado. O que não se pode é usar essas críticas como instrumento para dificultar nossas exportações. Isso seria uma barreira não tarifária. Não é errado os EUA fazerem um relatório como esse. Nosso problema é não fazer um trabalho parecido e levantar as barreiras que sofremos em outros países.

DINHEIRO ? Qual é a sua opinião sobre a resposta brasileira às medidas do governo americano que restringem as exportações de aço?
BAPTISTA ? O Brasil adotou uma atitude totalmente racional e adequada. Preferiu negociar antes de brigar. Respeitou as regras e as usou em benefício do País. Política externa não se conduz com o fígado, mas com a razão. Como toda questão política, essa também deve ser manejada com a força relativa de cada um. Você não tem condição de fazer uma negociação de igual para igual com quem pode mais. Desde os tempos do Barão do Rio Branco, o Brasil tem a tradição de negociar em questões de política externa.

DINHEIRO ? Muitos cobraram do governo brasileiro uma posição mais agressiva em relação aos EUA…
BAPTISTA ? Se tivéssemos enfrentado os EUA porque não gostamos deles o que iria acontecer? Eles não preservariam nossa cota de venda de aço. Do jeito que ficou, nossas exportações não vão aumentar, mas também não vão diminuir. Para que vamos comprar uma briga e perder o que já temos? O que precisamos é falar com os americanos: vocês tomaram uma atitude que vai limitar nosso crescimento, o que vão nos dar em compensação? As regras da OMC dizem que, ao impor salvaguardas para limitar importações, um país deve conversar com os outros e oferecer uma compensação. Se não fizer isso espontaneamente em três anos, os outros países podem pedir na OMC uma compensação. Evidentemente, as siderúrgicas brasileiras não aceitam essa
situação e querem aproveitar a oportunidade para tentar subir seu preço interno, com o argumento que não podem exportar. Mas o governo não pode deixar que isso ocorra porque pode repercutir sobre outros preços da economia.

DINHEIRO ? Qual a sua opinião sobre as medidas de salvaguardas contra importação de aço impostas pelos Estados Unidos?
BAPTISTA ? Salvaguardas são válvulas de segurança que se colocam em sistemas fechados para que não estourem. No caso das medidas adotadas pelos EUA, é preciso checar se as medidas foram legais do ponto de vista da OMC. Não fiz essa análise, até porque posso ter de julgar esse caso. Também é preciso checar se os EUA sofriam uma ameaça real para justificar a imposição de salvaguardas à importação do aço. É preciso entender que as medidas surgem num contexto político. Os EUA têm um problema grave de natureza eleitoral, que o presidente George W. Bush está enfrentando nos Estados onde teve grande votação. Ele não pode governar sem levar em conta seus eleitores.

DINHEIRO ? A Europa reagiu às medidas acenando com retaliações. O que o sr. pensa sobre isso?
BAPTISTA ? Um ex-juiz da OMC, o alemão Claus-Dieter Ehlerman, disse que é preciso ter nervos de aço para encarar o que está acontecendo. A União Européia não tem nada que aplicar uma sanção direta aos Estados Unidos. Ela até poderia fazer isso, mas desmoralizaria um sistema que ela ajudou a construir, a OMC. Ehlerman diz que a União Européia precisa ter paciência para tomar as medidas dentro do que é permitido pela OMC e não fazer esse episódio crescer além da medida. Penso a mesma coisa.

DINHEIRO ? A que se deve essa onda protecionista?
BAPTISTA ? O protecionismo sempre aumenta em épocas
eleitorais. A pressão política interna do país exige a tomada de atitudes mais cruas e às vezes, passadas as eleições, o país volta à racionalidade. Para garantir sua sobrevivência, o político não se importa em atropelar o vizinho. Estamos num momento político importante não só nos Estados Unidos. É momento eleitoral na Europa. Vários governos europeus têm que flexionar o músculo e aparecer para o seu eleitorado.

DINHEIRO ? É só uma onda protecionista de curto prazo ou há uma tendência de limitação ao comércio internacional?
BAPTISTA ? O nível geral de protecionismo está no patamar que sempre esteve. Às vezes ele aparece mais despudoradamente, outras vezes mais vestido. Tem dia que aparece como vai à festa e coloca roupa para se esconder. Agora o protecionismo está desfilando um pouco peladão. A turma olha e não gosta muito do que vê. Mas a situação está igual ao que sempre foi, não piorou. É preciso saber que todos são a favor do livre comércio das suas próprias mercadorias e não daquelas que vão prejudicá-lo. Sempre foi assim. Todos têm medo que estejamos entrando numa nova fase de protecionismo internacional, mas não acho que essa seja a tendência. Não é interesse de ninguém o aumento do protecionismo. Além disso, o motor da integração mundial hoje em dia são as grandes corporações. A General Electric e a General Motors têm mais poder militar, no sentido figurado da palavra, para segurar uma tendência protecionista do que qualquer outra força.

DINHEIRO ? O Brasil poderia ter apelado mais vezes para mecanismos de salvaguardas como os que os EUA usaram?
BAPTISTA ? Durante muitos anos, o comércio exterior brasileiro foi dirigido pelo Estado. Era o Instituto Brasileiro do Café que comprava e vendia café. Era o Instituto Brasileiro do Açúcar e do Álcool que fazia o comércio do açúcar. O Benedito Moreira, na Cacex, botava na gaveta os pedidos quando o governo não queria aumentar as importações. O ex-presidente Fernando Collor desmontou tudo isso num chute só. Ficamos na chuva, sem termos nos preparados, sem criarmos mecanismos de defesa comercial. Não tínhamos nem pessoal para fazer isso. Se não temos gente suficiente, como vamos aplicar uma medida antidumping, ou uma defesa comercial contra subsídios de outros países? Não temos gente preparada, estamos construindo isso pouco a pouco. Faz dez anos que o Collor saiu e estamos aí com a economia escancarada, sem ainda ter acabado de preparar o nosso pessoal. Muitos países, como o México, estão melhor preparados do que nós.

DINHEIRO ? Muitos falam que o Brasil fez uma abertura comercial ingênua, sem negociar. Qual é a sua opinião?
BAPTISTA ? Não é que o Brasil tenha sido ingênuo. Quando o Collor arrebentou o nosso sistema e quando o Ciro Gomes, sem a menor explicação, cortou as tarifas de importação pela metade, eles fizeram um mal enorme para o Brasil. Nós tínhamos um enorme material de negociação que eles jogaram fora. Não íamos deixar de abrir a economia. Mas abriríamos negociando acessos a outros mercados. É como se tivesse dito para alguém: venha defender essa fortaleza. Só que se entrega apenas um terço da munição necessária. Por mais bonita que seja a causa, você tem muito menos chance de ganhar do que quem tem mais munição.

DINHEIRO ? Como o Brasil poderia ter sido mais agressivo na defesa de seus interesses comerciais?
BAPTISTA ? Temos que identificar melhor os subsídios que outros países dão aos seus produtores. Temos que usar melhor os recursos na OMC, aplicar melhor as medidas anti-subsídio e antidumping, usar nossas salvaguardas. Nossas indústrias de cerâmica e de louça foram praticamente arrasadas pela concorrência que veio de fora porque não soubemos aplicar uma salvaguarda para defendê-las. A indústria de brinquedos também sofreu muito. Não podemos censurar os outros por terem tomado medidas que nós poderíamos ter tomado. A culpa é nossa por termos ficado inertes. O Collor e o sr. Ciro Gomes nos deixaram numa situação em que tivemos de enfrentar uma situação para a qual não estávamos preparados. Nem que você pusesse aqui um governo formado por Buda, Jesus Cristo e Maomé, não teria conseguido resolver a situação. Você não faz uma guerra se não tiver soldado e munição. Se não tiver os instrumentos, comete-se ilegalidades e perde-se na OMC. Hoje, o Brasil está começando a se aparelhar. Um bom panorama é que nós façamos uma reestruturação do Mercosul e juntemos nossas capacidades com as dos outros três sócios do bloco para formar massa crítica. A Argentina tem mais gente preparada e treinada para tratar de questões antidumping do que o Brasil. Se juntássemos forças, teríamos maiores possibilidades de nos defendermos.